Direito Civil

Alienação Fiduciária

Atualizado 28/09/2024

6 min. de leitura

A alienação fiduciária é o mecanismo jurídico pelo qual o devedor fiduciante contrata um empréstimo para adquirir um bem, dando o próprio bem em garantia ao credor fiduciário.

Esta operação é bastante utilizada no mercado imobiliário, como condição para que as instituições financeiras concedam o empréstimo para a aquisição do imóvel.

E, não sendo adimplidas as parcelas, o credor pode levar o imóvel a leilão, para quitação do empréstimo, ou, ainda, tomar para si o bem, reembolso do devedor em eventual diferença de valor.

Embora houvessem discussões judiciais acerca de sua legalidade, hoje a alienação fiduciária é prática comum no Brasil, sendo fundamental compreendermos seus conceitos, requisitos e aplicações práticas - tudo o que vamos ver neste artigo!

Boa leitura!

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Como funciona a alienação fiduciária?

A alienação fiduciária é feita a partir de um contrato, cujo objeto é o empréstimo de determinado valor, sendo dado em garantia bens móveis ou imóveis.

O contrato de alienação fiduciária tem, na prática, a natureza jurídica de um contrato de financiamento, sendo dado em garantia o próprio bem imóvel que está sendo adquirido com os valores tomados em empréstimo junto às instituições financeiras.

Assim, o devedor fiduciante toma o valor a juros para a finalidade específica de adquirir o bem imóvel informado, não podendo utilizá-lo para outro fim - devendo quitar mensalmente com as parcelas indicadas até a plena quitação do crédito imobiliário tomado.

O ponto diferencial aqui é que o credor fica como proprietário do bem, enquanto o devedor permanece em sua posse - somente tendo para si a propriedade quando quitar o valor devido.

Trata-se de uma das formas de operação de financiamento imobiliário permitidas no Brasil - e uma das mais comuns, em razão de ser um contrato com a destinação certa e imobilizada do valor, conferindo maior segurança à instituição financeira que concede o empréstimo.

Qual a lei da alienação fiduciária?

A alienação fiduciária está prevista no Art. 22 da Lei 9.514/1997, que trata de todo o sistema de financiamento imobiliário brasileiro.

Já a alienação fiduciária de bens móveis é regida pelo Decreto nº. 911/1969.

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Quais os principais artigos da lei da alienação fiduciária?

Os principais artigos da Lei 9.514/97 - Lei da Alienação Fiduciária são os seguintes:

Art. 22: é o artigo que traz o conceito de alienação fiduciária:

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Art. 24: é o dispositivo que traz as informações essenciais que todo contrato deve conter.

Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:

I - o valor da dívida, sua estimação ou seu valor máximo;

II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário;

III - a taxa de juros e os encargos incidentes;

IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;

V - a cláusula que assegure ao fiduciante a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária, exceto a hipótese de inadimplência;

VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;

VII - a cláusula que disponha sobre os procedimentos de que tratam os arts. 26-A, 27 e 27-A desta Lei.

Artigo 25: especifica como é encerrado o contrato após o pagamento do débito.

Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel.

§ 1º No prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de liquidação da dívida, o fiduciário fornecerá o termo de quitação ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante.

§ 1º-A O não fornecimento do termo de quitação no prazo previsto no § 1º deste artigo acarretará multa ao fiduciário equivalente a 0,5% (meio por cento) ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato, que se reverterá em favor daquele a quem o termo não tiver sido disponibilizado no referido prazo.

§ 2º À vista do termo de quitação de que trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o cancelamento do registro da propriedade fiduciária.

Artigo 26: trata de como a propriedade do imóvel é consolidada em caso de débito:

Art. 26. Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

Artigo 27: versa sobre a extinção do débito em razão da realização do leilão.

Art. 27. Consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário promoverá leilão público para a alienação do imóvel, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data do registro de que trata o § 7º do art. 26 desta Lei. 

Existem outros artigos relevantes sobre a alienação fiduciária de bens móveis e imóveis, porém estes são mais relevantes para compreender como funciona a alienação fiduciária.

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Alienação fiduciária e cessão fiduciária são a mesma coisa?

Não, alienação fiduciária e cessão fiduciária são institutos jurídicos distintos - diferindo especificamente no bem dado em garantia.

Na cessão fiduciária, é tomado um crédito, sendo dado em garantia os direitos sobre coisas móveis - créditos judiciais, etc.

Já a alienação fiduciária pode ser feita com base em garantias reais, ou seja, a propriedade de bens móveis e imóveis.

Além disso, a cessão fiduciária é feita como garantia em um contrato de mútuo, ou seja, de empréstimo, cujo valor pode ser utilizado para qualquer fim.

Enquanto que na alienação fiduciária, o valor deve ser destinado para a aquisição do bem imóvel dado em garantia.

Qual a diferença entre garantia pessoal e garantia real?

A grande diferença entre garantias pessoais e garantias reais estão na natureza do que é dado em garantia.

