Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO $[processo_uf]
REVISÃO DA CONDENAÇÃO APLICADA EM FACE DO ACÓRDÃO PROFERIDO NA APELAÇÃO CRIMINAL Nº $[processo_numero_cnj] (Nº CNJ: $[processo_numero_cnj])
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_maioridade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], inscrito no CPF sob o nº $[parte_autor_cpf], RG nº $[parte_autor_rg], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo], por seu procurador constituído, Dr. $[advogado_nome_completo], advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, sob o nº $[advogado_oab], com seu escritório profissional à $[advogado_endereco], e-mail: $[advogado_email], vem a presença de Vossa Excelência, para ajuizar, com fulcro no art. 621, inc. I, art. 626 c/c art. 630, § 1°, todos da Legislação Adjetiva Penal, a presente
AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO
em razão das justificativas de ordem fática e de direito, abaixo delineadas.
1 - SÍNTESE DO PROCESSADO
1.1- DOS FATOS E FUNDAMENTOS
O Requerente foi condenado pelo Juiz de Direito da $[geral_informacao_generica] Vara Criminal da Comarca de $[geral_informacao_generica], como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, e do artigo 12 da Lei 10.826/03, na forma do artigo 69 do Código Penal, a 06 (seis) anos de reclusão e 01 (um) ano de detenção, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 610 (seiscentos e dez) dias-multa no valor unitário 1/30 do salário-mínimo vigente ao tempo do fato, conforme trecho que segue:
“(...)
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia para:
a) ABSOLVER os réus $[geral_informacao_generica] e $[geral_informacao_generica] das sanções do artigo 35 da Lei 11.343/06, fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal;
b) ABSOLVER o réu $[geral_informacao_generica] das sanções do artigo 33, da Lei 11.343/06, fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal;
c) CONDENAR o réu $[geral_informacao_generica] como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, e do artigo 12 da Lei 10.826/03, na forma do artigo 69 do Código Penal, a 06 (seis) anos de reclusão e 01 (um) ano de detenção, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 610 (seiscentos e dez) dias-multa no valor unitário 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
Custas processuais pelo réu $[geral_informacao_generica], com exigibilidade suspensa em razão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita que neste ato lhe defiro, nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil.
(...)”.
Da análise da dosimetria e suas fases verificadas na decisão monocrática, temos:
“(...)
Culpabilidade normal à espécie, nada tendo a se valorar negativamente. O réu não possui antecedentes criminais, conforme se depreende da fl. 290. Nada veio a desabonar a sua conduta social e não há nos autos elementos que permitam aferir a sua personalidade. Os motivos que ensejaram a prática do delito são próprios do tipo, ou seja, a obtenção do lucro fácil. As circunstâncias demonstram intensa movimentação de entorpecentes pelo réu, sobretudo considerando a expressiva quantia em dinheiro apreendida em sua residência, correspondente a R$ $[geral_informacao_generica]. As consequências não extrapolam a previsão típica. Quanto ao comportamento da vítima, entendendo a sociedade como vítima do delito, esta não contribuiu para sua ocorrência. Além disso, atenta ao disposto no artigo 42, da Lei 11.343/06, pesa em desfavor do réu a quantidade e a qualidade da droga apreendida (apreensão de 177,1 g de cocaína), justificando a fixação da pena-base em 06 (seis) anos de reclusão.
Não havendo causas agravantes ou atenuantes a serem reconhecidas, fica a pena PROVISÓRIA no patamar fixado, a qual torno DEFINITIVA em 06 (seis) anos de reclusão, por não haver incidência de causas de aumento ou diminuição da pena.
Outrossim, condeno o réu ao pagamento de 600 (seiscentos) dias-multa, atendendo às circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, no valor unitário mínimo de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
(...)”.
