Direito de Família

Abandono de Lar pelo Cônjuge

Atualizado 14/05/2025

6 min. de leitura

O abandono de lar ocorre quando um dos cônjuges deixa o lar conjugal sem qualquer justo motivo ou satisfação.

Com isso, o direito de família brasileiro entende que há uma renúncia a uma série de direitos relativos à moradia, filhos e cônjuge - sofrendo quem abandona o lar as consequências de seus atos.

Neste artigo, vamos falar mais sobre os direitos dos cônjuges e a repercussão jurídica do abandono de lar.

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O que é Abandono de Lar?

Abandono de lar é o conceito usado para definir o ato de saída de um dos cônjuges da residência familiar, sem justificativa e por tempo indeterminado, de forma a interromper a convivência conjugal.

Este ato gera uma série de consequências, financeiras e psicológicas ao cônjuge que é abandonado - gerando, assim, obrigações que devem ser assumidas por quem abandonou o lar, com reflexos na pensão alimentícia, na guarda dos filhos e até mesmo em seu patrimônio, podendo gerar a perda do imóvel.

É fundamental garantir que seus direitos sejam observados no âmbito familiar; ao abandonar o domicílio conjugal sem motivo justo - quem deixa o lar perde o direito à coabitação e a benefícios como pensão alimentícia, o que impõe ao Judiciário a adoção de medidas específicas para que os direitos sejam protegidos de maneira efetiva.

O que pode ser considerado abandono de lar?

No contexto do direito da família, configurado como abandono de lar quando um dos cônjuges abandona voluntariamente a residência conjugal, deixando o parceiro sem amparo e suporte moral e financeiro, sem a intenção de retorno.

Essa conduta traduz uma situação de abandono de lar, caracterizando violação dos deveres de coabitação - além disso, a percepção de situação de abandono reforça a gravidade do ato.

Em muitos julgados, cônjuges abandona o lar sem manifestação formal, rompendo laços afetivos e descumprindo obrigações domésticas; abandono pode ser interpretado como postura negligente e abandono de lar envolve também a omissão no cuidado de filhos e atendimento às necessidades básicas.

Para fins processuais, abandono de lar seja considerado definitivo e prolongado; ser configurado como abandono depende de provas robustas.

Adicionalmente, abandono também pode ocorrer em situações de abandono de incapaz, quando o cônjuge se exime de cuidar de dependentes vulneráveis.

É importante ressaltar que essa conduta não é necessariamente motivada por uma traição, embora essa circunstância agrave o cenário.

A lei de abandono de lar prevê sanções civis e criminais, pois é tipificado como crime.

Contudo, abandono de lar não é mero ato de ausência física: para reconhecimento da prática, lar seja considerado juridicamente relevante no contexto de desamparo.

Quais casos de abandono de lar mais comum?

Dentre os cenários mais recorrentes de abandono de lar, destaca-se a saída abrupta do cônjuge que permaneceu sem aviso prévio, deixando o parceiro e os dependentes sem notícias ou apoio.

Nesses casos, o cônjuge que permanece na residência tende a arcar sozinho com as obrigações financeiras, principalmente as despesas do lar.

É importante estar atento às consequências para os filhos: o abandono por um dos pais impacta diretamente sobre a guarda e sobre a guarda dos filhos, pois o responsável ausente pode perder vínculo e responsabilidades.

Em situações assim, o cônjuge abandonado é amparado pelo Judiciário, que pode determinar prestação de alimentos, assegurando direito à pensão alimentícia. Esse mecanismo reforça o direito de receber recursos proporcionais às necessidades do alimentando.

Em outro cenário frequente, o parceiro abandona a casa mas não formaliza a separação, fato que influencia o regime de bens do casamento.

Nesses casos, filhos e à partilha podem ser objeto de disputa, especialmente quando há bens a partilhar.

O cônjuge prejudicado, portanto, deve proteger seus direitos na esfera judicial e extrajudicial, pois, apesar do abandono, ainda pode ser obrigado a responder por obrigações básicas, como custear escola e plano de saúde, enquanto aguarda o desfecho do litígio.

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Qual a previsão legal do abandono de lar?

O abandono de lar é uma das causas que podem embasar o pedido de divórcio, estando previsto no Artigo 1.573 inc. IV do Código Civil:

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I - adultério;

II - tentativa de morte;

III - sevícia ou injúria grave;

IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V - condenação por crime infamante;

VI - conduta desonrosa.

Quais são os deveres conjugais?

Os deveres conjugais são previstos no Art. 1.566 do Código Civil, sendo basicamente a fidelidade, a vida em comum, o respeito e a mútua assistência.

Vejamos o inteiro teor do Art. 1.566:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I - fidelidade recíproca;

II - vida em comum, no domicílio conjugal;

III - mútua assistência;

IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

V - respeito e consideração mútuos.

Como se caracteriza o abandono do lar?

