Petição
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DO $[processo_vara] JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE $[processo_comarca] - $[processo_uf]
$[parte_autor_qualificacao_completa], por intermédio de seus advogados infra-assinados munidos de instrumento procuratório anexo, vem respeitosamente aos auspícios de Vossa Excelência, interpor a presente
AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS
que move contra $[parte_reu_qualificacao_completa], pelos motivos fáticos e jurídicos a seguir apresentados.
I – DOS FATOS
A requerente realizou uma viagem internacional saindo de Lisboa/Portugal com destino a Goiânia/GO em 03 de agosto de 2022.
Ocorre que a viajem foi objeto de intenso sofrimento como inicialmente ilustra-se pelo teor do Boletim de Ocorrência registrado:
“ Comparece a esta delegacia de polícia a vítima $[parte_autor_nome_completo] relatando que, saiu de Lisboa com destino a Goiânia/GO, fazendo conexão em Recife/GO e Palmas/TO, chegando em Recife percebeu que a sua mala foi extraviada, onde foi informada que pegaria a mal em Goiânia, ao chegar em Goiânia percebeu novamente que a sua mala não tinha chegado, novamente foi informada que deveria aguarda a chegada de sua mala, onde ocorreu 02 dois dias após a chegada em Goiânia, no dia 05/08/2022 recebeu a sua mala, onde percebeu que a mesma foi rompida o lacre, ao abrir percebeu que estava faltando 03 (três) fones de ouvido Gamer, 02 (dois) aparelhos telefônicos um de marca Samsung e o outro de marca Xiaomi e 01 (uma) caixa de som da marca JBL. Nada mais dito.”
A empresa ré não prestou qualquer informação a requerente lesada, ou sequer depreendeu esforços para localização de sua bagagem, limitando-se a obriga-lo a prestar declarações e a preencher documentos.
Com efeito, até a presente data a empresa Ré não prestou devidos esclarecimentos sobre as bagagens da requerente, bem como não cumpriu o dever de ressarcir a passageiro por suas perdas.
As perdas suportadas pela passageira são deveras e assaz vultosas.
Como fazem prova os bilhetes de passagens aéreas e todos os recibos de compras que ora se anexa aos autos, o prejuízo material mínimo suportado pelo requerente, apenas com as compras efetuadas e extraviadas definitivamente pela empresa Ré, assoma a vultosa monta de pelo menos R$ 10.131,33 (dez mil, cento e trinta e um reais e trinta e três centavos), da forma abaixo descriminada:
Ademais, a partir das compras efetuadas pelo requerente, é perfeitamente dedutível e factível inferir que seus pertences pessoais e objetos de uso pessoal possuíam expressivo valor, de forma que o extravio de sua bagagem acarretou elevado prejuízo material, impondo-se seu ressarcimento.
Mister ainda observar, Douto Magistrado que a conduta ilícita da ré gerou ainda sério prejuízo moral ao passageiro. A requerente planejou esta viagem internacional com cerca de 01 (um) ano de antecedência, planejou realizar compras de itens de qualidade e marca reputáveis e para tanto preparou-se financeiramente.
Entretanto, por culpa exclusiva da empresa ré, suas férias transformaram-se em total frustração, abalo, desconforto, desgosto e revolta que exorbitam à esfera de simples e meros aborrecimentos. Não apenas tudo quanto adquirido foi perdido, ao retornar à Goiânia, a requerente foi obrigado a adquirir tudo quanto extraviado pela empresa.
Ademais, além de toda a frustração pela perda de tudo quanto adquirido e levado consigo na viagem, a companhia ré impôs a requerente uma verdadeira peregrinação para tentar localizar e reaver seus pertences.
A desídia da companhia configura inconteste ato ilícito, gerador de danos materiais e morais in re ipsa, devendo receber o tratamento que impõe a lei ao determinar o seu integral ressarcimento.
Assim, frustradas as reiteradas tentativas de composição amigável, não resta outra alternativa aos requerentes senão socorrer-se ao Poder Judiciário para fazer cessar a lesão sobre seus direitos e patrimônio, bem como para verem-se ressarcidos pelos prejuízos materiais e morais decorrentes da conduta negligente e ilícita da ré.
Destarte, requer-se que seja a companhia ré condenada (i) ao pagamento dos danos materiais suportados com o extravio definitivo das compras adquiridas na viagem; (ii) ao pagamento dos danos materiais suportados com a perda de finitiva de todo conteúdo descrito, em montante a ser determinado por arbitramento por este MM. Juízo; (iii) em ressarcimento pelos patentes danos morais in re ipsa suportados pelo ora requerente, nos termos e com fulcro nos fundamentos jurídicos que passa a expor.
2. DIREITO
DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Para que não paire dúvida sobre a irregularidade cometida pela promovida, mister a inversão do ônus da prova, nos termos do inciso VIII do artigo 6° do CODECON, pois a relação jurídica havida entre as partes está sujeita à tutela do CDC, e, portanto, impõe-se a inversão do ônus da prova, devendo a promovida apresentar em juízo toda a documentação referente ao contrato firmado entre as partes, especificando de forma detalhada as alterações unilaterais e posteriores ocorridas, após a avença.