Do trecho acima, podemos concluir que o caso concreto em nada fugiu ao que o tipo penal traz como usual, vindo a considerar com base nos escassos elementos coletados, em nítida suposição que estaria demonstrada intensa movimentação de entorpecentes pelo réu. O que não passa claramente de ilações resultantes de uma operação de meses (segundo os policiais) que teve como resultado a apreensão de cerca de R$ $[geral_informacao_generica] e cerca de 177 (cento e setenta e sete) gramas, como se estivéssemos diante de uma apreensão gigantesca, o que sabidamente não é nem de longe é considerado como quantidade expressiva de entorpecentes.
Diante das características do caso concreto, da inexistência de circunstâncias que pudessem afastar a concessão da redução da pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Por fim, consequentemente a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos seria alcançada ao Réu, a minorante foi requerida pela defesa, ainda, que de forma subsidiária, no entanto não foi reconhecida pela sentença proferida em primeiro grau.
O julgador entendeu por não conceder o instituto do tráfico privilegiado, nos seguintes termos:
“(...)
Relativamente à quantidade apreendida, cumpre salientar que foram encontradas em porções distintas, uma bucha em flagrante venda, três buchas no carro do acusado e demais quantias identicamente embaladas e escondidas na casa do acusado Dionatas, tudo a confirmar seu envolvimento com aquisição de drogas e o respectivo fracionamento para a venda.
Já quanto ao pretenso reconhecimento da minorante prevista pelo §4º, do artigo 33, Lei 11.343/06, entendo que o acusado não preenche os requisitos exigidos pelo referido dispositivo.
Em que pese o réu seja primário e não ostente maus antecedentes, restou comprovado o amplo envolvimento de Dionatas com o tráfico de entorpecentes, com apreensão de significativa quantidade de droga e expressiva quantia em dinheiro, tudo a revelar a intensidade da mercancia por ele praticada e seu vínculo profundo com tal atividade delituosa, não se tratando de mero traficante eventual, abarcado pela minorante trazida pelo tipo penal.
(...)”.
Inexiste no caso concreto elementos capazes de atestar de forma inquestionável que ao Réu não fosse permitido o reconhecimento do privilégio legalmente previsto, mesmo diante do reconhecimento por parte do togado da primariedade absoluta do acusado, da ausência de maus antecedentes, se valendo para negar a minorante tão somente de numa suposta apreensão de significativa quantidade de droga e expressiva quantia de dinheiro, o que é excessivamente considerado pelo julgador, acarretando uma valoração excessivamente negativa para fatos entendidos pela Jurisprudência como corriqueiros e inerentes ao tipo penal em julgamento.
Diante da sentença proferida o Acusado recorreu, vindo a ser conhecido o Recurso de Apelação n. $[geral_informacao_generica] (Nº CNJ: $[geral_informacao_generica]) pela Segunda Câmara Criminal, desse Egrégio Tribunal de Justiça, cujo Acórdão manteve a condenação nos termos da decisão recorrida, conforme acórdão que segue:
APELAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. POSSE DE MUNIÇÃO. RECURSO DEFENSIVO E MINISTERIAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS COERENTES. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO E DO QUANTO DE PENA. A prova contida no feito autoriza a manutenção da condenação do réu por tráfico de drogas e posse ilegal de munição de uso permitido. Autoria e materialidade comprovadas. O depoimento, dos policiais, uníssonos e harmônicos, bem como os demais elementos de prova, são suficientes a possibilitar a manutenção da condenação. Após realização de investigação, que culminou na expedição de mandado de busca e apreensão à residência do réu, foram encontradas diversas porções de cocaína, pesando aproximadamente 100g, 60g, 15,1g e 2,1g cada; a quantia de R$ $[geral_informacao_generica] em espécie; e comprovantes de depósito bancário nas quantias de R$ $[geral_informacao_generica] e