Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE CIDADE - UF
PROCESSO Nº Número do Processo
Nome Completo, por seus procuradores e advogados infrafirmados (procuração anexa), nos autos da Ação de Busca e Apreensão em epígrafe, que lhe move Nome Completo, todos já devidamente qualificados, vem perante V. Exa, no prazo legal, apresentar sua
CONTESTAÇÃO
aduzindo o seguinte:
A) DA NECESSÁRIA CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
Inicialmente, requer seja concedido ao Réu os benefícios da justiça gratuita, tendo em vista que ele não tem condições de arcar com as custas e despesas processuais, sem prejuízo de seu próprio sustento e de sua família, nos termos da declaração anexa, firmada em conformidade com a Lei nº 1.060/50.
B) SINOPSE DA PRETENSÃO AUTORAL - IMPERTINÊNCIA
Pretende o Autor, através da propositura da presente Ação de Busca e Apreensão, reaver o automóvel marca GM, modelo Astra, o qual já foi objeto de cumprimento da liminar, sem que o Autor tivesse sido regularmente citado para os termos da presente ação, impossibilitando, inclusive, de purgar a mora.
Referida cobrança decorre da disponibilização de crédito através de Cédula de Crédito Bancário de nº Informação Omitida, na qual foi concedido ao autor um empréstimo no importe de R$ 57.077,20 (cinquenta e sete mil, setenta e sete reais e vinte centavos), que deveria ter sido pago em 60 (sessenta) parcelas, tendo o veículo como garantia.
Ao final, pleiteou o Autor a expedição do competente mandado de busca e apreensão, amparada nos confusos demonstrativos de débito juntados à inicial. A liminar concedida já foi cumprida, estando Réu privado da utilização do veículo, não obstante já ter realizado o pagamento de aproximadamente 80% do valor do contrato.
Todavia, a pretensão do Autor está amparada em cálculos que prejudicam o consumidor, pela utilização da Tabela Price, capitalização dos juros e comissão de permanência cumulada com outros encargos moratórios.
C) DA SUSPENSÃO DA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO
Outrossim, fora concedida liminar por Vossa Excelência, para busca e apreensão do veículo objeto da presente ação, sendo cumprida tal medida de forma abusiva em 03/03/2016, sem que o Réu tivesse conhecimento, tendo em vista que estuda em Informação Omitida e somente vai a Informação Omitida no período de férias.
Além disso, como ficará demonstrado, aplica-se ao caso a teoria do adimplemento substancial, tendo em vista que somente R$ 13.357,27 (treze mil, trezentos e cinquenta e sete reais e vinte e sete centavos) ainda estão pendentes de pagamento, levando-se em consideração que o valor do contrato beira R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).
Destarte, como consectário dos direitos e garantias individuais asseguradas pela Constituição Federal de 1988, o contrato que preveja a restituição sumária do bem, sem oportunidade de contraditório, fere princípios básicos constitucionalmente garantidos no seu artigo 5º, a saber:
“Art 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção:
(...)
LIV – Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
LV – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
Na restituição sumária do bem, fora cometida uma arbitrariedade, pois não houve oportunidade para o contraditório. Ante o exposto, requer-se desde já a reconsideração Vossa Excelência, vez que a Constituição Federal assegura o direito ao contraditório e ampla defesa em face do pedido de busca apreensão do bem, além de que tal medida acarreta prejuízos à demandada, pelo fato de o veículo apreendido caracteriza-se como bem essencial ao transporte de indígenas da tribo a qual faz parte o Réu.
D) DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL – PAGAMENTO DE PERCENTUAL CONSIDERÁVEL DO CONTRATO
A medida adotada pelo demandante em face do demandado é provida de total má-fé, contrariando os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, caracterizados pelo fato de que, do valor de R$ 57.077,20, a ser pago resta apenas R$ 13.357,27 como saldo devedor, fato afirmado na própria petição inicial, o que configura o instituto do adimplemento substancial.