O abandono de lar não se limita ao simples fato de um cônjuge deixar fisicamente o domicílio; trata-se de um conjunto de elementos fáticos e subjetivos que, em conjunto, configuram um ato continuado de ruptura do núcleo familiar.

Vejamos com mais profundidade cada um desses requisitos:

  • Voluntariedade: É indispensável que a decisão de sair de casa seja fruto da livre vontade do cônjuge, sem coação ou autorização do outro. A voluntariedade pode ser demonstrada por mensagens, e-mails ou testemunhos indicando que o autor do abandono optou conscientemente por não retornar ao lar;
  • Continuidade: O afastamento deve perdurar no tempo, não se tratando de meros momentos de discussão ou pequenas ausências (como viagens de curto prazo). Embora não haja prazo legal fixo, a jurisprudência costuma considerar significativo um período superior a seis meses, sobretudo se comprovado que não houve qualquer tentativa de reconciliação.
  • Quebra do vínculo familiar: Mais do que a ausência física, caracteriza-se pela interrupção das relações afetivas, morais e até financeiras: não enviar notícias, não participar de decisões sobre educação dos filhos ou recusar-se a contribuir com o sustento. Essa desconexão reforça a intenção de romper definitivamente o convívio.
  • Ausência de justificativa razoável: A saída unilateral somente será considerada abandono de lar se não existir motivo legítimo que a justifique. Deslocamentos por trabalho, tratamentos médicos, cursos de longa duração ou até viagens de caráter emergencial não configuram abandono, desde que comprovados por documentos como contratos, bilhetes e recibos.
  • Ânimo permanente: Aqui se avalia a intenção duradoura de não retornar ao convívio conjugal. Enquanto ausências temporárias revelam esperança de reconciliação, o ânimo permanente — revelado em cartas, e-mails ou declarações — demonstra a vontade de efetivar separação de fato.

Para provar o abandono de lar, geralmente se apresentam ao juiz provas documentais (troca de mensagens, extratos bancários que provem a falta de contribuição, certidões de residência) e testemunhais (de vizinhos, parentes ou amigos).

Uma vez reconhecido, o abandono pode influenciar decisões sobre pensão alimentícia, divisão de bens e guarda de filhos, pois o cônjuge que abandona pode perder direitos como o uso exclusivo do imóvel familiar e ter seus pedidos de alimentos reconsiderados à luz da sua própria conduta.

Essa análise detalhada evita interpretações equivocadas e garante que o judiciário tenha elementos suficientes para decidir de forma justa, protegendo os direitos de quem permanece no lar e assegurando que o autor do abandono arque com as consequências legais de seus atos.

O que NÃO CONFIGURA abandono do lar?

Caso haja um motivo externo à vontade do cônjuge, não estará configurado o abandono de lar - por exemplo, a separação de fato, com a saída de um dos cônjuges, não caracteriza abandono de lar, se o cônjuge mantiver contato com a família e estiver tramitando o processo de divórcio ou dissolução de união estável - vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO FAMILIAR. ART. 1.240-A, DO CC. ABANDONO DO LAR NÃO CONFIGURADO. FIXAÇÃO DE RESIDÊNCIA NO ESTRANGEIRO. NECESSIDADE DO TRABALHO. MANUTENÇÃO DO VÍNCULO COM A PROLE. AUXÍLIO MATERIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Nos termos do art. 1.240-A, do CC, incluído pela Lei nº 12.424/11, ?aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

2. A separação de fato do casal não configura abandono do lar quando, mesmo apesar da mudança de residência do ex-marido para o estrangeiro, por força do cargo público que ocupava, foi mantido o vínculo com a prole comum, sendo prestado contínuo apoio moral e material. Precedentes.

3. Apelo não provido.

(Apelação Cível, N° 07197007620198070003, 4ª Turma Cível, TJDF, Relator: Arnoldo Camanho, 04/05/2022)

Da mesma forma, o afastamento do lar por decisão judicial também não caracteriza abandono de lar:

APELAÇÃO – Ação de Extinção de Condomínio – Pretensão de alienação de imóvel comum - Sentença de procedência - Inconformismo da ré – Pretensão de reconhecimento de usucapião familiar - Descabimento – Caso em que o varão foi afastado do lar conjugal por determinação judicial, hipótese que não pode ser equiparada à abandono - Recurso desprovido.

(Apelação Cível, N° 1000676-07.2017.8.26.0366, 9ª Camara De Direito Privado, TJSP, Relator: José Aparício Coelho Prado Neto, Julgado em 15/07/2021)

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Quais são as consequências do abandono de lar?

O abandono de lar gera diversas consequências, a saber:

  • Possibilidade do pedido de divórcio;

  • Exigência do pagamento de pensão alimentícia;

  • Guarda dos filhos definida de forma unilateral, em favor do cônjuge abandonado;

  • Perda da propriedade o imóvel em razão da usucapião familiar.