R$ $[geral_informacao_generica]. Além disso, foram apreendidos uma balança de precisão, um caderno contendo anotações diversas. Na casa de seu avô foram encontradas, ainda, 14 munições calibre .22 intactas, evidenciando a participação do apelante com os ilícitos em liça. Desnecessário o flagrante no ato do comércio de drogas, pois o art. 33, da Lei nº 11.343/06, apresenta diversas condutas que caracterizam o crime de tráfico de entorpecentes. Posse de munição é crime de perigo abstrato e de mera conduta. Mantida a condenação. Mantido o apenamento fixado, pois adequado, diante da quantidade de entorpecente apreendido, sem olvidar as informações colhidas ao longo da instrução, que demonstram a dedicação do réu com o ilícito. No entanto, inexistem elementos suficientes a comprovar o ânimo associativo dos réus, uma vez que não restou demonstrada a vinculação subjetiva dos indivíduos e a estabilidade capazes de indicarem a existência de entidade criminosa. Da mesma forma, inexistem elementos probatórios a indicar a participação do acusado M.A.B.L no comércio ilegal de drogas, sendo inviável a realização de conjecturas sobre a presença deste réu no local do fato, razão pela qual a manutenção da absolvição é medida que se impõe. Sobre o interesse de apelar em liberdade, esclareço que o réu foi mantido segregado quando da prolação da sentença, não havendo motivos para, agora, mantida sua condenação, ser concedida a substituição da segregação cautelar por medida diversa. Lembro ainda, o entendimento firmado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, no qual se admitiu a possibilidade de execução provisória de pena depois de proferido acórdão condenatório em segunda instância. NEGARAM PROVIMENTO AOS APELOS. (Apelação-Crime, Nº 70073526899, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em: 13-07-2017)
Dessarte, certamente houve error in judicando. Há notória inadequação da pena base, sob fundamentos mínimos, o que acarretou uma pena definitiva diversa da reprimenda que deveria ser aplicada ao Acusado, considerando as condições do agente, as circunstâncias e características do delito, aplicação da minorante indevidamente afastada, tornando a condenação, verdadeiro reflexo do excesso na severidade da reprimenda, consequentemente perpetrando excesso na extensão de seus efeitos.
O regime inicial do cumprimento da pena foi o semiaberto, somente em decorrência da aplicação do art. 33, § 2º, b, o que em nada modificou a realidade fática, pois, o Requerente desde a prisão em flagrante, convertida em preventiva, até a obtenção de inclusão no grupo autorizado a utilização de monitoramento através do uso de tornozeleira eletrônica, foi submetido ao regime fechado, sem qualquer diferenciação, resultando a não aplicação do que veio a ser definido no mérito pela aplicação do dispositivo retro. Segue trecho contendo definição do regime do apenamento inicial imposto na sentença condenatória:
“(...)
A pena será cumprida no Presídio Regional de $[geral_informacao_generica] em que já se encontra o réu, devendo ser cumprida inicialmente a pena mais grave – reclusão – e depois a menos grave – detenção – em regime inicial semiaberto (relativamente ao tráfico de entorpecentes), tendo em vista o disposto no artigo 33, §2º, alínea b, do Código Penal.
(...).”
Ocorre que veio a ser preso em $[geral_data_generica], e permaneceu em regime fechado sem qualquer benefício ou direito diverso daqueles condenados a este regime mais gravoso, ainda que no mérito a condenação tenha estipulado o regime inicial em semiaberto, até ter sido autorizado pelo Juízo das Execuções Penais sua inclusão no regime harmonizado com tornozeleira eletrônica somente em $[geral_data_generica]. Logo, em que pese a definição de regime de cumprimento inicial da pena como semiaberto, somente depois de um ano e pouco mais de três meses, em regime fechado, foi incluso no monitoramento por tornozeleira eletrônica, o que permitiu o cumprimento no regime disposto pela decisão condenatória.
