Títulos de Crédito
Atualizado 08/04/2025
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Os títulos de crédito são documentos que representam uma obrigação de pagamento ou promessa de quitação de uma dívida, tendo como função substituir o papel-moeda e garantir ao credor o recebimento do valor declarado pelo devedor.
A origem histórica remonta à Idade Média, quando mercadores europeus passaram a utilizar tais instrumentos para evitar o transporte físico de moedas — frequentemente exposto a assaltos e acidentes.
Além disso, facilitavam as operações de câmbio e a circulação de valores entre comerciantes.
Mesmo hoje, com a digitalização das relações comerciais, os títulos de crédito permanecem essenciais nas transações empresariais, contribuindo significativamente para a dinâmica da economia global.
Previstos em diversas normas brasileiras, é indispensável ao advogado conhecer sua natureza jurídica, requisitos legais e formas de execução.
Esses aspectos e muito mais será abordado ao longo deste artigo!
O que são títulos de crédito?
Títulos de crédito são documentos formais, emitidos segundo os requisitos legais, que atribuem ao portador o direito de exigir o pagamento de uma quantia representada pela cártula.
Emitidos corretamente, esses documentos possuem força executiva, permitindo ao credor acionar o devedor judicialmente por meio de um processo de execução mais célere e direto.
De forma objetiva, trata-se de um documento que formaliza a confissão de dívida, com exigibilidade garantida ao portador, desde que respeitados os requisitos legais.
Seu conceito consta no Art. 887 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.
Quais os requisitos de validade dos títulos de crédito?
A validade de um título de crédito exige o cumprimento de requisitos específicos, previstos no direito comercial brasileiro.
De forma geral, o artigo 889 do Código Civil estabelece os elementos essenciais para a validade:
Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente.
§ 1º É à vista o título de crédito que não contenha indicação de vencimento.
§ 2º Considera-se lugar de emissão e de pagamento, quando não indicado no título, o domicílio do emitente.
§ 3º O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo.
Abaixo, listamos os principais requisitos:
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Capacidade das partes: as partes envolvidas devem ser civilmente capazes. A coação, o erro ou qualquer causa que afete a vontade podem invalidar a emissão.
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Forma legal: a cártula deve obedecer aos modelos e exigências legais, com menções obrigatórias e, quando necessário, registro.
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Data de emissão e vencimento: imprescindíveis para definir a exigibilidade do crédito.
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Valor determinado: o valor devido deve estar expressamente indicado.
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Indicação do beneficiário (ou título à ordem): certos títulos exigem o nome do favorecido; outros admitem a livre circulação.
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Assinatura do emitente: essencial para validar a manifestação de vontade.
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Local de emissão e pagamento: define competência territorial e regras de execução.
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Causa da emissão: em alguns casos, é necessário demonstrar a relação jurídica subjacente; em outros, como o cheque, a causa é irrelevante.
Essa formalidade garante segurança jurídica. Por exemplo, o cheque é um título autônomo, não exigindo justificativa da origem da dívida.
Com isso, não cabe ao devedor opor exceções pessoais ao terceiro de boa-fé.
Essa lógica está amparada pelo princípio da inoponibilidade, como ilustra a decisão abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE. SUSTAÇÃO POR DESACORDO COMERCIAL. ENDOSSO. AO TÍTULO ENDOSSADO APLICA-SE O PRINCÍPIO DA INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS, SOB PENA DE PREJUÍZO AO ENDOSSATÁRIO. O ENDOSSATÁRIO DE BOA-FÉ NÃO PODE RESPONDER PELA DESAVENÇA OCORRIDA ENTRE O EMITENTE E O ENDOSSANTE. O CHEQUE É TÍTULO DE CRÉDITO QUE SE SUBMETE AOS PRINCÍPIOS CAMBIÁRIOS DA CARTULARIDADE, LITERALIDADE, ABSTRAÇÃO, AUTONOMIA DAS OBRIGAÇÕES CAMBIAIS E INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS A TERCEIROS DE BOA-FÉ. TENDO AS CÁRTULAS CIRCULADO, INCUMBE À PARTE EMITENTE PROVAR A MÁ-FÉ DO CESSIONÁRIO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
(Apelação Cível, Nº 50039765620218210058, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Oyama Assis Brasil de Moraes, Julgado em: 20-11-2023)
Quais as características de um título de crédito?
Os títulos de crédito possuem como características sua literalidade, autonomia e cartularidade.
O entendimento destas três características, que são, na verdade, princípios de direito empresarial, são essenciais tanto na advocacia contenciosa como para aqueles que se preparam para prestar concursos públicos.