Como funciona a usucapião por abandono de lar?

No âmbito do direito imobiliário, lar pode ser objeto de usucapião quando comprovado abandono.

Na usucapião por abandono de lar, a propriedade por abandono se efetiva quando o possuidor demonstra posse mansa e pacífica, permitindo a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel e, consequentemente, consolida direitos sobre o imóvel.

O interessado deve registrar a ação no cartório de registro de imóveis e comprovar posse ininterrupta pelo prazo de dois anos.

O processo exige prazo mínimo de posse ininterrupta, e a lei estabelece um prazo mínimo para que o abandono seja contínuo; além disso, define o prazo para que o abandono ocorra sem oposição e sem controvérsia.

Ao retornar ao lar, o possuidor interrompe a contagem e pode descaracterizar o abandono, garantindo novamente a posse regular.

Além disso, abandono de lar também pode gerar restrições aos direitos patrimoniais do ausente.

Ademais, abandono de lar pode influenciar a análise do juízo quanto à boa-fé do possuidor. Ademais, abandono de lar pode ser fundamento para afastar direitos do cônjuge ausente; abandono do lar pode ser requerido como prova na ação de usucapião.

Essas implicações legais do abandono alcançam diversas consequências legais. Nesse contexto, o possuidor passa a exercer direitos sobre o bem independente da vontade do ausente. No entanto, o abandono pode resultar na perda de direitos patrimoniais e na perda de direitos sobre o imóvel.

Tal cenário implica perda do direito de oposição do cônjuge ausente - essa conduta pode acarretar perda do direito à partilha em eventual dissolução conjugal.

Em especial, o cônjuge que abandonou perde o direito à partilha de bens e pode perder o direito de participar da decisão sobre a partilha; além disso, abandona o lar perde também a titularidade de benefícios relacionados aos bens comuns.

Cumpre notar que a demanda pode abranger bens adquiridos durante o período de abandono. Adicionalmente, bens adquiridos durante o casamento são analisados sobre a partilha de bens em eventual dissolução.

É importante proteger seus direitos e garantir que o direito à herança dos sucessores seja observado, pois é uma situação complexa em que todos os direitos do possuidor e, subsidiariamente, do cônjuge ausente, devem ser avaliados com cautela.

Quais medida protetivas pedir nos casos de abandono do lar?

Ocorrendo o abandono de lar, é possível que o cônjuge abandonado, por medo de um retorno abrupto do outro, requeira o estabelecimento de medidas protetivas em seu favor.

A principal delas é a proibição de que o cônjuge retorne ao lar, sendo possível chamar a polícia em caso de descumprimento - o que, em casos extremos, poderá levar à sua prisão.

Caso o abandono ocorra após um caso de violência doméstica, são aplicáveis todas as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha.

Quais os direitos da vítima de abandono do lar?

Como vimos acima, a vítima do abandono de lar tem diversos direitos, como pensão alimentícia, guarda unilateral dos filhos e usucapião familiar, além da possibilidade do pedido de divórcio.

Vamos entender melhor o funcionamento de cada um destes direitos.

Usucapião Familiar e Abandono do Lar

A usucapião familiar está prevista no Artigo 1.240-A do Código Civil, sendo aplicável a imóveis com até 250m2 - porém, o prazo para ter direito à propriedade do imóvel devido ao abandono do cônjuge é de apenas 02 (dois) anos.

Temos, assim, os seguintes requisitos da usucapião familiar:

  • Imóvel urbano de até 250m2;

  • Abandono do cônjuge;

  • Uso para moradia própria da família;

  • Prazo de 02 (anos) de ocupação direta.

Vejamos o inteiro teor do referido artigo:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Divórcio

Considerando que o cônjuge que abandonou o lar descumpriu com um dos requisitos do casamento civil, será possível que o outro peça o divórcio.

Aqui, temos que ter atenção a um fato relevante: havendo o divórcio ou dissolução de união estável, deve ocorrer a divisão dos bens do casal, tema este sempre delicado, que gera uma situação desconfortável para todos.

Porém, transcorrido o prazo para a usucapião familiar, o bem usucapiendo não será objeto de partilha, sendo adquirido diretamente pelo cônjuge que foi abandonado.

Pensão Alimentícia

Da mesma forma, a pensão alimentícia será devida, não havendo qualquer prejuízo ao cônjuge remanescente.

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Conclusão

Antigamente, sabíamos que os casais permaneciam casados com medo das consequências de abandonar o lar - porém, modernamente a situação mudou bastante, sendo necessário de fato o ânimo do abandono para configuração dos direitos ao outro cônjuge.

Caso contrário, o ato será encarado com a separação de corpos, ato típico de um processo de divórcio.

Com isso, obsta-se a propositura da ação judicial de usucapião familiar, bem como se evita a perda da guarda dos filhos.

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Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

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