Na garantia pessoal, ela se baseia na confiança de quem alguém irá pagar pelo débito - é o caso da fiança ou do aval.

Já na garantia real, existe um bem assegurando o adimplemento da obrigação, a exemplo do que ocorre na hipoteca, no penhor, e na própria alienação fiduciária.

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Quais os riscos da alienação fiduciária?

Os riscos da alienação fiduciária são os mesmos inerentes a qualquer operação de crédito - sendo o principal dele a inadimplência do devedor.

Porém, como o bem dado em garantia fica em propriedade fiduciária do credor até o término do pagamento, há uma sensível redução no risco, pois o bem pode ser vendido pelo credor para saldar o saldo devedor.

Há, ainda, um outro risco: o de deterioração do imóvel.

Como o devedor fica na posse do imóvel, fruindo dele para todos os fins, pode ocorrer dele não realizar as manutenções necessárias, fazendo com o que o imóvel perca valor de mercado.

Lembrando que, se o valor arrecadado pelo credor como leilão do bem não for suficiente para cobrir o saldo devedor, ele poderá executar diretamente o devedor pelo saldo remanescente.

Qual a diferença entre alienação fiduciária e outras garantias?

A principal diferença entre a alienação fiduciária e outras garantias é que na alienação fiduciária o credor fica com a propriedade do imóvel - permitindo sua venda direta.

Enquanto que nos outros tipos de garantia, é necessário executar a garantia, ter sua propriedade, para só então realizar eventual leilão.

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Quais as cláusulas do contrato de alienação fiduciária de imóvel?

As cláusulas do contrato de alienação fiduciária de imóvel são as seguintes:

  • Qualificação completa das partes;

  • Descrição detalhada do objeto da alienação - incluindo dados do registro de imóveis ou do DETRAN;

  • Valor do financiamento;

  • Condições de pagamento da dívida - número de parcelas, reforços, etc;

  • Taxas de juros e demais encargos financeiros;

  • Rol de obrigações do devedor - pagamento da dívida em dia, manutenção do bem, contratação de seguro para o bem, etc;

  • Condições de transferência da propriedade com a carta de quitação do empréstimo - cláusula de reversão da propriedade;

  • Condições de quitação em caso de leilão do bem - com o saldo do valor sendo destinado ao devedor.

Quais as vantagens de uma alienação fiduciária?

Para o credor, a principal vantagem da alienação fiduciária está na propriedade fiduciária da garantia - ou seja, o bem já é seu, não sendo necessário proceder com sua expropriação do devedor, o que torna mais simples, rápido e eficiente o procedimento do leilão.

E, como há uma garantia mais efetiva, o credor consegue ofertar taxas de juros mais atrativas junto às instituições financeiras, pois o risco de não receber o valor é reduzido em relação aos contratos de mútuo tradicionais - o que é uma grande vantagem para o devedor.

Outra vantagem para o devedor é que ele fica na posse e fruição do bem enquanto paga a dívida.

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Como tirar a alienação fiduciária do documento do carro?

O primeiro passo para tirar a restrição de alienação fiduciária do documento do carro é quitar o financiamento.

Feito isso, a instituição financeira deve emitir uma declaração de quitação do contrato ou termo de quitação, com firma reconhecida, no qual devem constar todas as informações do veículo.

De possa deste termo, o devedor deve dirigir-se ao DETRAN, para abrir um processo de transferência do veículo para o seu nome - no qual será necessário apresentar cópia de seu RG/CPF ou CNH, comprovante atualizado de residência, bem como o CRV do veículo, além, claro, do pagamento das taxas exigidas pelo DETRAN.

Feito isso, e estando toda a documentação regular, é expedido um novo CRV, agora já em nome do devedor, sem a restrição da alienação fiduciária.

Como funciona cada etapa da alienação fiduciária?

O procedimento da alienação fiduciária é bastante complexo, uma vez que seu contrato contempla uma série de obrigações jurídicas interligadas.

Para isso, vamos entender o passo a passo de cada etapa da alienação fiduciária.

Formalização do Contrato de Alienação Fiduciária

O primeiro passo é a formalização do contrato, cujas cláusulas obrigatórias vimos acima.

Neste ponto, é importante que o particular busque uma instituição financeira que tenha em seu portfólio este tipo de serviço.

Ele deve então apresentar qual o bem ele deseja financiar, submetendo à análise da instituição.

Esta parte é bastante delicada, uma vez que cada instituição possui critérios para aceitar ou não o bem, a exemplo da higidez física e jurídica do bem.

É relevante dizer que, no momento da contratação, a propriedade do bem deve ser do devedor, que a irá transferir ao credor, conforme Art. 1.361 do Código Civil.

Pagamento da Dívida

Uma vez firmado o contrato, o devedor deve começar a pagar as parcelas regularmente, dentro dos termos, prazos e valores contratados.

Termo de Quitação

Finalizados os pagamentos, a instituição financeira deve emitir o termo de quitação - que será usado pelo devedor junto ao DETRAN ou registro de imóveis para levantar a restrição do bem e ter para si a propriedade.