Assim, vamos conhecer cada uma das três características dos títulos de crédito.
Literalidade
Pelo princípio da literalidade, tem-se que somente pode ser exigido o valor representado nos títulos de crédito.
Com isso, não se admite qualquer modificação ou condicionante que não esteja expressamente prevista no próprio documento.
Ou seja, caso o acordo entre as partes seja refeito, o título de crédito emitido deverá ser anulado, sendo emitido um novo que represente o novo ajuste feito.
A única incidência que pode ocorrer sobre o valor dos títulos de crédito são juros e correção monetária, dentro dos parâmetros e limites fixados em lei.
É importante lembrar que atualmente vigem no Brasil os juros moratórios de 1% (um inteiro por cento) ao mês, enquanto a correção monetária se dá pelo IGP-M ou IPCA - ambos divulgados mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Além disso, pelo princípio da literalidade, é obrigatória a apresentação do documento original para exercer o direito indicado no título.
Autonomia
A autonomia garante que o título é desvinculado do negócio jurídico que o originou.
A exigibilidade do crédito é garantida ao portador, mesmo sem considerar a causa da emissão.
Contestações sobre vícios no negócio original são admissíveis apenas entre as partes originais. Terceiros de boa-fé, beneficiários via endosso, não podem ser prejudicados por tais alegações.
Cartularidade
A cartularidade exige a posse do documento para exercício do direito. O título físico deve ser apresentado para que o crédito possa ser exigido judicialmente.
Hoje, diversos títulos já admitem emissão eletrônica, com validade jurídica garantida por certificação digital, como:
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Cédula de Crédito Bancária Eletrônica
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Duplicata Eletrônica
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Letras Financeiras do Tesouro
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Certificados de Recebíveis Imobiliário (CRI)
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Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA)
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Debêntures eletrônicas
Quais os tipos de títulos de créditos que existem?
Os principais tipos de títulos de crédito que existem hoje no Brasil são: nota promissória, cheque, duplicata, letra de câmbio, cédula de crédito bancário e certificados de recebíveis (imobiliários ou do agronegócio).
Vamos compreender a previsão legal de cada um deles, sua peculiaridade e principais características.
Nota Promissória
nota promissória é uma promessa de pagamento, feita pelo devedor ao credor, que emite o documento informando que irá pagar o valor expresso na data indicada.
No Brasil, a nota promissória é regulamentada pelo Decreto n. 57.663/66, que internalizou a Lei Uniforme de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias.
Na prática, trata-se de um documento no qual são qualificadas as partes, confessando o devedor que irá pagar o valor indicado ao credor, na data disposta na cártula - o qual é, ao final, assinado pelo devedor emitente.
O STJ possui uma importante súmula em relação à nota promissória, vejamos:
STJ - Súmula n. 258: A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou.
Cheque
cheque é regulado pela Lei n. 7.357/85, sendo um documento padronizado, emitido por um banco, no qual o devedor ordena que seja paga a quantia indicada ao portador do cheque, ou a quem ele for emitido (beneficiário), caso seja um cheque nominal.
Além das características gerais dos títulos de crédito, o cheque costuma trazer as informações do banco emissor do cheque, que deverá realizar o pagamento, bem como a agência e conta do emitente, da qual será debitado o valor assinalado no cheque.
Duplicata
Por sua vez, a duplicata é um título de crédito mercantil, ou seja, ela tem origem em uma relação jurídica comercial, de venda ou prestação de serviços, por exemplo.
Para ser emitida, a duplicata precisa indicar a nota fiscal que embasa o débito - sendo um título vinculado a uma transação comercial, servindo para eventual antecipação de recebíveis pelo beneficiário (fornecedor dos produtos ou serviços), podendo, inclusive, ser levada a protesto.
Ela é regida pela Lei n. 5.474/68 - já a duplicata eletrônica é regulamentada pela Lei n. 13.775/18.
Letra de Câmbio
A letra de câmbio é utilizada em transações internacionais, sendo uma ordem de pagamento de quantia certa ao beneficiário - que pode ser tanto um terceiro como o próprio emitente.
A letra de câmbio também é regida pelo Decreto n. 57.663/66, possuindo as características gerais dos títulos de crédito, tendo como partes o sacador (pessoa que ordena o pagamento) e o sacado (beneficiário).
Cédula de Crédito Bancário
A cédula de crédito é um título emitido em operações de financiamento ou empréstimos realizados por instituições financeiras.
Nesta operação, o banco realiza um empréstimo a um cliente, que emite a cédula como comprovante da dívida, a qual deverá trazer todos os requisitos dos títulos de crédito, podendo, ainda, constar as garantias da operação financeira realizada - como hipoteca, penhor, etc.
