Excludentes de Culpabilidade
Atualizado 02/04/2025
6 min. de leitura
As excludentes de culpabilidade representam um conceito fundamental no sistema jurídico penal brasileiro, funcionando como causas que impedem a imposição de pena ao autor de um fato típico e ilícito.
Estudos demonstram que tais excludentes estão presentes em grande parte das teses defensivas, justamente por terem o potencial de neutralizar a pretensão punitiva estatal, afastando a responsabilização penal e, em muitos casos, evitando a prisão do réu.
Neste artigo, abordaremos os conceitos de cada espécie de excludente de culpabilidade, sua previsão legal, aplicação prática no processo penal e, ainda, as distinções em relação às excludentes de ilicitude.
O que é culpabilidade?
A culpabilidade constitui um dos pilares da teoria do crime, sendo o critério pelo qual se verifica se é possível atribuir responsabilidade penal ao agente pela conduta praticada.
Trata-se de um juízo de reprovabilidade da conduta, vinculado à consciência da ilicitude e à possibilidade de agir de modo diverso.
Tradicionalmente, a culpabilidade é composta por três elementos:
-
Imputabilidade – refere-se à capacidade do agente de compreender o caráter ilícito de sua conduta e de agir conforme esse entendimento. Avalia-se aqui o aspecto psíquico, intelectual ou mental do agente no momento do fato.
-
Potencial consciência da ilicitude – consiste no conhecimento, ainda que potencial, de que a conduta praticada é juridicamente reprovável. Analisa-se se o agente sabia – ou podia saber – que sua ação era proibida pelo ordenamento.
-
Exigibilidade de conduta diversa – considera-se se o agente, embora capaz e consciente da ilicitude, poderia ter agido de forma diferente. Ou seja, investiga-se se, diante das circunstâncias concretas, era razoável exigir do agente outro comportamento.
Compreender esses três elementos é essencial para o estudo das excludentes de culpabilidade, pois cada uma delas atua sobre um desses pilares, afastando a responsabilização penal do agente.
O que é a teoria da tipicidade conglobante?
A teoria da tipicidade conglobante propõe uma visão ampliada da tipicidade penal, indo além da simples adequação formal entre o fato praticado e o tipo penal.
Essa teoria, desenvolvida por Eugenio Raúl Zaffaroni, propõe que o juízo de tipicidade deve considerar não apenas a correspondência objetiva com a norma penal, mas também as circunstâncias concretas do fato, os motivos do agente, sua capacidade de agir conforme o direito e os contextos em que a conduta se insere.
Com isso, são analisados elementos como a potencial consciência da ilicitude, a exigibilidade de conduta diversa e as causas que levaram à prática do crime — a partir dos quais se constrói um juízo completo de tipicidade penal.
Essa teoria serve como fundamento teórico para todas as excludentes previstas no ordenamento jurídico brasileiro, oferecendo uma base lógica e sistemática para sua aplicação.
O que é a excludente de culpabilidade?
A excludente de culpabilidade ocorre quando, embora o fato seja típico e ilícito, o agente não pode ser responsabilizado penalmente por não reunir os requisitos necessários à formação da culpa.
No Direito Penal, essas excludentes são circunstâncias específicas que afastam a reprovabilidade da conduta, impedindo que se atribua ao agente uma atuação deliberada e plenamente consciente da ilicitude.
Em termos simples: trata-se de hipóteses em que o indivíduo não possui plena capacidade cognitiva ou volitiva para compreender ou se autodeterminar conforme o Direito, razão pela qual não pode ser considerado culpável pelo ato praticado.
Quais são as excludentes de culpabilidade?
O ordenamento jurídico brasileiro reconhece, atualmente, as seguintes hipóteses de excludentes de culpabilidade:
-
Inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado;
-
Erro de proibição;
-
Coação moral irresistível;
-
Obediência hierárquica.
A seguir, analisaremos individualmente cada uma dessas situações, com suas características, fundamentos legais e implicações práticas na atuação da defesa.
Inimputabilidade por Doença Mental ou Desenvolvimento Mental Incompleto ou com Retardo
O agente que, no momento da prática da ação ou da emoção, estiver acometido de doença mental, ou esteja com seu desenvolvimento mental incompleto ou com retardo, é considerado incapaz de compreender a dimensão ilícita de sua atitude, sendo considerado inimputável.
Conforme o grau de seu discernimento, é possível a aplicação de medidas alternativas à prisão, sendo sujeitos a medidas de segurança, como a internação para tratamento psiquiátrico e tratamento ambulatorial.
A previsão legal deste tipo de excludente de culpabilidade está no Art. 26 do Código Penal Brasileiro:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Os menores de 18 anos são considerados inimputáveis, ficando sujeitos às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois serem pessoas com sua mente ainda em formação.