Consoante o melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante sobre o tema, a hipossuficiência deve ser aferida não em relação à vulnerabilidade econômica, mas em relação aos conhecimentos técnicos específicos da atividade do fornecedor. Traduz-se, portanto, na fragilidade do consumidor, seja do ponto de vista econômico ou cultural quanto ao conhecimento técnico relativo ao produto ou ao serviço, que o situa em posição desigual ou desvantajosa em relação ao fornecedor, detentor do monopólio de informações acerca dos componentes e características do seu produto ou serviço, que o situa em posição desigual ou desvantajosa em relação ao fornecedor, detentor do monopólio de informações acerca dos componentes e características do seu produto ou serviço, e ao qual, diante de tal vantagem, se mostra fácil ou menos difícil à produção da prova.
Desta forma, requer desde já que Vossa Excelência se digne em determinar, no mandado de citação, a inversão do ônus da prova, por ser medida necessária e para que se faça justiça.
DA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA AEREA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Da Responsabilidade Objetiva da Empresa Aérea
O Professor Fernando Noronha conceitua responsabilidade objetiva como "a obrigação de reparar determinados danos causados a outrem, independentemente de qualquer atuação dolosa ou culposa do responsável, mas que tenham acontecido durante atividades realizadas no interesse ou sob o controle da pessoa responsável".
Do conceito apresentado inferem-se três requisitos básicos para que se configure a responsabilidade objetiva: 1) o fato; 2) o dano; 3) o nexo de causalidade. O fato na hipótese levantada é a devolução do valor pago ou o crédito para outra viagem e o dano configura-se desconforto em ter que esperar, sem obter qualquer assistência e/ou informação por parte da requerida. Quanto ao nexo de causalidade, diz a teoria da causalidade adequada que, um fato é causa de um dano quando este seja consequência normalmente previsível daquele.
"E para sabermos se ele (o dano) deve ser considerado consequência normalmente previsível, devemo-nos colocar no momento anterior àquele em que o fato aconteceu e tentar prognosticar, de acordo com as regras da experiência comum, se era possível antever que o dano viesse a ocorrer. Quando a resposta for afirmativa, teremos um dano indenizável".
Ora, é sabido da desordem que muitas vezes povoa nossos aeroportos, tanto que os jornais têm noticiado diariamente o caos nos aeroportos brasileiros. Assim sendo, no momento anterior ao fato era possível prever-se a ocorrência do dano, não tendo sido tomada nenhuma providência para que tal não ocorresse.
Conclui-se, portanto que, presentes os requisitos configuradores da CULPA OBJETIVA, quais sejam o fato, o dano e o nexo de causalidade, estamos diante de um dano indenizável.
A atividade descrita, evidentemente, caracteriza-se por uma prestação de serviço prevista no Código de Defesa do Consumidor. De um lado, temos o fornecedor $[parte_reu_razao_social] – (empresa aérea prestadora do serviço de transporte) e, do outro lado, a consumidora figurando como passageira lesada.
A atividade exercida pela empresa aérea é fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração (art. 3º, do CDC), caracterizando-se, assim, como prestação de serviço.
Assinale-se, por oportuno, que os danos suportados pela requerente, mormente, os decorrentes do não reembolso de passagem aérea são de responsabilidade da empresa promovida.
A responsabilidade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica pré-existente com a consequente imposição ao causador do dano ou de alguém que ele dependa, o dever de indenizar a vítima. Dessa forma, se toda responsabilidade pressupõe a violação de uma norma jurídica pré-existente, a depender da norma violada, a responsabilidade poderá ser: penal, administrativo, tributário, civil, etc.
Com efeito, em virtude da má prestação de serviços por parte da empresa ré, que não garantiu efetiva prestação pactuada a seus passageiros, já que o promovente, conforme documentos em anexos, mesmos sem utilizar a passagem teve que suportar as despesas extras advindas da irresponsabilidade da promovida.
O art. 14 do CDC e o art. 927 do Código Civil são enfáticos em estabelecer a responsabilidade do fornecedor de serviços pela má prestação dos serviços, senão vejamos:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Aquele contratou a prestação de um serviço desta; ela se beneficiou, através de remuneração, da contratação; é dela que o ressarcimento deve ser exigido.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Visto o problema da antinomia das normas, parte-se agora para a responsabilidade civil no âmbito do Código de Defesa do Consumidor. Citando mais uma vez os mestres Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim:
"O Código de Proteção e Defesa do Consumidor regulamenta a responsabilidade por serviços fundamentalmente em dois dispositivos: no art.14, trata da responsabilidade civil pelo fato do serviço; no art. 20, trata da responsabilidade civil pelo vício do serviço".