2 - NO MÉRITO
2.1- DO CABIMENTO FACE A CONTRARIEDADE À JURISPRUDÊNCIA ATUAL
Cabe destacar, que a revisão Criminal deve ser igualmente aceita para decisões que contrariem jurisprudência atual, conforme destaca a doutrina especializada: "a aplicação da jurisprudência mais favorável, nas mesmas hipóteses da incidência da lex mitior, inclui-se na limitação do ius puniendi pois, ao jurisdicionado, não se pode retirar a confiança de que receberá dos magistrados uma igualdade de tratamento diante da mesma situação fática. Proibir a retroatividade da jurisprudência, como afirmou Hassemer, suporia a paralisação de sua função de recriação da lei, observando-se ‘situações em que a comunidade jurídica tem um conhecimento maior do conteúdo da jurisprudência penal que da lei penal, confiando em sua aplicação’". (GIACOMOLLI, Nereu. A Irretroatividade da Lei n 11.464/07: requisitos temporais à progressão de regime nos "crimes hediondos". Disponível no site: www.giacomolli.com)
Dessa forma, considerando a manifesta contrariedade da decisão condenatória à jurisprudência atual, tem-se por inquestionável o necessário recebimento e provimento da presente revisão.
Assim como a lei deve dar tratamento mais benéfico aos casos que foram julgados em momento diferente e sob os efeitos mais severos decorrentes de norma vigente à época, a justiça será alcançada da mesma forma, quando por conta da interpretação utilizada em decisão condenatória transitada em julgado, posteriormente, verificarmos mudança no entendimento da jurisprudência consolidada capaz de torná-la, ainda que pretérita, contrária ao novo posicionamento da jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, de forma a autorizar seja judicialmente dado o tratamento menos gravoso ou mais benéfico ao indivíduo que por ventura tenha sofrido com a segregação imposta anteriormente de forma a lhe privar de sua liberdade desnecessariamente, ou indevidamente sob a nova ótica.
Nesse sentido apontamos como passível de revisão a decisão objeto do presente procedimento, em decorrência do afastamento da minorante considerando a quantidade de drogas apreendidas como suficiente para seu fundamento, quantidade de entorpecentes muito aquém do que temos como significativa para nossa jurisprudência demonstrando rigor excessivo, desconsideração das condições do acusado primário, com bons antecedentes e considerando circunstâncias comuns ao tipo penal, mas o que nos salta aos olhos é o fato de que se valeu da interpretação quanto a quantidade da droga (ao nosso ver nada expressiva) para modular a pena base muito acima dos parâmetros utilizados pela jurisprudência, vindo a afastar a minorante do privilégio legal com base numa suposta intensa mercancia fundamentada na quantidade de droga apreendida, o que é ilegal.
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:
REVISÃO CRIMINAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 621, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL MAIS BENIGNO E ATUAL. CABIMENTO. PRECEDENTE. ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL - CP. PRECEITO SECUNDÁRIO. INCONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DA PENA PREVISTA PARA O TRÁFICO DE DROGAS. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. POSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. MANUTENÇÃO DA PENA IMPOSTA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. RESTABELECIMENTO. REVISÃO CRIMINAL JULGADA PROCEDENTE.
1. Cabível o manejo da revisão criminal fundada no art. 621, I, do CPP em situações nas quais se pleiteia a adoção de novo entendimento jurisprudencial mais benigno, desde que a mudança jurisprudencial corresponda a um novo entendimento pacífico e relevante. Precedente.
2. Declarada a inconstitucionalidade do preceito secundário previsto no art. 273, § 1º-B, do Código Penal pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade no Habeas Corpus n. 239.363/PR, as Turmas que compõem a 3ª Seção deste Sodalício passaram a determinar a aplicação da pena prevista no crime de contrabando ou no crime de tráfico de drogas, do art. 33 da Lei de Drogas.
3. A partir da solução da quaestio, verifica-se oscilação na jurisprudência desta Corte quanto à possibilidade de aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06. Destarte, a maioria dos julgadores desta Seção passou a adotar a orientação de aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 nos crimes previstos no art. 273, § 1º-B, do CP.
4. Assim, embora não tenha havido necessariamente alteração jurisprudencial, e sim mudança de direcionamento, ainda que não pacífica, a respeito do tema, a interpretação que deve ser dada ao artigo 621, I, do CPP é aquela de acolhimento da revisão criminal para fins de aplicação de entendimento desta Corte mais benigno e atual aos recorrentes, mormente quando a maioria dos julgadores desta Terceira Seção se posicionam no sentido da pretensão recursal.