A previsão da menoridade penal está no Art. 27 do Código Penal.
Erro de Proibição
O erro de proibição acontece quando o agente pensa estar agindo de acordo com a lei.
Parte-se aqui da premissa do Art. 21 do Código Penal Brasileiro, que traz a máxima de que ninguém pode se escusar de conhecer a lei penal - vejamos:
Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
Com isso, se o erro é absoluto e inevitável, a culpabilidade é afastada - porém, se ele poderia ser evitado, não há a exclusão da culpabilidade, mas a redução da pena de 1/6 a 1/3.
Coação Moral Irresistível
A coação moral irresistível ocorre quando alguém pratica o ato ilícito sob a influência de um agente externo, que o impediria de adotar outra atitude.
Sua previsão legal advém do Artigo 22 do Código Penal:
Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.
A coação, porém, é um conceito que merece atenção, pois ela só é uma excludente de culpabilidade se for inevitável - o que ocorre quando há uma chantagem com arma de fogo, ou pondo em risco algum ente familiar do agente.
Além disso, a coação deve ter sido causa direta para a prática do ato, tendo uma relação de causa e efeito.
Obediência Hierárquica a Ordem Não Manifestamente Ilegal
Também prevista no Art. 22 do Código Penal, a obediência hierárquica está ligada ao cumprimento de uma ordem de um superior para a prática de um ato.
É relevante mencionar que, para ser enquadrada como uma excludente de culpabilidade, esta ordem do superior hierárquico não pode ser manifestamente ilegal, situação esta em que se exige do agente a recusa no cumprimento da ordem.
Qual a consequência da excludente de culpabilidade no Código Penal Brasileiro?
Caso seja aplicada alguma excludente de culpabilidade, reconhece-se que a conduta é típica e ilícita, porém também que aquele que a praticou não tinha condições de compreender sua ilegalidade.
O que são as excludentes de ilicitude?
As excludentes de ilicitude são hipóteses em que uma conduta, embora formalmente típica, não é considerada ilícita em razão de circunstâncias específicas do caso concreto.
Trata-se de situações legalmente previstas em que a prática de um ato descrito como crime não ofende o ordenamento jurídico, por encontrar amparo em valores superiores ou autorizadores.
Embora frequentemente confundidas com as excludentes de culpabilidade, essas categorias têm fundamentos teóricos distintos e atuam em fases diferentes da análise do crime.
A seguir, analisaremos cada hipótese legal de exclusão da ilicitude.
Legítima Defesa
Prevista no art. 25 do Código Penal, a legítima defesa ocorre quando alguém, de forma moderada e utilizando os meios necessários, reage para repelir uma agressão atual ou iminente a direito seu ou de outrem.
O exemplo clássico da legítima defesa ocorre quando, ao tentar se livrar de um assalto a mão armada, a vítima acaba atingindo o agente com um tiro.
Estado de Necessidade
O estado de necessidade, previsto no art. 24 do Código Penal, configura-se quando alguém, para salvar direito próprio ou alheio, sacrifica outro bem jurídico, diante de perigo atual e inevitável, não provocado voluntariamente.
A aplicação dessa excludente exige proporcionalidade entre o bem protegido e o bem sacrificado, bem como a inexistência de outra conduta menos gravosa disponível ao agente.
Estrito Cumprimento do Dever Legal
Já o estrito cumprimento do dever legal, previsto no Artigo 23 inciso III do Código Penal, está relacionado ao exercício profissional, como ocorre no caso de crimes cometidos por policiais em ação de combate ao crime.
Neste caso, também o fator proporcionalidade é analisado no caso em concreto.
Exercício Regular de Direito
Também previsto no Artigo 23 inciso III do Código Penal, o exercício regular de direito ocorre quando alguém pratica um ato ilícito dentro de sua esfera de direitos, conhecida, inclusive, pela vítima.
É o caso de lesões decorrentes da prática esportiva, sem excessos e dentro das regras do esporte.
Quais as consequências das excludentes de ilicitude?
Com a ocorrência de alguma excludente de ilicitude, a conduta, mesmo típica, não é considerada ilegal, por ter sido praticada em uma das hipóteses autorizadas em lei.
Ou seja: a lei expressamente afasta a ilicitude da conduta, não podendo o indivíduo ser considerado culpado.
O que é uma excludente de tipicidade?
Uma excludente de tipicidade é aquela situação que afasta o viés criminoso do ato.
A seguir, vamos adentrar a cada uma das hipóteses de excludentes de tipicidade presentes no direito penal brasileiro.
Adequação Social
A adequação social significa que o ato praticado, embora previsto como ilícito na legislação, é socialmente tolerado, não sendo criminalizado na doutrina e na jurisprudência.
Ou seja: sua tipicidade existe, porém a sociedade não reprime a conduta.
É o caso da circuncisão feita em um judeu.