Nesse sentido, é flagrante que há uma percepção nítida de boa-fé objetiva pelo demandado, pelo fato de que todas as parcelas foram quitadas em sua maioria tempestivamente e que o valor restante é considerado insignificante para o desfazimento de uma significativa relação jurídico-econômica.
Cumpre ressaltar que a inexecução da obrigação principal não é causa suficiente, por si só, para resolução do contrato e apreensão do bem, não resultando uma violação fundamental, tampouco o inadimplemento insignificante não ocasiona ao demandante um prejuízo tal que o prive substancialmente daquilo o qual era legítimo esperar, por se tratar de uma empresa ligada à instituição financeira de grande porte.
Neste caso, a doutrina tem ressaltado de forma significativa, mencionando a que o direito privado está cada vez mais público, onde a autonomia privada está se tornando prática social de essencial importância, fazendo com que o Estado intervenha para equilibrar as relações jurídicas e construir uma sociedade igualitária, configurados pela função social do contrato.
Sobre as cláusulas gerais – marca identificadora do Código Civil de 2002, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery destacam que:
“A cláusula geral da função social do contrato é decorrência lógica do princípio constitucional dos valores da solidariedade e da construção de uma sociedade mais justa. (…) As várias vertentes constitucionais estão interligadas, de modo que não se pode conceber o contrato apenas do ponto de vista econômico, olvidando-se de sua função social. A cláusula geral da função social do contrato tem magnitude constitucional e não apenas civilista (Código Civil Comentado, p. 447, 5ª edição. Ed. Revistas dos Tribunais).”
Outrossim, o E. Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado de forma contrária ao entendimento de que os bens devem ser restituídos a qualquer custo, sem observância da função social do contrato e a busca pelo adimplemento das obrigações, senão vejamos:
“ RECURSO ESPECIAL Nº 469.577 -SC (2002/0115629-5)
RELATOR: MINSTRO RUY ROSADO DE AGUIAR
DATA DO JULGAMENTO: 25/03/2003
ÓRGÃO JULGADOR: T4 – QUARTA TURMA
EMENTA
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Deferimento liminar. Adimplemento substancial. Não viola lei a decisão que indefere o pedido liminar de busca e apreensão considerando pequeno valor da dívida em relação ao valor do bem e o fato de que este é essencial à atividade da devedora. Recurso não conhecido.”
Nesse sentido, o mesmo Nobre Relator entendeu que não justifica ajuizar ação pelo credor pelo fato de não quitar parcelas restantes, caracterizando que está agindo de forma contrária a boa-fé objetiva, conforme demonstra abaixo:
“ RECURSO ESPECIAL Nº 272.739 - MG (2000/0082405-4)
RELATOR: MINSTRO RUY ROSADO DE AGUIAR
DATA DO JULGAMENTO: 25/03/2003
ÓRGÃO JULGADOR: T4 – QUARTA TURMA
EMENTA
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credo que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido de liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido.”