5. No caso, assentado pelo Tribunal de origem que os recorrentes são primários, possuem bons antecedentes e, inexistindo provas de que integrem organização criminosa ou mesmo dedicação à atividade delitiva, deve ser mantida a aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, na fração adotada pelas instâncias ordinárias - 1/2, restando totalizadas as reprimendas em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime aberto. As penas privativas de liberdade permanecem substituídas por 02 (duas) restritivas de direitos como determinado pelo Tribunal a quo.
6. Revisão criminal procedente. (RvCr 5.627/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/10/2021, DJe 22/10/2021)
2.2- DA PENA-BASE – EXACERBAÇÃO INDEVIDA E AFASTAMENTO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA (ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06 ) - GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO – FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA
No tocante ao estabelecimento da pena-base, fixada na decisão recorrida, certamente houve indevida agravação.
Bem sabemos que a individualização da pena obedece ao sistema trifásico. Nesse enfoque, o inaugural cumprimento da pena deve ser apurado à luz do que rege o art. 33, § 3º, do Estatuto Repressivo, a qual remete aos ditames do art. 59 do mesmo diploma legal.
Em que pese a orientação fixada pela norma penal supra este Tribunal pecou ao apegar-se à gravidade abstrata do delito. Com efeito confirmou, a sentença monocrática condenatória, mantendo a exasperação da pena-base, em mais de 1/6, com base na apreensão de tão somente 170 (cento e setenta gramas) de cocaína, ainda que presentes todos os demais elementos favoráveis ao Acusado, primário, jamais processado anteriormente, alvo única e exclusivamente da investigação que lhe impôs a condenação em análise, não integrando qualquer tipo de organização criminosa ou associação para prática de crimes. Mesmo diante de tais circunstâncias, exasperou-se a pena-base, a qual teve aumento de (01) um ano sobre o mínimo legal de 05 (cinco) anos, sem mencionar o afastamento da minorante com base no mesmo fundamento.
Nesse ponto específico, extraímos da decisão em liça passagem que denota claramente o desmotivado aumento da pena-base:
“Culpabilidade normal à espécie, nada tendo a se valorar negativamente. O réu não possui antecedentes criminais, conforme se depreende da fl. 290. Nada veio a desabonar a sua conduta social e não há nos autos elementos que permitam aferir a sua personalidade. Os motivos que ensejaram a prática do delito são próprios do tipo, ou seja, a obtenção do lucro fácil. As circunstâncias demonstram intensa movimentação de entorpecentes pelo réu, sobretudo considerando a expressiva quantia em dinheiro apreendida em sua residência, correspondente a R$18.000,00. As consequências não extrapolam a previsão típica. Quanto ao comportamento da vítima, entendendo a sociedade como vítima do delito, esta não contribuiu para sua ocorrência. Além disso, atenta ao disposto no artigo 42, da Lei 11.343/06, pesa em desfavor do réu a quantidade e a qualidade da droga apreendida (apreensão de 177,1 g de cocaína), justificando a fixação da pena-base em 06 (seis) anos de reclusão.”
Como se percebe, o acórdão destacou que a manutenção do apenamento fixado, foi adequado, diante da quantidade de entorpecente apreendido, sem olvidar as informações colhidas ao longo da instrução, que demonstram a dedicação do réu com o ilícito. Se valendo de elementos comuns ao delito imputado ao Acusado, descrito na denúncia, acolhida pelo julgador resultando na condenação imposta, ou seja, a penalização foi aplicada ao indivíduo, porém, presentes somente elementos que impuseram agravaram ou aumentaram os parâmetros da sentença proferida.
É consabido que o magistrado deve, ao individualizar a pena, observar a mínima fundamentação para registrar a exacerbação da pena-base. Não foi o caso, uma vez que não há como aceitar que a quantidade de droga apreendida possa afastar um tratamento mais brando, especialmente com vistas a impedir que aquele indivíduo não envolvido em organizações criminosas, jamais processado antes, venha a mergulhar no mundo do crime, não o contrário como ocorreu no caso em análise.