Este tipo de título é comumente negociado no mercado financeiro, vindo o adquirente a sub-rogar-se nos direitos creditórios do banco.
Ela está prevista na Lei n. 10.931/04.
Certificado de Recebíveis
Os certificados de recebíveis são títulos de crédito emitidos por instituições privadas e negociados por instituições financeiras, indicando a promessa de pagamento feita pelo emissor em razão de um financiamento recebido.
Normalmente estes títulos de crédito são negociados no mercado financeiro, pagando uma remuneração periódica - mensal - para seu beneficiário.
Os tipos mais comuns são os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócios (CRA) - ambos pagando rendimentos isentos de imposto de renda, sendo vistos como uma categoria de investimentos financeiros.
Títulos de Crédito Inominados
Os títulos de crédito inominados são documentos que não possuem definição expressa na legislação brasileira, surgindo de maneira atípica pela evolução das práticas comerciais.
Ao contrário dos tradicionais títulos classificados pelos bancos, esses instrumentos têm sua origem em relações comerciais específicas, surgindo frequentemente em contextos informais, como na troca direta ou estudo escambo.
A classificação desses títulos depende da presença de certos elementos essenciais, entre os quais destacam-se a autonomia e literalidade. Cada elemento atua como fator determinante para a sua validade e circulação.
Nessa disciplina, observa-se uma conexão direta entre o conteúdo do documento e a obrigação assumida pelas partes.
No desenvolvimento do comércio eletrônico, por exemplo, documentos enviados por e-mail podem ganhar status de títulos inominados, dependendo da leitura jurídica dada ao caso concreto.
Portanto, sua existência demanda uma resposta precisa da jurisprudência para reconhecer-lhes validade e eficácia.
A flexibilidade desses títulos é objeto de curso aprofundado no direito empresarial moderno, exigindo constante atualização doutrinária e jurisprudencial para sua correta compreensão e aplicação prática.
Como executar um título de crédito?
Títulos devidamente preenchidos e não pagos são executáveis conforme os artigos 806 e 824 do CPC:
Art. 806. O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado para, em 15 (quinze) dias, satisfazer a obrigação.
§ 1º Ao despachar a inicial, o juiz poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo.
§ 2º Do mandado de citação constará ordem para imissão na posse ou busca e apreensão, conforme se tratar de bem imóvel ou móvel, cujo cumprimento se dará de imediato, se o executado não satisfizer a obrigação no prazo que lhe foi designado.
...
Art. 824. A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.
Caso o título de crédito perca sua força executiva, o credor deverá ingressar com uma ação monitória, conforme prevê o Art. 700 do Código de Processo Civil:
Art. 700. A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
I - o pagamento de quantia em dinheiro;
II - a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III - o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer.
Além disso, havendo dúvida sobre alguns aspectos do título, o credor sempre poderá se socorrer da ação ordinária, de conhecimento, servindo o documento como prova sobre a dívida que ele pretende ver constituída pela sentença judicial de procedência.
O que é um título de crédito não à ordem?
O título de crédito não à ordem é aquele que só pode ser pago ao beneficiário original, não podendo ser objeto de endosso.
A saber: endosso é a forma como o beneficiário titular de um título de crédito transfere para um terceiro seu direito creditório.
Todos os títulos de crédito são endossáveis, salvo aqueles emitidos com a inscrição "não à ordem" - a qual deve constar de forma expressa e visível no documento.
O que é um direito literal e autônomo?
Um direito literal e autônomo é aquele representado expressamente pelo teor dos títulos de crédito - ou seja, vale apenas aquilo que estiver escrito e consignado na cártula, sendo autônomo em relação a quaisquer relações jurídicas.
Trata-se de um direito cujas regras estão escritas nos documentos, guardando independência com o negócio jurídico que o originou.
Quais as principais súmulas do STJ sobre títulos de crédito?
O STJ possui diversas súmulas sobre títulos de crédito, dentre as quais podemos destacar:
Súmula n. 26 -O avalista do título de crédito vinculado a contrato de mútuo também responde pelas obrigações pactuadas, quando no contrato figurar como devedor solidário.
Súmula n. 388 - A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.
Súmula n. 370 - Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.
Súmula n. 475 -Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas
Súmula n. 476 - A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou.
Súmula n. 503 - O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula.
Súmula n. 531 - Em ação monitória fundada em cheque prescrito ajuizada contra o emitente, é dispensável a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula.
Dominar os aspectos dos títulos de crédito é essencial para advogados que desejam evitar nulidades e otimizar o êxito processual. Muitos processos de execução falham por falhas formais evitáveis.
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