Baseado nesses entendimentos, fora negada recentemente pelo M.M. Juízo da ___ Vara Cível da CIDADE, liminar requerida pela Dra. Informação Omitida, procuradora da demandante, cuja razão explanada foi que a medida pretendida pelo credor era extremamente severa, ferindo a boa-fé objetiva e a função social do contrato, conforme abaixo:
“ PROCESSO DIGITAL N° 1037637-71.2014.8.26.0100
CLASSE–ASSUNTO: BUSCA E APREENSÃO–PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA
REQUERENTE: BANCO PSA FINANCE BRASIL S/A
REQUERIDO: ALINE CRISTINA MOREIRA CHELFO
Em que pese o inadimplemento da requerida, vislumbrasse na presente demanda que houve o adimplemento substancial da obrigação, uma vez que a requerida honrou com o pactuado em patamar superior a 80 % (oitenta por cento) das parcelas ajustadas, sendo que a medida liminar pretendida se revela, portanto, extremamente severa, ferindo a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
Neste sentido, cabe destacar a doutrina de Ruy Rosado de Aguiar Júnior:
A jurisprudência italiana tem variado na aplicação do art. 1.455 do Código Civil, que diz: “O contrato não pode ser resolvido, se a inexecução de uma das partes tiver mínima importância, levando em consideração o interesse da outra.” Decide-se pela gravidade do inadimplemento, quando: impede a realização do fim perseguido no contrato; turba o equilíbrio funcional; ofende a economia geral do contrato, isto é, os interesses individuais que, segundo a boa-fé, devem ser considerados essenciais à economia do negócio; viola os interesses postos à base do negócio, conforme avaliação desses interesses, feita pelas partes; impede a realização do interesse que levou a parte a concluir o contrato. Observa-se, nessas colocações, a centralização do tema em duas idéias: a equivalência entre as prestações e a finalidade perseguida pelas partes.” No Brasil, parece correto reunir os dois elementos para a avaliação do inadimplemento de escassa importância: é irrelevante, e não serve para fundamentar pedido de resolução, a falta que não afeta gravemente a equivalência das prestações e não impede a concretização substancial do fim a que se propunham as partes, ressalvado ao credor o direito de cobrar o que ainda não foi atendido. A prática do foro tem mostrado que esse princípio é usualmente desprezado, vendo-se pedidos de extinção do contrato pela mais mínima inadimplência do obrigado, o que é um erro.’ (Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Extinção dos Contratos por Incumprimento do devedor – Resolução – de acordo com o Novo Código Civil, Aide, 2ª. edição, página 169).
No mesmo entendimento cabe colacionar julgado do Superior Tribunal de Justiça, disponibilizado no Informativo nº 500:
ARRENDAMENTO MERCANTIL.
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. Trata-se de REsp oriundo de ação de reintegração de posse ajuizada pela ora recorrente em desfavor do recorrido por inadimplemento de contrato de arrendamento mercantil (leasing) para a aquisição de 135 carretas. A Turma reiterou, entre outras questões, que, diante do substancial adimplemento do contrato, qual seja, foram pagas 30 das 36 prestações da avença, mostra-se desproporcional a pretendida reintegração de posse e contraria princípios basilares do Direito Civil, como a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Ressaltou-se que a teoria do substancial adimplemento visa impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos aludidos princípios. Assim, tendo ocorrido um adimplemento parcial da dívida muito próximo do resultado final, daí a expressão “adimplemento substancial”, limita-se o direito do credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um exagero, uma demasia. Dessa forma, fica preservado o direito de crédito, limitando-se apenas a forma como pode ser exigido pelo credor, que não pode escolher diretamente o modo mais gravoso para o devedor, que é a resolução do contrato. Dessarte, diante do substancial adimplemento da avença, o credor poderá valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, mas não a extinção do contrato. Precedentes citados: REsp 272.739-MG, DJ 2/4/2001; REsp 1.051.270-RS, DJe 5/9/2011, e AgRg no Ag 607.406-RS, DJ 29/11/2004. (REsp 1.200.105/AM - Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO – T3 – TERCEIRA TURMA, julgado em 19/6/2012. Diante do exposto, indefiro a liminar pleiteada.”
Diante disso, requer o Réu que seja aplicada a teoria do adimplemento substancial, julgando improcedente o pedido pelo demandante na exordial, tendo em vista a severidade na propositura da ação, cabendo ao Banco Autor buscar o cumprimento do contrato por outros meios, se entender pertinente.
E) – DA NECESSÁRIA EXIBIÇÃO DE TODOS OS EXTRATOS ANALÍTICOS DA MOVIMENTAÇÃO CONTRATUAL DO RÉU – ART. 396 – CPC
Ao propor a presente ação de busca e apreensão, o Autor não acostou aos autos todos os extratos de movimentação relativos ao contrato firmado com o Réu, limitando-se apenas a indicar através da planilha de fl. 26 dos autos parcelas em atraso, sem indicar quais foram os encargos cobrados.
Todavia, para que o Réu possa averiguar todos os encargos que incidiram sobre o seu saldo devedor junto à Instituição Financeira, necessária se faz a exibição de todos os extratos de pagamento analíticos, desde a contratação, para posterior análise por um perito contábil, se necessário for, visando comprovar as abusividades praticadas.