"É mister, pois, que tenha havido evento danoso, decorrente de defeito no serviço prestado, para que se possa falar em responsabilização nos moldes do art. 14. Ou, então, que o evento danoso tenha decorrido de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, o que se pode chamar de defeito de informação" (Op. Cit. Pág. 138).
Deve-se agora tratar, haja vista que a lei aplicável ao caso é o Código de Defesa do Consumidor, da espécie de responsabilidade civil do transportador, qual seja, a responsabilidade objetiva.
Da Responsabilidade Civil por Extravio Definitivo de Bagagem
Inicialmente, deve-se ressaltar que a relação travada entre as partes se trata de típica relação de consumo, enquadrando-se a empresa aérea no conceito de fornecedora, na modalidade de prestadora de serviço, e os requerentes no de consumidores. Tem-se que o contrato firmado entre as partes se traduz em uma relação de consumo, impondo-se a aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor, afastando a observância da Convenção de Varsóvia absorvida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica.
Tem-se que, enquanto a Convenção limita a responsabilidade do transportador em caso de dano, a Constituição Federal e o Código do Consumidor garantem a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais.
O Código do Consumidor, em seu artigo 51, inciso I determina que:
"São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;".
Neste sentido ensina o Professor Dr. Alberto do Amaral Jr., da USP: "São nulas, nos contratos de transporte de carga, as cláusulas limitativas de responsabilidade do transportador referentes à perda ou avaria da coisa transportada. O mesmo raciocínio aplica-se ao transporte de pessoas em que certa cláusula estabeleça a quantia a ser paga desde que sobrevenha o dano." (A Invalidade das cláusulas limitativas de responsabilidade nos contratos de transporte aéreo. In Ajuris. Março de 1998, Edição Especial, pág. 445).
Diante de tal antinomia, pode-se dizer claramente e com toda a certeza que em conflito entre a Convenção de Varsóvia e o Código de Defesa do Consumidor, prevalece este último, deixa livre o pedido de reparação de dano, proibindo expressamente as cláusulas que atenuem a responsabilidade do fornecedor de serviços.
E este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL. TRANSPORTE AÉREO DE MERCADORIAS. EXTRAVIO OU PERDA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a responsabilidade civil do transportador aéreo pelo extravio de bagagem ou de carga rege-se pelo Código de Defesa do Consumidor, se o evento se deu em sua vigência, afastando-se a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia. Agravo improvido (AgRg no Ag/MG, rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 4-9-2008).
"RESPONSABILIDADE CIVIL. OVERBOOKING. INDENIZAÇÃO TARIFADA. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. INAPLICABILIDADE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VIGÊNCIA. I - Consoante reiterados julgados das turmas que integram a Segunda Seção, a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia não é de observância obrigatória para fatos ocorridos após a edição do Código de Defesa do Consumidor, podendo ser considerada como mero parâmetro. II - Razoabilidade do valor fixado pelo acórdão recorrido. Agravo improvido. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 588.172-RJ, Rel. Min. Castro Filho, DJU 14/02/05).
Outrossim, averígua-se ser objetiva a responsabilidade civil da empresa de transporte aéreo, respondendo pelo evento danoso, independentemente de culpa, pois se enquadra no conceito de fornecedora e pode ser responsabilizada por eventuais defeitos na prestação do serviço, seja porque o serviço não funcionou, funcionou mal, ou, ainda, tardiamente.
No caso em apreço, é fato incontroverso o extravio da bagagem da autora de competência da requerida. Nesses casos, a responsabilidade civil, configura-se tão somente com a demonstração do nexo causal entre as atividades desenvolvidas pelo fornecedor e o dano produzido.
Nesse sentido:
INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. PLEITOS ACOLHIDOS. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. MARCO INICIAL. POSTULAÇÃO APELATÓRIA EM PARTE ACOLHIDA.I Comprovado satisfatoriamente, pelos autores, o arrombamento e o furto de pertences em voo internacional contratado com a empresa de transportes aéreos demandada, através do correspondente formulário de reclamações, com as especificações de praxe, total é a responsabilidade desta pelos danos daí decorrentes. Não lhe é dado, para eximir-se do dever indenizatório, invocar o fato de ter o furto ocorrido em aeroporto de outro País, sobre cujos funcionários não tem ela qualquer ascendência, já que objetiva é a sua responsabilidade, vez que, pelo contrato de transporte celebrado, obrigou-se ela a deslocar os autores e suas bagagens, com segurança e sem danos, durante todo o percurso previsto (Ap. Civ. n. 2008.001390-8, de Lages, rel. Des. Trindade dos Santos, j. em 26-8-2008).
"Ocorrido o dano, cabe ao consumidor apenas apontar o nexo de causalidade entre ele (consumidor) e o dano, bem como o evento que ocasionou o dano, o produto ou o serviço que gerou o evento e, ainda, apontar na ação judicial o fabricante, o produtor, o construtor, o importador ou o prestador de …