Na hipótese em estudo, o magistrado de piso, acompanhado pela Egrégia Câmara Criminal, considerou a culpabilidade normal, não verificando a existência de antecedentes, nada desabonando a conduta social, nenhuma consideração sobre a personalidade do agente, motivos comuns ao tipo penal, circunstâncias supostamente demonstrando uma atividade intensa, tão somente com base nos valores encontrados com o suspeito, consequências não extrapolando a previsão típica, conduta em desfavor por atuar contra a sociedade, e a quantidade e qualidade da droga apreendida (170 gramas de cocaína) forte no art. 42 da Lei 11.343/06.
Não bastasse tal incorreção a decisão optou pela utilização da apreensão de dinheiro no local, para agravar a reprimenda, sob a justificativa de que seria prova da dedicação intensa à prática delituosa imputada ao agente, quando na verdade é sabido e reconhecido pela jurisprudência que “a apreensão de drogas e dinheiro em local conhecido como ponto de tráfico é elemento inerente ao próprio tipo penal (AgRg no HC n. 577.528/RS), não podendo ser considerada como demonstração de exercício de traficância habitual.”(AgRg no HC 664.882/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021)
A fundamentação, pois, é mínima e escassa, merecendo o necessário reparo, pois, o Pleno do STF, ao julgar os HCs 112.776 e 109.193, ambos da relatoria do Min. Teori Zavascki, firmou orientação no sentido de que, em caso de condenação por tráfico ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da droga apreendida apenas podem ser levadas em consideração em uma das fases da dosimetria da pena, sendo vedada sua apreciação cumulativa.
Conforme assentado na doutrina: a habitualidade e o pertencimento à organizações criminosas deverão ser comprovados, não valendo a simples presunção. Não havendo prova nesse sentido, o condenado fará jus à redução de pena (QUEIROZ, Paulo; LOPES, Marcus. Comentários à Lei de Drogas. 2016. p. 50).
Assim, a quantidade e natureza da droga são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na modulação da causa de diminuição de pena, por si sós, não são aptas a comprovar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação à atividade criminosa, devendo o juízo condenatório obter outros elementos hábeis a embasar tal afirmativa.
Embora seja possível utilizar-se a quantidade de drogas para a fixação da pena, nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, a apreensão de quantidade não expressiva de drogas, como no caso, não justifica a exasperação da pena-base, a modulação da minorante do tráfico privilegiado, o agravamento do regime prisional ou a negativa à substituição das penas, razão pela qual deve ser redimensionada a reprimenda.
Nesse norte segue precedente do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. ACÓRDÃO IMPUGNADO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. CONCESSÃO DO WRIT LIMINARMENTE. POSSIBILIDADE. ART. 34, VIII E XX, DO RISTJ. HC SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. MANIFESTA ILEGALIDADE. CONHECIMENTO DE OFÍCIO. COMPETÊNCIA DO STJ. AUSÊNCIA DE VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO E DE INFORMAÇÕES DA AUTORIDADE COATORA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA. QUANTIDADE NÃO RELEVANTE DE DROGAS (23 GRAMAS DE CRACK). FUNDAMENTO INIDÔNEO. ILEGALIDADE, OCORRÊNCIA. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Não obstante haja divergência entre a 5ª e a 6ª Turmas sobre a adequação do habeas corpus quando utilizado em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, nada impede que, de ofício, constate a Corte Superior a existência de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.
2. Nos termos do arts. 34 do RISTJ, é atribuição do relator decidir liminarmente a pretensão contrária a tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, a jurisprudência dominante acerca do tema.
3. As normas que prevêem a abertura de vista ao Parquet não obstam que o relator, em observância do princípio da celeridade processual, julgue liminarmente quando o acórdão impugnado for manifestamente contrário à jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
4. Não há ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista a possibilidade de submissão do julgado a exame do órgão colegiado, mediante a interposição de agravo regimental, após a devida intimação do Parquet.
