Títulos de Crédito
Atualizado 14/03/2024
6 min. de leitura
Títulos de crédito são documentos que representam uma dívida, ou uma promessa de pagamento, e surgirem para substituir o dinheiro em papel moeda.
Eles servem como garantia de que o valor será pago pelo devedor indicado no documento, tendo sua origem na Idade Média, quando os comerciantes europeus tinham a necessidade de substituir o transporte físico de moedas, sujeitos aos riscos de assaltos e perdas em acidentes - também sendo uma forma de facilitar as trocas de valores entre si.
Atualmente, os títulos de crédito seguem sendo muito utilizados em negociações comerciais, exercendo um papel relevante na economia monetária mundial.
Possuindo previsão em diversas leis no Brasil, é fundamental que o advogado entenda os requisitos, natureza jurídica e formas de execução dos títulos de crédito - e estes pontos iremos abordar neste artigo.
Boa leitura!
O que são títulos de crédito?
Títulos de crédito são documentos formais, ou seja, constituídos dentro das formas estabelecidas na legislação, que conferem a eles o poder de constituir uma obrigação de dívida do emitente.
Se emitidos na forma da lei, os títulos de crédito permitem uma execução judicial mais célere, facilitando a satisfação do crédito por eles representado.
Em síntese: títulos de crédito são documentos formais que representam a confissão de uma dívida pelo emitente, podendo ser exigida por seu portador.
Seu conceito consta no Art. 887 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.
Quais os requisitos de validade dos títulos de crédito?
Para que tenha validade, os títulos de crédito precisam preencher alguns requisitos de validade previstos no direito comercial.
Os requisitos da lei para a validade dos títulos de crédito varia de acordo com cada título e cada lei, mas, no geral, estão previstos no Art. 889 do Código Civil:
Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente.
§ 1º É à vista o título de crédito que não contenha indicação de vencimento.
§ 2º Considera-se lugar de emissão e de pagamento, quando não indicado no título, o domicílio do emitente.
§ 3º O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo.
Vejamos cada um deles:
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Capacidade civil das partes: o emitente e os demais envolvidos precisam ser civilmente capazes - maiores de idade e com plena capacidade mental, não estando agindo sob forte emoção, coação ou grave ameaça, fatores que retirando sua capacidade civil específica para a prática do ato;
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Forma prevista em lei: o documento precisa seguir a forma de emissão prevista em lei, incluindo seu formato, informações nele contidas e eventuais registros em órgãos oficiais;
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Datas de Emissão e de Vencimento: os títulos de crédito necessitam conter a data em que foi emitido e sua data de vencimento, ou seja, a data à partir de qual ele é exigível e o pagamento deve ser realizado;
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Valor: o valor a ser pago pelo emitente deve ser disposto expressamente na cártula dos títulos de crédito;
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Indicação do beneficiário ou se for "à ordem de pagamento": alguns títulos de crédito exigem a indicação do beneficiário, ou seja, de quem poderá receber o valor, enquanto outros podem ser emitidos sem esta informação;
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Indicação e assinatura do emissor: o nome completo e demais dados de identificação do emitente do título de crédito devem constar nos títulos de crédito, assim como sua assinatura.
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Local de emissão e de pagamento: o local onde o título foi emitido, bem como o local onde ele deverá ser pago, caso diverso daquele de sua emissão, devem ser indicados nos títulos de crédito;
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Causa da emissão: alguns títulos de crédito exigem uma vinculação a um negócio jurídico - como compra e venda, empréstimo, etc. Outros, porém, são considerados autônomos, não precisando estar ligados a qualquer motivação.
É importante conhecer os requisitos de cada título de crédito em específico, evitando sua nulidade, bem como servindo de ótima argumentação para eventual defesa em execuções judiciais - por exemplo: um cheque é um exemplo de título de crédito autônomo, assim, em sua execução, o devedor não pode alegar questões ligadas ao negócio jurídico subjacente, bastando o preenchimento de seus requisitos formais.
Assim, no caso dos cheques, quando endossados a terceiros de boa fé, não há como opor ao seu pagamento vícios no negócio jurídico que originou sua emissão.
Esta premissa é chamada de princípio da inoponibilidade.
Vejamos um excelente precedente neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE. SUSTAÇÃO POR DESACORDO COMERCIAL. ENDOSSO. AO TÍTULO ENDOSSADO APLICA-SE O PRINCÍPIO DA INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS, SOB PENA DE PREJUÍZO AO ENDOSSATÁRIO. O ENDOSSATÁRIO DE BOA-FÉ NÃO PODE RESPONDER PELA DESAVENÇA OCORRIDA ENTRE O EMITENTE E O ENDOSSANTE. O CHEQUE É TÍTULO DE CRÉDITO QUE SE SUBMETE AOS PRINCÍPIOS CAMBIÁRIOS DA CARTULARIDADE, LITERALIDADE, ABSTRAÇÃO, AUTONOMIA DAS OBRIGAÇÕES CAMBIAIS E INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS A TERCEIROS DE BOA-FÉ. TENDO AS CÁRTULAS CIRCULADO, INCUMBE À PARTE EMITENTE PROVAR A MÁ-FÉ DO CESSIONÁRIO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
(Apelação Cível, Nº 50039765620218210058, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Oyama Assis Brasil de Moraes, Julgado em: 20-11-2023)
Quais as características de um título de crédito?
Os títulos de crédito possuem como características sua literalidade, autonomia e cartularidade.
O entendimento destas três características, que são, na verdade, princípios de direito comercial, são essenciais tanto na advocacia contenciosa como para aqueles que se preparam para prestar concursos públicos.
Assim, vamos conhecer cada uma das três características dos títulos de crédito.
Literalidade
Pelo princípio da literalidade, tem-se que somente pode ser exigido o valor representado nos títulos de crédito.
Com isso, não se admite qualquer modificação ou condicionante que não esteja expressamente prevista no próprio documento.
Ou seja, caso o acordo entre as partes seja refeito, o título de crédito emitido deverá ser anulado, sendo emitido um novo que represente o novo ajuste feito.
A única incidência que pode ocorrer sobre o valor dos títulos de crédito são juros e correção monetária, dentro dos parâmetros e limites fixados em lei.
É importante lembrar que atualmente vigem no Brasil os juros moratórios de 1% (um inteiro por cento) ao mês, enquanto a correção monetária se dá pelo IGP-M ou IPCA - ambos divulgados mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Além disso, pelo princípio da literalidade, é obrigatória a apresentação do documento original para exercer o direito indicado no título.
Autonomia
O princípio da autonomia indica que os títulos de crédito são autônomos, ou seja, apresentam independência quanto à relação jurídica que os originaram.
Com isso, o portador do título pode exigir seu pagamento uma vez cumpridas as condições estabelecidas no próprio documento - normalmente apenas aguardar a data de vencimento.
Questões subjacentes, pessoais, podem ser invocadas para buscar a nulidade de um título de crédito, desde que a discussão seja apenas entre o emissor e o beneficiário original.
No entanto, lembramos que a circulação dos títulos de crédito é uma de suas características, sendo comum no mercado seu endosso a terceiros de boa fé.
E, neste caso, as questões pessoais não podem ser opostas contra o terceiro de boa fé - conforme jurisprudência que vimos acima.
Este princípio confere segurança jurídica a quem recebe o título como pagamento.
Cartularidade
Por fim, temos, o princípio da cartularidade, que significa para receber o valor do título de crédito, é necessária a apresentação do documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido - conforme indica o Artigo 887 do Código Civil.
Assim, é preciso que o portador apresente o documento físico para que recebe a quantia nele expressa - caso contrário, não terá direito algum.
Atualmente, alguns títulos de crédito já são emitidos de forma eletrônica, com certificações digitais que substituem sua apresentação física.
Alguns dos títulos de crédito já emitidos eletronicamente no Brasil são:
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Cédula de Crédito Bancária Eletrônica;
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Duplicata Eletrônica;
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Letras Financeiras do Tesouro Eletrônicas;
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Certificado de Recebíveis Imobiliário (CRI);
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Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA);
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Debêntures Eletrônicas.
Quais os tipos de títulos de créditos que existem?
Os principais tipos de títulos de crédito que existem hoje no Brasil são: nota promissória, cheque, duplicata, letra de câmbio, cédula de crédito bancário e certificados de recebíveis (imobiliários ou do agronegócio).
Vamos compreender a previsão legal de cada um deles, sua peculiaridade e principais características.
Nota Promissória
A nota promissória é uma promessa de pagamento, feita pelo devedor ao credor, que emite o documento informando que irá pagar o valor expresso na data indicada.
No Brasil, a nota promissória é regulamentada pelo Decreto n. 57.663/66, que internalizou a Lei Uniforme de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias.
Na prática, trata-se de um documento no qual são qualificadas as partes, confessando o devedor que irá pagar o valor indicado ao credor, na data disposta na cártula - o qual é, ao final, assinado pelo devedor emitente.
O STJ possui uma importante súmula em relação à nota promissória, vejamos:
STJ - Súmula n. 258: A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou.
Cheque
O cheque é regulado pela Lei n. 7.357/85, sendo um documento padronizado, emitido por um banco, no qual o devedor ordena que seja paga a quantia indicada ao portador do cheque, ou a quem ele for emitido (beneficiário), caso seja um cheque nominal.
Além das características gerais dos títulos de crédito, o cheque costuma trazer as informações do banco emissor do cheque, que deverá realizar o pagamento, bem como a agência e conta do emitente, da qual será debitado o valor assinalado no cheque.
Duplicata
Por sua vez, a duplicata é um título de crédito mercantil, ou seja, ela tem origem em uma relação jurídica comercial, de venda ou prestação de serviços, por exemplo.
Para ser emitida, a duplicata precisa indicar a nota fiscal que embasa o débito - sendo um título vinculado a uma transação comercial, servindo para eventual antecipação de recebíveis pelo beneficiário (fornecedor dos produtos ou serviços), podendo, inclusive, ser levada a protesto.