Inadimplência ou não Pagamento da Dívida

Caso o devedor fique inadimplente, deixando de pagar a dívida, o credor fiduciário consolidar a propriedade para si, ficando rescindido o contrato.

Consolidação da Propriedade

A consolidação da propriedade fiduciária decorre da inadimplência do devedor.

O primeiro passo da consolidação da propriedade ocorre pela notificação formal do devedor acerca de sua inadimplência, o que deve ocorrer via cartório de títulos ou até mesmo pela via judicial.

Na notificação, deve constar se há algum prazo para quitação de inadimplência - e, se não realizado o pagamento no prazo assinalado, o credor pode levar todo este procedimento ao conhecimento do registro, requerendo então a consolidação da propriedade em seu favor.

Primeiro e Segundo Leilões

Feita a consolidação da propriedade, o credor pode ficar com o bem para si, ou promover seu leilão.

No caso de leilão, é feita uma avaliação de mercado do bem, sendo contratado um leiloeiro oficial para conduzir a venda.

Arrematação e Imissão na Posse

Caso alguém pague o valor indicado no leilão, é feita a carta de arrematação do bem, que serve como documento de registro do bem, passando a propriedade para o arrematante - que, assim, pode buscar a posse do imóvel.

Não obtendo a posse de forma amigável, é possível ingressar com um processo judicial de imissão na posse.

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Como faço para vender um imóvel ou veículo alienado?

Para vender um imóvel ou veículo alienado, é preciso de uma carta de anuência do credor, que irá firmar um termo aditivo ao contrato original, passando a constar como devedor o comprador do bem.

Algumas instituições não permitem a venda, condicionando sua aprovação à quitação do financiamento.

O devedor pode passar a titularidade da dívida para outra pessoa?

O devedor pode transferir a titularidade da dívida para outra pessoa, desde que haja a concordância do credor.

Neste caso, é feito um termo de cessão de dívida.

A morte do devedor extingue o contrato de alienação fiduciária?

A morte do devedor não extingue o contrato de alienação fiduciária.

Neste caso, direitos e deveres do devedor são transferidos ao espólio, ficando a gestão do bem e do contrato a encargo do inventariante - lembrando que, então, haverá um patrimônio e uma dívida a serem declarados como parte da herança.

Geralmente, os herdeiros devem optar por quitar o contrato e dividir o bem como parte da herança.

De quem é a propriedade na alienação fiduciária?

Na alienação fiduciária, a propriedade formal do bem é do credor, à qual é chamada de propriedade fiduciária.

Desta forma, o devedor transfere a propriedade ao credor, ficando apenas com sua posse.

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É possível realizar busca e apreensão na alienação fiduciária de móveis?

Sim, como o credor é o proprietário do bem, em caso de inadimplemento do financiamento é possível ingressar com o pedido de busca e apreensão - com base no Art. 806 do Código de Processo Civil:

Art. 806. O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado para, em 15 (quinze) dias, satisfazer a obrigação.

§ 1º Ao despachar a inicial, o juiz poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo.

§ 2º Do mandado de citação constará ordem para imissão na posse ou busca e apreensão, conforme se tratar de bem imóvel ou móvel, cujo cumprimento se dará de imediato, se o executado não satisfizer a obrigação no prazo que lhe foi designado.

Uma vez expedido o mandado, ele é cumprido por Oficial de Justiça, sendo recomendado que o ato seja acompanhado pelo credor ou por seu representante.

Quais os crimes estão associados à alienação fiduciária?

Existem diversos crimes previstos no Código Penal (Decreto Lei nº. 2.848/40) que podem estar associados à alienação fiduciária, a saber:

  • Art. 163 do Código Penal - caso o devedor cause danos propositais ao bem alienado. Pena de detenção de 06 meses a 03 anos.

  • Art. 168 do Código Penal - crime de apropriação indébita, caso o devedor se recuse a entregar a posse do bem, após consolidada a propriedade pelo credor. Pena de reclusão, de 01 a 04 anos.

  • Art. 171 do Código Penal - quando há fraude a credores, sendo um tipo de estelionato, caso o devedor transfira o bem sem comunicar ao credor. Pena de reclusão de 01 a 05 anos.

  • Art. 297 do Código Penal - quando o devedor falsifica documentos, a exemplo da carta de quitação. Pena de reclusão de 02 a 06 anos.

Conclusão

Em anos de advocacia junto ao mercado financeiro, acompanhamos o surgimento de diversos tipos de negócio jurídico, muitos oriundos de inovações do direito americano, onde a base contratual de dívidas é bastante evoluída, servindo de exemplo para o direito brasileiro.

No caso da alienação fiduciária, ele facilitou muito o mercado imobiliário, permitindo a realização do sonho da compra da casa própria de muitas pessoas.

E isso não ficou restrito ao banco, pois vimos muitos contratos de alienação fiduciária firmados entre pessoas físicas.

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Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever