Petição
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da $[processo_vara] Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], $[parte_autor_rg], $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo],por intermédio de seu advogado abaixo assinado (procuração anexa), vem, respeitosamente, com base na Lei 9.099/95, propor a seguinte
AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO E TUTELA ANTECIPADA
em face do $[parte_reu_razao_social], $[parte_reu_cnpj], pessoa jurídica de direito público, com sede $[parte_reu_endereco_completo]em face das razões de fato e de direito a seguir delineadas.
1. Preliminarmente
Da prioridade processual
Considerando que um dos autores conta atualmente com mais de 60 anos de idade, conforme documentos acostados aos autos (anexo 2), requer-se a concessão da Prioridade Processual na tramitação, nos termos do art. 1.211-A do Código de Processo Civil (com a redação dada pela lei 12.008/09) c/c o art. 71 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03).
Deferido o benefício, requer a Vossa Excelência que seja determinada à secretaria da Vara a devida identificação dos autos e a tomada das demais providências cabíveis para assegurar, além da prioridade na tramitação, também a concernente à execução dos atos e diligências relativos a este feito.
2. Dos fatos
Os autores são proprietários de um apartamento no Edifício $[geral_informacao_generica] (apartamentos 2101 – comprovante de propriedade no anexo 3).
Em 2011, ao receber o carnê para pagamento do IPTU, foram surpreendidos com um aumento de 40,06% no valor do imposto. Acompanhando a cobrança, veio uma carta (anexo 4) comunicando que tais aumentos tiveram como base os artigos 23, 24 e 26, §1º, da Lei Municipal nº 15.563/91, o Código Tributário Municipal do $[parte_reu_razao_social], que tratam genericamente da base de cálculo do IPTU.
Como se vê, não houve qualquer lei, processo administrativo específico ou contraditório e ampla defesa na implementação deste aumento arbitrário; considerando que os dispositivos do Código Tributário Municipal citados como justificativa tratam de maneira genérica da base de cálculo do IPTU, não houve qualquer fundamentação específica para tal majoração.
Nos exercícios seguintes, os reajustes tomaram como parâmetro a supracitada e ilegal base de cálculo utilizada na cobrança do IPTU de 2011, mesmo que, a partir de então, os índices de reajuste em relação ao ano anterior passassem a respeitar o IPCA; houve um verdadeiro “efeito cascata”. Tais cobranças são comprovadas pelos carnês e comprovantes de pagamento que acompanham a exordial (anexo 5, com os DIMs de 2010 a 2016).
Da análise dos Documentos Imobiliários Municipais – DIM anexos, percebe-se que, em 2011, a pretexto de realizar “atualização dos parâmetros cadastrais”, aumentou-se consideravelmente o valor do metro quadrado de construção (VU), incorrendo em verdadeira majoração da base de cálculo do IPTU sem a instituição de lei, alterando o valor venal do imóvel (VV), em flagrante desrespeito ao Princípio da Legalidade Tributária.
Ressalte-se que não houve qualquer outra alteração cadastral que pudesse eventualmente justificar tal majoração, visto que o padrão da construção e a conservação do imóvel mantiveram-se os mesmos durante todo o período.
Assim sendo, diante da citada ilegalidade no aumento da base de cálculo do IPTU efetuada pelo Município do Recife, não restou outra alternativa aos autores senão buscar a tutela jurisdicional.
3. Do Direito
3.1. Da inconstitucionalidade do aumento da base de cálculo
a) Do desrespeito à legalidade tributária
De acordo com o art. 150, I, da CF/88, os tributos só podem ser exigidos ou aumentados com base em lei. Tal disposição acarreta em um dos princípios basilares do Direito Tributário: o Princípio da Legalidade Tributária. Desta forma, o aumento da base de cálculo de qualquer tributo (incluindo-se o IPTU) só pode ocorrer havendo lei neste sentido.