Os documentos apresentados não indicam sequer o cumprimento das cláusulas da cédula de crédito bancário firmada, pelo contrário, trazem ao caso a dúvida da obscuridade dos procedimentos comumente adotados por Instituições Financeiras.
Deve, portanto, ser aplicado ao caso em análise o art. 396, do CPC, de seguinte teor: “O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa que se encontre em seu poder”.
Logicamente, a apresentação dos extratos analíticos da movimentação do Réu desde a contratação somente poderá ser feita pelo Autor, levando-se em consideração o próprio lapso temporal decorrido desde a assinatura do pacto, bem como a impossibilidade de acesso do consumidor aos referidos documentos.
A exibição de documentos ora requerida visa provar que as taxas de juros, comissões e demais encargos cobrados estão em desacordo com a legislação aplicável à espécie.
Como já dito, sem a exibição de tais extratos analíticos, torna-se impossível examinar a legalidade dos referidos lançamentos, das taxas de juros, tarifas, comissões e encargos cobrados pelo Autor.
Portanto, requer a exibição de todos os extratos de pagamentos e movimentações relativos ao contrato do Réu, desde a assinatura da cédula de crédito bancário, nos termos do arts. 396 e seguintes do CPC.
Caso o Autor não exiba os aludidos extratos, pede-se a aplicação do art. 400, do CPC, admitindo-se como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, o Réu pretende provar.
F) DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À ESPÉCIE
Aplicam-se aos contratos bancários as regras do Código de Defesa do Consumidor. É o que se verifica do art. 3o, parágrafo 2o, do CDC: verbis:
“Art. 3o (...)
§ 2o Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (destacamos)
O colendo STJ já pacificou o entendimento em relação à aplicação do CDC às instituições financeiras, mediante a edição da Súmula nº 297, de seguinte teor: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Por outro lado, ressalte-se que o Réu é hipossuficiente em relação ao Autor, já que ela é uma das maiores instituições financeiras do Brasil, caracterizando exatamente o desequilíbrio de meios e informação à qual a legislação de consumo se propõe reajustar.
O Superior Tribunal de Justiça, novamente, se posicionou favorável à tese esposada, senão vejamos:
‘Aquele que exerce empresa assume a condição de consumidor dos bens e serviços que adquire ou utiliza como destinatário final, isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento empresarial, não integre diretamente - por meio de transformação, montagem, beneficjamento ou revenda - o produto ou serviço que venha a ser ofertado a terceiros.’ (STJ. SEGUNDA SEÇÃO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA 41 .056/SP)
Consoante se infere do julgado acima, a Segunda Seção do STJ refutou a chamada corrente subjetiva (finalista) que negava a aplicação do CDC aos contratos envolvendo pessoas jurídicas.
Ao aplicar a teoria objetiva (maximalista), considerou-se que a aquisição ou uso de bem ou serviço na condição de destinatário final fático caracteriza a relação de consumo, por força do elemento objetivo, qual seja, o ato de consumo.
Desta forma, o suposto contrato firmado entre as partes deverá ser analisado sob a ótica das normas consumeristas.
G) - DA IMPOSSIBILIDADE DE CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS REMUNERATÓRIOS - DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – IMPOSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DO DIPLOMA LEGAL PARA EFEITO DE CAPITALIZAÇÃO
É certo que os contratos em tela preveem a capitalização mensal de juros. Trata-se de prática abusiva das instituições financeiras.
Essa deletéria prática não pode prevalecer, consistente na estipulação de taxas de juros, sob capitalização composta e mensal. Praticam anatocismo as instituições financeiras quando contam os juros mensalmente, calculando-os não sobre o saldo líquido do mês anterior e sim sobre o saldo bruto, ou seja, com inclusão dos juros anteriormente incidentes sobre o débito.
As decisões pretorianas sempre repeliram a incidência de juros sobre juros na hipótese de concessão de crédito através dos documentos celebrados entre as partes, ainda que prevista expressamente no pacto celebrado entre as partes.
