Ônus da Prova
Atualizado 29/05/2024
7 min. de leitura
Ônus da prova é um encargo processual, que basicamente indica de quem é a responsabilidade pela produção das provas durante o processo judicial.
Sempre que há um litígio processual, cada parte traz suas alegações, e o ônus da prova indica quem deve produzir provas sobre cada fato, de forma a firmar o convencimento do juiz.
Existem casos em que o ônus da prova é previsto em lei, e outros em que é o juiz que deve realizar sua distribuição entre partes - podendo, inclusive, inverter previsões legais.
Percebe-se que é um tema bastante complexo.
Neste artigo, vamos ajudá-lo a entender o conceito de ônus da prova, sua previsão legal e formas de distribuição, os casos em que há a inversão do ônus, bem como impugnar as decisões judiciais sobre ele.
Vamos lá, pois é um tema de grande importância para todos os advogados que querem ser vitoriosos em seus processos.
Boa leitura!
Qual o conceito de ônus da prova?
Ônus da prova é um conceito jurídico referente à responsabilidade que cada parte do processo judicial possui em relação a provar ou demonstrar a verdade sobre os fatos em discussão.
Qual a importância do ônus da prova?
A importância do ônus da prova está no dever de comprovação dos fatos em discussão.
Com isso, caso uma parte não comprove determinados fatos ou alegações cuja ônus lhe incumbia, estes não poderão ser considerados no convencimento do juiz - não podendo constar na fundamentação da sentença.
Assim, fica evidente que se trata de um encargo processual de suma relevância, que deve ter total atenção das partes para que tenham um resultado favorável no processo - cuja inobservância pode comprometer todo o trabalho jurídico envolvido.
Como é o ônus da prova no Código de Processo Civil?
Basicamente, o ônus da prova no Código de Processo Civil parte da premissa de que cada parte deve provar suas alegações.
Vejamos o que dispõe o Artigo 373 do Novo CPC:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Existem situações em que não é necessário constituir provas, pois existe uma presunção de veracidade, por serem confessados ou notórios, nos termos do Artigo 374 do Novo CPC:
Art. 374. Não dependem de prova os fatos:
I - notórios;
II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III - admitidos no processo como incontroversos;
IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.
Nestes casos, a produção da prova não é ônus de quaisquer das partes, uma vez que se trata de fato notório, presumido de conhecimento público.
Quais os tipos de provas existentes no CPC?
É importante mencionar que, segundo o Art. 369 do Novo CPC, as partes podem se utilizar de todos os meios legais e legítimos para comprovarem aquilo que alegam.
Vamos entender quais as provas estão previstas no Código de Processo Civil, a saber: ata notarial, depoimento pessoal, confissão, exibição de coisa ou documentos, testemunhas, perícias e inspeção judicial.
Ata Notarial
Ata notarial é um documento feito por um tabelião, pelo qual ele atesta a existência de determinado fato.
O grande ponto da ata notarial é que ela possui fé pública, tendo muito maior valor probatório do que uma ata privada.
A ata notarial pode ser muito útil para substituir prints de tela de celulares ou computadores, pois o tabelião irá acessar o dispositivo e atestar aquilo que for visto ou lido.
Sua previsão legal está no Art. 384 do Código de Processo Civil.
Depoimento Pessoal
O depoimento pessoal é o momento em que a parte fala diretamente perante o juiz, podendo ser requisitado pelas parte ou pelo próprio magistrado.
No entanto, é relevante indicar que o depoimento pessoal só pode ser requerido pela parte adversa ou pelo juiz, não podendo o advogado requisitar que seu cliente preste o depoimento.
O depoimento pessoal está previsto no Art. 385 do Novo CPC.
Confissão
A confissão, prevista no Art. 389 do CPC/15, significa que uma parte admitiu a ocorrência de determinado fato.
Ela pode se dar de forma verbal ou documental, dentro ou fora dos autos processuais.
É relevante, ainda, mencionar que a confissão pode, inclusive, ocorrer em razão de algo que o advogado da parte menciona em suas manifestações.
Outro ponto importante é que a confissão pode ser impugnada pela própria parte, caso comprove ter sido feita mediante erro, fraude ou coação.
Exibição de Coisa ou Documentos
A exibição de coisa ou documento pode ser requerida pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes - conforme indica o Art. 396 do Novo CPC.
Normalmente, isso ocorre quando uma das partes não detém acesso a algo que é relevante ao processo - devendo formular o pedido especificando o que deve ser exibido e os motivos de sua necessidade.
Prova Documental
A prova documental, prevista no Art. 405 do CPC/15, é a prova mais comum em todos os processos.
Aqui, é importante destacar que o autor deve apresentar as provas documentais de que dispõe no momento da propositura da ação judicial, bem como o réu assim deve fazer por ocasião da contestação.
A lógica aqui é inerente à boa fé do indivíduo na busca pela verdade real dos fatos - não podendo "guardar na manga" um documento de que já tinha ciência.