5. O pedido de informações é mera faculdade do relator do habeas corpus, conforme o disposto no art. 662 do CPP.
6. Conforme a pacífica jurisprudência desta Corte Superior, embora seja possível utilizar-se a quantidade e a natureza das drogas para a fixação da pena, nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, a apreensão de quantidade não expressiva de drogas não justifica a exasperação da pena-base, a modulação da minorante do tráfico privilegiado, o agravamento do regime prisional ou a negativa à substituição das penas.
7. A apreensão de 26,5 gramas de crack, sem a indicação de elementos adicionais, não justifica a exasperação da pena-base e a fixação da minorante em fração diversa de 2/3, motivo pelo qual deve ser redimensionada a pena do paciente.
8. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 622.778/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 07/12/2020, DJe 10/12/2020)
A garantia de fundamentação da pena, por ensejar a consideração do fato concretamente praticado por indivíduo único, porque revestido de singularidades próprias e intransferíveis, atua como importante fonte de legitimação do direito penal, uma vez que propicia a conciliação de dois extremos: a igualdade sobre a qual está assentado o direito penal moderno e a diferença, que está presente na natureza, nas sociedades humanas e em todas as pessoas.
Com efeito, a fundamentação das decisões judiciais (art. 93, inciso IX, da CF) é hoje garantia do indivíduo, reconhecida pela Carta Magna, como resultado de uma evolução social e legal, não podendo ser tratada de forma superficial e simples, quando tem uma função reconhecidamente importante para toda sociedade.
Nesse sentido, o STJ já tem decido que:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. UTILIZAÇÃO DE ATOS INFRACIONAIS PARA EXASPERAR A PENA-BASE. DESCABIMENTO. EXCLUSÃO. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA (ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06). INAPLICABILIDADE. DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA UTILIZADA PARA AFASTAR A REDUTORA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO, ALIADA A OUTROS ELEMENTOS. REEXAME MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. REGIME INICIAL FECHADO COM BASE NA GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. ILEGALIDADE. REGIME SEMIABERTO. ADEQUADO. RÉU PRIMÁRIO. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. TODAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS (ART. 33, § 2º, B, CP). SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS. INAPLICABILIDADE. PENA SUPERIOR A 4 ANOS. AUSÊNCIA DE REQUISITOS DO ART. 44, INC. I, DO CÓDIGO PENAL. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - A via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena se não for necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório e se se tratar de flagrante ilegalidade. Vale dizer, o entendimento deste Tribunal firmou-se no sentido de que a "dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade" (HC n. 400.119/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 1º/8/2017).
III - Esta Corte é uníssona no sentido de que não podem ser sopesados na apuração de maus antecedentes para elevar a pena-base, tampouco para induzir a reincidência, atos infracionais anteriores na dosimetria da pena. Entretanto, este Tribunal tem evoluído, entendendo que os antecedentes infracionais podem indicar uma inclinação do agente a práticas delitivas, sendo inclusive, fundamento idôneo para manutenção da segregação cautelar.
IV - Na hipótese, o v. acórdão impugna fundamentou o afastamento do tráfico privilegiado, consubstanciada na conclusão de que a paciente dedicava-se a atividades criminosas (traficância), em razão da "[...] razoável quantidade de dois tipos de drogas apreendidas, assim como a nefasta natureza de uma delas (cocaína), além das circunstâncias da apreensão e da confissão de que fazia do tráfico seu meio de vida, a demonstrar o envolvimento não ocasional". Tudo isso, são elementos aptos a justificar o afastamento da redutora do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06. Rever o entendimento do eg. Tribunal de origem para fazer incidir a causa especial de diminuição, como reclama o impetrante, demandaria, necessariamente, amplo revolvimento da matéria fático-probatória, procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do mandamus.
V - O Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.
VI - A jurisprudência do col. Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que: "a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada" (Súmula n. 718/STF), e que: "a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea" (Súmula n.719/STF)". "Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito" (Súmula n. 440/STJ).
VII - Sendo o réu primária, fixada a pena-base no mínimo legal e considerada como favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, o regime inicial semiaberto mostra-se mais adequado …