Isso porque a Súmula nº 121 do STF não foi afastada pelo disposto no enunciado nº 596 do mesmo Tribunal - que não guarda relação com o anatocismo -, pelo que permanece ilegal a capitalização de juros no ordenamento jurídico do País, sempre que ausente lei autorizativa expressa, como ocorre nos casos de crédito rural (Decreto-Lei 167/69) e comercial (Lei 6.840/80).
Não é demais ressaltar que o disposto na Súmula 93 do STJ não se aplica ao caso em exame, pois esta não abrangeu a modalidade de Cédula objeto do pedido de revisão.
Essencial ainda argumentar que a Lei 10.931/2004 não pode ser utilizada como fundamento legal para justificar a cobrança de juros capitalizados, tendo em vista que se encontra eivada de flagrante inconstitucionalidade.
Inescapável fazer um breve histórico sobre a criação da Cédula de Crédito Bancário.
Após ser sacramentada a grande derrota das instituições financeiras, por ocasião da edição da Súmula 233 do Superior Tribunal de Justiça, que decretou a iliquidez das dívidas decorrentes de contrato de abertura de crédito, o então Presidente da República, sob pressão das instituições financeiras, editou a famigerada Medida Provisória 2.160-25/2001, que foi editada por diversas vezes até a edição da EmendaConstitucional 45. Nesse período, a referida Medida Provisória foi alvo de impugnações e pedido de declaração de inconstitucionalidade, por não se tratar de medida de urgência, além de dispor sobre matéria processual.
Assim que a medida provisória foi considerada inconstitucional, as instituições financeiras fizeram nova investida, conseguindo aprovar, de forma surpreendente, a introdução da matéria sobre cédulas em lei totalmente imprópria para tal fim.
Com efeito, a análise sistemática da Lei 10.931/2004 confirma a ausência de rigor formal na elaboração da lei e patente desvio de finalidade desta, pois possui vício de origem que impede que seja aplicada.
Como é notório, em razão do disposto na Constituição Federal, foi editada a Lei Complementar 95/1.998, elaborada para atender ao disposto no parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, com o intuito de disciplinar a técnica legislativa para elaboração de leis.
Constata-se pelo conteúdo do art. 7º e incisos I e II:
Art. 7o O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;
II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;
Nota-se que o disposto no art. 7 é medida destinada a evitar a inserção maliciosa de assuntos que não se relacionam com a intenção da lei.
Nota-se também, por uma leitura preliminar de tal diploma legal, que o art. 1º dispõe:
“Art. 1º - Fica instituído o regime especial de tributação aplicável às incorporações imobiliárias, em caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação.”
Ora, Cédula de Crédito Bancário nada tem a ver com incorporações imobiliárias ou com regime especial de tributação aplicável a estas!
A esse respeito, precisos os escólios de NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY:
"(...) O objeto da LPAII [Lei do Patrimônio de Afetação em Incorporações Imobiliárias] é a regulação do patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias. São conexas e correlatas a esse objeto a instituição da letra de crédito imobiliário (LPAI112) e a cédula de crédito imobiliário (LPAII 20), matérias afetas ao objeto da LPAII. Ao contrário, a cédula de crédito bancário não é matéria conexa ou correlata ao patrimônio de afetação de incorporação imobiliária. Constitui, isso sim, instrumento a que se pretende dar eficácia executiva genérica, nada tendo a ver com incorporação imobiliária. É o ''Pilatos no Credo'' da lei do patrimônio de afetação. Essa intromissão de assunto que nada tem a ver com o objeto da lei - que tem de ser um só (LC 95/98 7o I) - foi banida do sistema jurídico brasileiro pela LC 95/98 7o, que, como norma complementar à Constituição, deve ser entendida como extensão da CF, motivo por que suas regras têm de ser respeitadas pela legislação ordinária. Criando e regulando a cédula de crédito bancário, a LPAII desrespeitou flagrantemente o art. 7o da lei complementar gue regula a elaboração de leis no País, ofendendo-se a garantia do ''due process of law'', maculando-se de inconstitucionalidade, no tópico que cria e regula a cédula de crédito bancário. Essa inconstitucionalidade, por ofensa às regras do processo legislativo, é, a um só tempo, ''formal e substancial''. São inconstitucionais, portanto, os arts. 26 a 45 da LPAII" ("Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante", 10a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, nota 26 ao art. 585 do CPC, p. 988)
Portanto, partindo da premissa de que a lei 10.931/04 possui vício de forma que conduz à inconstitucionalidade, conclui-se que o instrumento firmado entre as partes não pode ser considerado como Cédula, capaz de proporcionar capitalização mensal de juros ou executividade a partir de extratos bancários.