Ela é regida pela Lei n. 5.474/68 - já a duplicata eletrônica é regulamentada pela Lei n. 13.775/18.
Letra de Câmbio
A letra de câmbio é utilizada em transações internacionais, sendo uma ordem de pagamento de quantia certa ao beneficiário - que pode ser tanto um terceiro como o próprio emitente.
A letra de câmbio também é regida pelo Decreto n. 57.663/66, possuindo as características gerais dos títulos de crédito, tendo como partes o sacador (pessoa que ordena o pagamento) e o sacado (beneficiário).
Cédula de Crédito Bancário
A cédula de crédito é um título emitido em operações de financiamento ou empréstimos realizados por instituições financeiras.
Nesta operação, o banco realiza um empréstimo a um cliente, que emite a cédula como comprovante da dívida, a qual deverá trazer todos os requisitos dos títulos de crédito, podendo, ainda, constar as garantias da operação financeira realizada - como hipoteca, penhor, etc.
Este tipo de título é comumente negociado no mercado financeiro, vindo o adquirente a sub-rogar-se nos direitos creditórios do banco.
Ela está prevista na Lei n. 10.931/04.
Certificado de Recebíveis
Os certificados de recebíveis são títulos de crédito emitidos por instituições privadas e negociados por instituições financeiras, indicando a promessa de pagamento feita pelo emissor em razão de um financiamento recebido.
Normalmente estes títulos de crédito são negociados no mercado financeiro, pagando uma remuneração periódica - mensal - para seu beneficiário.
Os tipos mais comuns são os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócios (CRA) - ambos pagando rendimentos isentos de imposto de renda, sendo vistos como uma categoria de investimentos financeiros.
Como executar um título de crédito?
Os títulos de crédito regularmente constituídos e não pagos na forma e prazo previstos podem ser executados judicialmente, conforme prevê o Código de Processo Civil, nos Artigos 806 e 824:
Art. 806. O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado para, em 15 (quinze) dias, satisfazer a obrigação.
§ 1º Ao despachar a inicial, o juiz poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo.
§ 2º Do mandado de citação constará ordem para imissão na posse ou busca e apreensão, conforme se tratar de bem imóvel ou móvel, cujo cumprimento se dará de imediato, se o executado não satisfizer a obrigação no prazo que lhe foi designado.
...
Art. 824. A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.
Caso o título de crédito perca sua força executiva, o credor deverá ingressar com uma ação monitória, conforme prevê o Art. 700 do Código de Processo Civil:
Art. 700. A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
I - o pagamento de quantia em dinheiro;
II - a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III - o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer.
Além disso, havendo dúvida sobre alguns aspectos do título, o credor sempre poderá se socorrer da ação ordinária, de conhecimento, servindo o documento como prova sobre a dívida que ele pretende ver constituída pela sentença judicial de procedência.
O que é um título de crédito não à ordem?
O título de crédito não à ordem é aquele que só pode ser pago ao beneficiário original, não podendo ser objeto de endosso.
A saber: endosso é a forma como o beneficiário titular de um título de crédito transfere para um terceiro seu direito creditório.
Todos os títulos de crédito são endossáveis, salvo aqueles emitidos com a inscrição "não à ordem" - a qual deve constar de forma expressa e visível no documento.
O que é um direito literal e autônomo?
Um direito literal e autônomo é aquele representado expressamente pelo teor dos títulos de crédito - ou seja, vale apenas aquilo que estiver escrito e consignado na cártula, sendo autônomo em relação a quaisquer relações jurídicas.
Trata-se de um direito cujas regras estão escritas nos documentos, guardando independência com o negócio jurídico que o originou.
Quais as principais súmulas do STJ sobre títulos de crédito?
O STJ possui diversas súmulas sobre títulos de crédito, dentre as quais podemos destacar:
Súmula n. 26 -O avalista do título de crédito vinculado a contrato de mútuo também responde pelas obrigações pactuadas, quando no contrato figurar como devedor solidário.
Súmula n. 388 - A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.
Súmula n. 370 - Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.
Súmula n. 475 -Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas
Súmula n. 476 - A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou.
Súmula n. 503 - O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula.
Súmula n. 531 - Em ação monitória fundada em cheque prescrito ajuizada contra o emitente, é dispensável a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula.
Conclusão
Conhecer os requisitos dos títulos de crédito é crucial para os advogados, evitando cometer gafes nos processos judiciais e melhorando seu desempenho na defesa dos direitos de seus clientes.
Em 20 anos de advocacia, vimos muitas ações de execução sucumbirem pelo fato do advogado manejá-las de forma equivocada, com base em títulos de crédito que não poderiam ser executados.
Durante este tempo, desenvolvemos uma série de roteiros de procedimentos judiciais, dentre eles as formas corretas de cobrar dívidas, que, associados a modelos de petições customizados, otimizados para o processo eletrônico, tornaram nossos processos mais céleres e exitosos.
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