Já o art. 97, §2º, do Código Tributário Nacional, dispõe que a mera atualização do valor monetário da base de cálculo não caracteriza majoração do tributo; assim, havendo simples atualização, mesmo que sem lei, não restará afrontado o Princípio da Legalidade.
Em âmbito municipal, a Lei nº 16.607/2000 trouxe que a atualização monetária dos valores expressos em moeda deve ser realizada anualmente, com base na variação do IPCA, medida pelo IBGE.
Com base nos supracitados diplomas, pode-se facilmente deduzir que, no âmbito do município do Recife, se a base de cálculo do tributo for reajustada anualmente acima dos limites da variação acumulada do IPCA, sem lei que assim preveja, haverá desrespeito ao Princípio da Legalidade Tributária.
No presente caso, entre os anos de 2010 e 2016, a unidade imobiliária dos autores foi tributada pela Fazenda Municipal da seguinte forma:
Ano IPTU cobrado pela Prefeitura Percentual de aumento em relação ao ano anterior Alíquota do IPCA no exercício
2010 R$ 3.466,40 4,00% 4,17%
2011 R$ 4.854,96 40,06% 5,19%
2012 R$ 5.182,38 6,76% 6,97%
2013 R$ 5.451,73 5,20% 5,45%
2014 R$ 5.755,18 5,57% 5,84%
2015 R$ 6.117,38 6,30% 6,59%
2016 R$ 6.704,84 9,60% 9,93%
Como se vê, percentualmente falando, o Fisco municipal respeitou os limites do IPCA nos anos de 2010, e de 2012 a 2016, sendo que no ano de 2011 houve um descomunal aumento de 40,06% do IPTU, bastante superior à variação do IPCA (5,19%), que acabou por repercutir nos exercícios seguintes.
Neste contexto, apenas previsão de lei permitiria tal aumento, visto que a alíquota utilizada como suposto reajuste da base de cálculo é em muito superior à variação do IPCA; não houve nem ao menos processo administrativo com direito de defesa (e se houve, não foi o contribuinte informado de sua realização, nem notificado para exercício do contraditório e da ampla defesa), ocorrendo uma arbitrária e desmotivada majoração, apresentando-se como fundamentação artigos do Código Tributário Municipal do Recife que tratam de forma genérica sobre a base de cálculo do IPTU, trazendo sua definição e fórmulas para sua obtenção (anexo 4).
Nunca é custoso citar a Súmula 160 do STJ, que traz que é “defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária”; se ato normativo do executivo, como o decreto, não é instrumento hábil a atualizar o IPTU em percentual superior ao IPCA, a falta de qualquer ato normativo, como no presente caso, é ainda mais questionável.
Nesta linha de entendimento, o seguinte julgado do Ministro Humberto Martins trouxe que a majoração do valor venal do imóvel deve ser feito por lei, mesmo que o Código Tributário Municipal traga critérios de correção de valores venais:
“TRIBUTÁRIO. IPTU. MAJORAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR MEIO DE DECRETO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 160/STJ.
1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a majoração da base de cálculo do IPTU depende da elaboração de lei, não podendo um simples decreto atualizar o valor venal dos imóveis sobre os quais incide tal imposto com base em uma planta de valores, salvo no caso de simples correção monetária.
2. Não há que se confundir a simples atualização monetária da base de cálculo do imposto com a majoração da própria base de cálculo. A primeira encontra-se autorizada independentemente de lei, a teor do que preceitua o art. 97, § 2º, do CTN, podendo ser realizada mediante decreto do Poder Executivo; a segunda somente poderá ser realizada por meio de lei.
3. Incidência da Súmula 160/STJ: "é defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária”. Agravo regimental improvido.”
(STJ, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 06/12/2011, T2 - SEGUNDA TURMA)
Em verdade, boa parte da discussão acerca do recente aumento do IPTU no município de Recife gira em torno da edição da Instrução Normativa nº 001/2011, da Secretaria de Finanças Municipal, que trata da metodologia para a fixação do valor do metro quadrado de construção imobiliária (Vu), trazendo os critérios para tal; a partir de sua introdução no ordenamento, passou a ser utilizada pelo Fisco Municipal como fundamento para os reajustes de base de cálculo realizados.
Ocorre que esta Instrução foi publicada em 27/12/2011, após o fato gerador do IPTU referente ao exercício de 2011 (1º/01/2011), quando ocorreu o aumento de base de cálculo aqui discutido; logo, não são aplicáveis seus critérios, tanto que nem a comunicação de aumento do IPTU (anexo 4) nem os carnês de cobrança a ela fazem referência.
E mesmo que hipoteticamente se aceitasse a utilização de seus critérios ao presente caso concreto, a Turma Fazendária do Colégio Recursal do TJ-PE vem se pronunciando recentemente pela irregularidade da aplicação desta norma, como se depreende do julgado ora trazido:
“EMENTA. RECURSO INOMINADO. IMPOSTO PREDIAL TERRITORAL URBANO (IPTU). ALTERAÇÃO DO VALOR VENAL DO IMÓVEL. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 001/2011 DA SECRETARIA DE FINANÇAS DO MUNICÍPIO DO RECIFE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
A Instrução Normativa nº 001/2011 da Secretaria de Finanças do Município do Recife pontuou diversos itens construtivos que, somados, vêm a formar o valor do metro quadrado da construção a ser utilizado para compor o valor venal do imóvel. Nos termos do artigo 24 da Lei Municipal nº 15.563/91 (Código Tributário Municipal do Recife), o valor do metro quadrado de construção (Vu) é um dos elementos que compõem a fórmula legal destinada à definição do valor venal do imóvel.
A Instrução Normativa nº 001/2011 não cuidou de simples atualização monetária do valor venal do imóvel ou mesmo correção monetária das balizes mínimas e máximas de referência para o valor do metro quadrado de construção fixadas na Tabela de Preços de Construção, constante do anexo II do Código Tributário Municipal do Recife. Em real verdade, criou critérios objetivos, gerais e abstratos, de avaliação imobiliária, com implicações no valor do metro quadrado de construção. Fixou, in abstrato, novos critérios para a formação do valor do metro quadrado de construção, promovendo, em consequência, o reenquadramento ou reclassificação, generalizado, de diversos imóveis do seu território.
Não se pode dizer que houve, na hipótese dos autos, alteração da base de cálculo in concreto, abrangendo imóveis específicos, para atender uma situação individualizada ou um imóvel incorretamente avaliado.
Houve, portanto, aumento da base de cálculo do IPTU, pela via indireta da fixação de critérios construtivos destinados à formação do valor do metro quadrado, através de Instrumento Normativo interno da Prefeitura do Recife, sem a participação do Poder Legislativo.
No Estado Democrático de Direito, plenamente vigente entre nós, o Fisco está vinculado à instransponível necessidade de lei em sentido formal para aumentar tributo (art. 5º, inciso I e art. 150, inciso I, da CF c/c art. 97 do CTN), daí a verossimilhança do direito a justificar a antecipação da tutela.
Diante das conhecidas dificuldades que o cidadão comum tem na repetição do que pagou indevidamente à Administração, o risco de dano de difícil reparação resta configurado.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso inominado.”
(TJ-PE, Relator: Fábio Eugênio Oliveira Lima, Data de julgamento: 31/07/2013, Turma Fazendária do Colégio Recursal, Data de publicação: Diário da Justiça do dia 20/08/2013)
O que se observou é que o Município do Recife editou a supracitada Instrução Normativa com o fim de definir os meios de instrumentalizar as reclassificações imobiliárias e readequações do valor do metro quadrado de área construída dos imóveis, sendo certo que tal diploma sempre foi utilizado como embasamento para os aumentos realizados a partir de sua publicação, mesmo que, na prática, tenha acabado por exorbitar de seu alcance e tratado de matéria reservada à lei, na linha do entendimento acima exposto.
Ora, se após a publicação de dita Instrução sempre foi a mesma utilizada como fundamento para os aumentos de base de cálculo do IPTU realizados pela Prefeitura do Recife, e que tal norma foi publicada após o fato gerador do tributo em enfoque, é fácil concluir que o aumento aqui discutido é totalmente carente de embasamento.
Se nem mesmo tal diploma, editado pelo Município com o fim precípuo de orientar e respaldar os aumentos que viriam a ser implementados, pode ser aplicado ao presente caso concreto (seja por desrespeitar a legalidade, seja por ter sido editado em momento posterior), o que mais poderia estear tal aumento de 40,06% da base de cálculo do IPTU? Em outras linhas: se os aumentos de IPTU aplicados com base na Instrução Normativa 01/2011 vêm sendo considerados ilegais pela jurisprudência, o que dizer de um aumento aplicado antes desta Instrução, com uma fundamentação genérica?
Em realidade, inexiste, no âmbito do município do Recife, ato regulamentar que, sem desrespeitar a legalidade tributária, trate dos parâmetros hábeis a instrumentalizar e orientar a atuação do Fisco na inclusão dos imóveis nos correspondentes padrões e demais enquadramentos. Onde consta no ordenamento os critérios que fundamentam a Administração a fixar os padrões dos imóveis como simples/médio/superior, etc.?
Assim, falta um instrumento hábil a traçar os limites da discricionariedade conferida ao Fiscal, posto que a lei genérica (CTM), por si só, dá a falsa aparência de conferir a ele total arbítrio, o que contrariaria o princípio da Legalidade no que concerne à atuação da Administração Pública.
A Instrução Normativa 01/2011 até foi editada com tal intuito, mas, conforme entendimento predominante, acabou por se exceder em seu alcance normativo.
Neste sentido, na falta de um ato regulamentar que traga os supramencionados critérios em conformidade com a legalidade tributária, ou de Lei em sentido estrito que aumente a base de cálculo do tributo, deve ser observada a forma de reajuste trazida pela Lei municipal nº 16.607/2000, ou seja, a aplicação da variação do IPCA, em respeito ao princípio da legalidade e para evitar arbitrariedades.
b) Do desrespeito ao contraditório e à ampla defesa, e ao princípio da publicidade
No presente caso, não houve qualquer procedimento administrativo que respeitasse os princípios do contraditório e da ampla defesa, como determina o mandamento constitucional do art. 5º, LV, CF/88, inexistindo qualquer notificação aos contribuintes para integrarem o processo. Mesmo que se alegue a ocorrência de mera correção cadastral do valor venal do imóvel (o que seria desarrazoado, dado o aumento de 40,06% da base de cálculo), restariam tais princípios violados. O TJ-PE, em primeira instância, já se pronunciou neste sentido:
“Como dito, se o município pretendia corrigir distorções no cadastro imobiliário com a reavaliação dos imóveis, que incidiria diretamente no montante do tributo, não poderia dar conhecimento do administrado somente quando da exação, considerando que eventual alteração no cadastro em relação ao valor do bem naturalmente acarretaria alteração na base calculo do imposto, o que só seria valida com a participação do contribuinte desde início do processo.
Da maneira empregada pelo Município do Recife, restou malferido o direito ao contraditório até porque não se despreza a possibilidade do contribuinte demonstrar a não inconsistência nos dados do cadastro.
Em havendo cerceamento do direito de defesa, tem-se como ilegal e abusiva a cobrança do tributo com a majoração lançada para além do valor obtido com base no índice de correção definido na Lei Municipal nº 16.607/2000, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que, como mencionado, para o exercício de 2012, foi de 6,9% (seis vírgula nove por cento).
Posto isto, confirmando os efeitos da tutela antecipada, julgo procedente o pedido para declarar ilegal a cobrança e em conseqüência, excluir a majoração que excede do percentual de 6,9% (IPCA), condenado o Município a expedir novas guias …