Nesse sentido, o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:
Ementa: Execução – Cédula de Crédito Bancário- Lei 10.931/2004, reputando a cédula de crédito bancário como título executivo extrajudicial, que apresenta grave vício de origem - Lei que cuidou de diversas outras matérias, além das mencio¬nadas em seu art. 1o - Cédula de crédito bancário que não guarda nenhuma correlação com a incorporação imobiliária - Transgressão ao art. 7o da LC 95/1998 - Fato que afasta a observância obrigatória aos preceitos da Lei 10.931/2004. Execução - Cédula de crédito bancário - Execução que não deve prosseguir nem sequer contra o avalista - Não sendo o título exequível, a ação executiva é incabível tanto em face do devedor principal quanto em face do avalista. Execução - Cédula de crédito bancário - Falta de título executivo eficaz que constitui matéria que deve ser conhecida de ofício - Art. 267, § 3o, do CPC - Inexistência de título com eficácia executiva, nos moldes do art. 586 do CPC - Declarada a nulidade da execução - Carência da ação - Falta de interesse processual - Art. 618,1, do CPC - Ressalvada ao agravado, para o recebimento de seu crédito, a utilização das vias monitoria ou ordinária - Anulada, de ofí¬cio, a execução - Extinção do processo - Perda do objeto do agravo - Agravo prejudicado. Recurso - Agravo de instrumento - Executados que constituíram procuradores diferentes - Prazo para recorrer que é contado em dobro - Art. 191 do CPC - Irrelevante que apenas um dos litisconsortes tenha agravado - Precedentes jurisprudenciais - Agravo interposto dentro do prazo de vinte dias. Recurso - Agravo de instrumento - Agravante que comunicou ao juízo de origem, tempestivamente, a interposição do recurso - Impossibilidade de se falar em descumprimento do art. 526 do CPC - Preliminares de não-conhecimento do recurso rejeitadas. (TJSP, AI 991090460740, 23 Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Carlos Marrone, j. 10/02/2010)
"EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - Cédula de crédito bancário - Determinação judicial que determinou a juntada de cópia do contrato subscrito por duas testemunhas ou a retificação do pedido para constar a ação como de cobrança - Ausência de título executivo extrajudicial - Lei 10 931/04 que institui a cédula de crédito bancário viola os termos da Lei Complementar 95/98 - Hierarquia da lei complementar que determina a forma de elaboração, redação, alteração e consolidação das leis sobre qualquer lei ordinária - Invalidade da lei afastando a possibilidade de caracterização deste título como executivo - Necessidade de contrato subscrito por duas testemunhas ou retificação da ação - Recurso improvido." (TJSP, AI 990.09.303355-0, Rel. Des.J.B.Franco de Godói, j. 14/04/2010)
Assim, a capitalização de juros somente pode ocorrer quando a própria lei autorize tal procedimento.
Convém rememorar que o artigo 5º, da Medida Provisória 2.170-36, teve a sua eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, pela concessão de liminar na ADIN 2316, decisão proferida pelo Ministro Sydney Sanches.