Princípio da Insignificância ou Bagatela
O princípio da insignificância ou da bagatela é um tema antigo no direito, e se refere ao fato do bem jurídico lesado pelo autor ser de valor tão ínfimo que não valha a pena movimentar o Poder Judiciário para sua represália.
É o caso do furto de uma galinha ou de bens de pequeno valor.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou a aplicação do princípio da insignificância, entendendo que não basta avaliar o valor do bem, mas sua dimensão na vida de quem comete o crime e da vítima.
Com isso, alinhou-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, de que a aplicação do princípio da insignificância deve ser feita diante de quatro aspectos:
-
Mínimo ofensividade da conduta;
-
Ausência de perigo social na ação;
-
Reduzido grau de reprovabilidade da conduta;
-
Inexpressividade da lesão do bem jurídico.
Consentimento do Ofendido
O consentimento do ofendido ocorre quando a vítima autoriza, tolera e concorda com a prática da ação, esvaziando qualquer possível ofensa ao bem jurídico em questão.
É o caso da realização de uma cirurgia ou tatuagem, que afasta a lesão corporal.
É importante lembrar que alguns crimes tem como base a impossibilidade de discernimento da vítima, como ocorre no caso de estupro de vulnerável ou de menor de idade.
Legítima Defesa Putativa
A legítima defesa putativa ocorre quando o agente imagina que a vítima esteja sofrendo um ato ilícito, porém, na realidade, ela não está.
Há, aqui, um erro legítimo, escusável, sendo impossível que se tivesse certeza de que a situação enfrentada não era criminosa.
É o caso daquele que dispara contra uma sombra em seu jardim, pensando ser um ladrão - mas é seu cachorro.
Quais as consequências da excludente de ilicitude?
Com a aplicação de alguma excludente de ilicitude, a conduta deixa de ser considerada crime, por não se enquadrar adequadamente à descrição do tipo penal.
Qual a diferença entre excludente da culpabilidade, ilicitude e tipicidade?
Embora sejam conceitos similares e comumente confundidos entre si, a excludente de culpabilidade, de ilicitude e de tipicidade possuem diferenças relevantes em suas definições.
Primeiro, a excludente de culpabilidade diz respeito à própria natureza da conduta, ou seja, em um primeiro momento a ação/omissão parece se enquadrar no tipo penal - porém, por algum motivo, ela deixa acaba por ser desenquadrada.
Já a excludente de ilicitude, também chamada de antijuricidade, ocorre quando a conduta é de fato enquadrada em um tipo penal e pode ser considerada ilícita na maioria das situações - porém, a lei permite sua prática em determinadas hipóteses.
Por fim, as excludentes de culpabilidade são casos em a conduta é típica e ilícita, porém, quem a pratica não pode ser responsabilizado por não ser culpável.
Ou seja, ela está ligada não à conduta, mas à capacidade de discernir do indivíduo.
Conclusão
Como vimos, a culpabilidade é um dos conceitos mais complexos do direito penal, estando intimamente ligado à criação do próprio tipo penal no ordenamento jurídico.
E, em anos de advocacia, acompanhamos diversos processos penais em que teses envolvendo excludentes de culpabilidade foram trazidas de forma exitosa.
Em nossos escritórios, a área penal sempre se desenvolveu buscando um julgamento justo, o que envolve a análise da culpabilidade do sujeito em cada caso.
Também vimos muitos estagiários se depararem com questões sobre o tema, tanto na prova da OAB como em concursos públicos.
Não há dúvida que um tema relevante, e uma das causas mais comuns absolvição criminal.
Quer mais conteúdo sobre direito penal?
Roteiro sobre prescrição penal.
Roteiro sobre responsabilidade civil.
Roteiro sobre habeas corpus.
Modelo de apelação por excludente de culpabilidade.
Modelo de resposta à acusação por excludente de ilicitude.
Precisa de um material mais específico? Envie um e-mail para gente!
Mais artigos sobre excludentes de culpabilidade
Erro de proibição: como a falta de conhecimento pode isentar a responsabilidade criminal
Legítima defesa e excludente de culpabilidade: casos emblemáticos e limitações legais
Menoridade como excludente de culpabilidade: aspectos jurídicos e sociais
Coação moral e física como excludentes de culpabilidade: exemplos e interpretações jurídicas
Insanidade mental como excludente de culpabilidade: aspectos jurídicos e psiquiátricos
Conheça também nossa INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL!

Peças Relacionadas
[Modelo] de Defesa Preliminar | Legítima Defesa Putativa e Pedido de Absolvição
Modelo de Resposta à Acusação. Falta de Justa Causa. Ameaça. Excludente de Culpabilidade. Dependência Alcoólica. Rejeição da Denúncia
[Modelo] de Memoriais em Ação Penal | Furto e Princípio da Insignificância