Caso a parte adversa entenda que o documento apresentado foi fraudado, deve suscitar, em contestação ou em sua réplica, a falsidade - sendo seu ônus de provar que o documento não é verdadeiro.
Analisando os argumentos e ouvida a outra parte, o juiz deverá incidentalmente declarar a falsidade ou não do documento, facultando-se, inclusive, a realização de perícia.
O Código de Processo Civil também trata dos documentos eletrônicos, como e-mail e conversas de whatsapp, assim dispondo em seu Art. 439 e seguintes:
Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei.
Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.
Testemunhas
A prova testemunhal, trazida ao Art. 442 do CPC/2015, é considerada a mais frágil das provas, pois qualquer pessoa pode falar sobre qualquer assunto, tecendo afirmações que nem sempre são verdadeiras.
Por isso, embora seja um tipo de prova muito importante, recomenda-se que sua carga probatória seja analisada em conjunto com as demais provas produzidas aos autos.
Qual a regra de instrução de testemunhas no CPC?
Segundo o Art. 357 §6º do CPC, cada parte pode arrolar até 03 (três) testemunhas sobre cada fato.
Assim, autor e réu podem arrolar suas testemunhas, sendo seu ônus promover a sua intimação - salvo nos casos de servidores públicos, que possuem uma dinâmica distinta de intimação.
Primeiro, são ouvidas as testemunhas do autor e, após, as do réu.
Da mesma forma, primeiro as perguntas são formuladas pelo juiz, que, encarrando sua fala, passa a palavras para a parte que as arrolou.
Perícia
A perícia é uma prova técnica, onde a comprovação de determinada alegação fuja da mera análise documental e testemunhal, uma vez que demanda um conhecimento técnico em determinada área do conhecimento.
Nestes casos, a requerimento das partes ou de ofício, o juiz poderá determinar que um perito analise a situação.
Prevista no Art. 464 do CPC/2015, permite-se às partes formularem quesitos ao perito, bem como indicarem assistentes técnicos, que poderão acompanhar todos os atos praticados pelo expert.
O ônus financeiro do perito são custeados com quem requer a prova e, ao final, ressarcidos pela parte sucumbente ao processo.
Inspeção Judicial
Prevista no Art. 481 do CPC/15, a inspeção judicial é o ato pelo qual o magistrado vai até determinado local para, pessoalmente, inspecionar pessoas ou coisas.
Ele poderá ir acompanhado de peritos ou das partes, de forma a observar, com seus próprios olhos, a situação material que é discutida aos autos - lavrando um termo de tal ato.
Como funciona a distribuição dinâmica do ônus da prova?
A distribuição dinâmica do ônus da prova é um mecanismo processual que pode ser utilizado pelo magistrado para equilibrar eventuais desigualdades entre as partes - especialmente quando é constatada a hipossuficiência de uma delas, o que impossibilitaria um embate processual justo.
Neste caso, a distribuição do ônus da prova se dá de forma distinta da regra tradicional de que o ônus da prova incumbe a quem alega o fato - levando em consideração a capacidade de cada parte em produzir a prova.
A possibilidade de redistribuição do ônus da prova está prevista expressamente no Artigo 373 §1º do CPC:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.
Teoria das cargas dinâmicas da prova
A teoria das cargas dinâmicas das provas consiste no dever do juiz em analisar a possibilidade/facilidade que cada parte possui para produzir determinada prova necessária aos autos e, com base nesta análise, realizar a distribuição do ônus da prova.
Com base na teoria das cargas das provas é que muitas legislações já preveem mudanças na distribuição do ônus da prova concebida como regra geral no CPC.
Ônus da prova no Código do Consumidor
Um exemplo clássico está no Código de Defesa do Consumidor, que prevê a inversão do ônus da prova como regra geral em processos onde se discutem relações de consumo.
Inclusive, no Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova é considerado um direito básico do consumidor, como parte da facilitação da defesa de seus direitos, conforme prevê o Artigo 6º inc. VII:
Artigo 6º São direitos básicos do consumidor:
...
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
E não há sequer a possibilidade de ilidir esta inversão do ônus da prova por meio de cláusulas contratuais, pois estas são consideradas nulas de pleno direito, conforme dispõe o Art. 51 do CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
...
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
Neste exemplo, há o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor e, ainda, a maior proximidade da prova do fornecedor - além do fato deste lucrar com a operação, devendo assumir os riscos e cautelas a ela inerentes.
Ônus da prova no Direito Ambiental
No direito ambiental, também existe a possibilidade de alterar a distribuição do ônus da prova, em razão de se tratar de responsabilidade objetiva do causador do dano.
Neste sentido é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO AMBIENTAL. FECHAMENTO DE COMPORTAS. VAZAMENTO DE ÓLEO. INUNDAÇÃO. TEORIA DO RISCO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. REEXAME. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que a análise acerca da existência ou não de circunstâncias que ensejam a inversão do ônus da prova é feita no caso concreto, de acordo com os elementos probatórios existentes nos autos.