Há precedentes do Egrégio TJMG no sentido da tese aqui defendida:
Incidente de Inconstitucionalidade. Capitalização de juros. Periodicidade. Vedação. Matéria regulada em lei. Disciplina alterada. Medida provisória. Impropriedade. Objeto diverso. Urgência. Inexistência. Sistema financeiro. Matéria afeta a lei complementar. Questão submetida ao Supremo Tribunal Federal. Controle concentrado. Pendência de julgamento. Inconstitucionalidade declarada incidentalmente.
(Rel. Des. Herculano Rodrigues, n. 1008076-02.2005.8.13.0707, j. 27-8-2008, p. 30-9-2008)
Portanto, deverá ser incidentalmente declarada a inconstitucionalidade da norma autorizativa dessa cobrança, na esteira da fundamentação acima, reconhecendo--se, de conseguinte, que aludidos juros devem ser cobrados apenas na sua forma simples, sem capitalização, repetindo-se, em dobro, o indébito decorrente.
H) – DA ABUSIVIDADE DOS JUROS COBRADOS PELO RÉU – CARACTERIZAÇÃO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA – NECESSÁRIA APLICAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL
Consoante se infere dos demonstrativos de débito apresentados, a taxa de juros efetiva anual de algumas operações superou o importe de 35%, o que ultrapassa muito o limite do que é tolerável para o cliente.
A Lei já vem tratando há bastante tempo esse assunto, a começar pela respeitada Lei da Usura, já em seu primeiro artigo: “É vedado e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, artigo 1.062)”.
Por sua vez, a Constituição da República estabelecia seu artigo 192, parágrafo 3º, sobre a limitação destes juros:
“As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.”
Embora tenha o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 004-DF, por maioria, tenha decidido que a norma não é autoaplicável, vários doutrinadores, juristas, magistrados e até mesmo Ministros da Suprema Corte têm entendido pela eficácia plena do texto, dependendo de lei complementar apenas o que se refere à punição, e sendo autoaplicável a limitação dos juros em doze por cento.
Resta, portanto, clara a violação por parte do Réu no tocante aos juros que lei brasileira impôs.
Mesmo que não seja considerada essa tese, ainda se faz necessária a limitação dos juros remuneratórios em no máximo 12% (doze por cento) ao ano, senão vejamos:
Como sabido, o Poder Constituinte Derivado, naturalmente pressionado por interesses de poderosos grupos econômicos, e em razão de a jurisprudência vacilar quanto à autoaplicabilidade ou não da limitação dos juros, como acima se viu, resolveu, por meio da Emenda Constitucional 40, de 29 de maio de 2003, revogar o art. 192, § 3º, da CR/88.
Assim, tecnicamente, com a publicação da Emenda 40, para muitos, as instituições financeiras estariam liberadas para fixarem a taxa de juros ao seu alvedrio.
Inicialmente, cumpre salientar que, com o advento da Constituição da República e o reconhecimento da autoaplicabilidade do art. 192, § 3º, da CF/88, houve a derrogação da Lei 4.595/64 no que concerne à livre fixação de juros. Assim, não sendo o efeito repristinatório regra no Brasil, visto que é necessária expressa previsão para que norma revogada volte a viger após a revogação da norma revogadora daquela (art. 2º, §3º, do Decreto-lei 4.657/42), imperioso reconhecer que, a despeito de haver ocorrido a revogação da aludida norma constitucional, não voltou a viger a norma relativa a juros prevista na Lei 4. 595/64.
Na ausência de norma específica a partir do advento da EC 40, em 29 de maio de 2003, data em que já se encontrava em vigor o Novo Código Civil de 2002 - cuja vigência ocorreu a partir de 10 de janeiro de 2003, aplica-se esse Código, conforme se demonstra a seguir.
Portanto, com a supracitada publicação da mencionada Emenda de n.° 40, o reflexo foi totalmente diverso, eis que a partir de então, tomou-se desnecessária a interpretação filosófica das leis e do direito para se chegar à nova realidade de juros moratórios, posto que concretamente fixados pela Lei 10.406/2002.
Nesse sentido, o art.591 do Código Civil:
“Art. 591. Destinando-se o mútuo, a fins econômicos, presumem-se …