2. A modificação do entendimento adotado pelo órgão colegiado que manteve a decisão que inverteu o ônus da prova demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que se mostra inviável ante a natureza excepcional da via eleita, a teor do enunciado da Súmula nº 7/STJ.
3. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que, em se tratando de ação indenizatória por dano ambiental, a responsabilidade pelos danos causados é objetiva, pois fundada na teoria do risco integral, sendo possível a inversão do ônus da prova. Precedente.
4. Nos termos do entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, encontram-se sob a proteção do Código de Defesa do Consumidor aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação, como consumidores por equiparação.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 2.297.698/ES, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 4/12/2023, DJe de 7/12/2023.)
Note que, usualmente, o ônus da prova recairia ao Ministério Público, especialmente se houvesse uma ação civil pública por dano ambiental associada a um processo penal.
Ônus da prova no Direito trabalhista
A regra básica do ônus da prova no direito trabalhista segue o Artigo 373 do CPC, incumbindo ao empregado comprovar seus direitos, e ao empregador trazer as provas que os ilidam.
Porém, considerando se tratar de um processo onde é reconhecida a hipossuficiência de uma das partes, o empregado, é comum vermos decisões determinando a inversão do ônus da prova em seu favor.
Um caso bastante interessante é a inversão do ônus da prova em relação à comprovação de horas extras, tendo entendido o Tribunal Superior do Trabalho que tal ônus é do empregador, pois é dele a obrigação de manter o controle sobre o ponto do funcionário, vejamos:
Súmula nº. 338 - TST: É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário.
Por isso que, em toda contestação trabalhista, é necessário que o empregador traga as folhas ponto do reclamante, para que possa ilidir eventuais afirmações sobre horas extras.
O que é ônus perfeito e imperfeito?
Em relação à produção da prova, existem também os conceitos de ônus da prova perfeito e imperfeito.
São conceitos acadêmicos, de direito processual civil, e estão ligados à consequência do não cumprimento com o ônus da prova.
No contexto do direito processual, caso a parte perca o processo caso não produza a prova que lhe incumbia, estamos diante de um ônus perfeito.
Ou seja: ou produz a prova do fato e obtém um julgamento favorável, ou sofrerá com a improcedência.
Um bom exemplo deste caso é um processo civil por danos materiais.
Caso a parte não comprove os danos materiais sofridos, haverá a improcedência da ação.
Caso se trata de um prova que não é decisiva para o processo, e sua não produção pela parte não gera diretamente a improcedência da ação, diz-se se tratar do ônus imperfeito da prova.
Aqui tem-se como exemplo um processo por danos morais, cuja comprovação é complexa, sendo que a mera alegação da parte, muitas vezes, já é aceita, sem a necessidade de qualquer prova a respeito.
O que é a inversão do ônus da prova?
Como vimos, a inversão do ônus da prova é o mecanismo processual pelo qual é alterada a dinâmica primordial do direito processual civil, de que incumbe a cada parte provar o que alega, nos termos previstos ao Artigo 373 do CPC.
Sempre que fugirmos desta previsão, considera-se haver a inversão do ônus da prova.
A inversão do ônus da prova pode ocorrer por previsão legal - como ocorre no Código de Defesa do Consumidor - como por decisão judicial fundamentada, com amparo na distribuição dinâmica do ônus da prova prevista ao Artigo 373 §1º do CPC.
Qual o recurso cabível contra decisão que inverte o ônus da prova
Caso a inversão do ônus da prova seja determinada em decisão judicial, a parte que discordar pode recorrer interpondo o recurso de agravo de instrumento.
Trata-se de hipótese expressamente prevista no Art. 1.015 do CPC:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
...
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
Conclusão
O ônus da prova é um tema bastante relevante no direito processual civil, penal e trabalhista, sendo de suma importância seu domínio para o exercício de uma advocacia com excelência.
É um instituto que envolve uma teoria jurídica muito sólida, tornando dinâmica sua distribuição no curso do processo, e cuja aplicação prática pode ensejar a procedência da ação em favor do seu cliente, ou a perda de um processo, como vimos no exemplo acima.
E não basta o mero conhecimento da lei, que traz a regra básica o dever de cada parte provar sua alegação - na busca pela verdade dos fatos, o magistrado pode alterar a produção das provas, para melhor tutelar os direitos postos em litígio.
Em anos de advocacia no contencioso, vimos colegas perderem processos por desconhecerem o instituto do ônus da prova e sua aplicação naquele caso em concreto - e, com isso, conseguimos desenvolver uma dinâmica de trabalho baseada na produção de roteiros e modelos objetivamente formatados para propiciar a melhor análise dos direitos envolvidos pelo Poder Judiciário.
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