Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ÚNICA VARA DA COMARCA$[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], $[parte_autor_rg], $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo], neste ato como curador especial de sua genitora (conforme decisão judicial acostada ao presente), a Sra. $[parte_autor_nome_completo] (84 anos), residente e domiciliada no $[parte_autor_endereco_completo], por intermédio de sua advogada (procuração anexa), vem, perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 37, § 6º, art. 35, do Decreto-lei 3.365/41 e nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Civil, propor:
AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA C/C PERDAS E DANOS
em face do $[parte_reu_razao_social], $[parte_reu_cnpj], pessoa jurídica de direito público, com sede $[parte_reu_endereco_completo] para ser intimado na pessoa de seu representante legal, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
1. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA
Inicialmente, o requerente afirma que não possui condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do sustento próprio, bem como o de sua família, razão pela qual faz jus ao benefício da gratuidade da justiça, nos termos da Lei 1.060/50 e arts. 98 e 99, do CPC.
2. DOS FATOS
A Sra.$[geral_informacao_generica] é legítima proprietária de um terreno rural, localizado no Sítio $[geral_informacao_generica], com área total de 9,9122 hectares, conforme memorial descritivo (planta do imóvel georreferenciada), com denominações na Escritura Pública lavrada em 17 de junho de 1980, no Cartório Férrer de 2º Ofício, às fls. 132v, Livro nº 04 – Comarca $[geral_informacao_generica]. A mesma é mãe de 06(seis) filhos, todos convivendo na propriedade da matriarca, sob regime de economia familiar.
Por estar diagnosticada com doença degenerativa, foi acordado judicialmente que seu filho $[geral_informacao_generica], passa a ser seu curador especial para tratar dos assuntos de interesses patrimoniais da mesma, razão pela qual se encontra no polo ativo da presente ação que visa defender direitos da propriedade rural de sua família.
Cumpre esclarecer que tal imóvel foi adquirido pela genitora do requerente e seu falecido esposo, sendo o referido terreno utilizado para a construção de moradias de seus filhos e netos, e utilizado como único meio de subsistência na agricultura familiar, através de plantio de arroz, feijão, milho, frutas, hortaliças e criação de pequenos animais.
Ocorre que em meados de dezembro de 2017, o Governo do Estado $[geral_informacao_generica], através do DER – Departamento Estadual de Rodovias, iniciou obra de terraplanagem e pavimentação – construção da $[geral_informacao_generica], que liga o Município de $[geral_informacao_generica] a Aurora, sentido Distrito $[geral_informacao_generica] com extensão de 9,60 km, obra esta realizada pela empresa $[geral_informacao_generica].
Nesse procedimento de reformulação da antiga estrada de terra nas proximidades da propriedade do requerente, houve verdadeira invasão no terreno de sua família. A nova via pavimentada acabou por “se desviar da rota carroçável”, adentrando no terreno da família do requerente em toda sua extensão dos 270 metros de comprimento (lado direito, sentido Iborepi), conforme se verificará nas fotografias anexadas ao presente. Ressalta-se que não houve comunicação prévia e tampouco autorização da família, muito menos ainda pagamento indenizatório pelos danos causados à família.
Salienta-se, excelência, que a empresa $[geral_informacao_generica] foi a responsável pela realização da obra que asfaltou a estrada de terra que liga o Distrito de $[geral_informacao_generica] ao $[geral_informacao_generica]. Frisa-se que o requerente solicitou aos executores da obra, apresentação de documentos (parecer técnico) do projeto que demonstrasse a viabilidade e condições de realização do referido asfalto, bem como indagou sobre os prejuízos causados a sua família, porém os “encarregados” de forma desrespeitosa simplesmente falaram para a família que “os mesmos não receberiam nada!”.
Contudo, vossa excelência poderá verificar a seguir, que “não receber nada”, não é a melhor resposta a ser dada para legítimos proprietários que se veem obrigados a suportar prejuízos que não deram causa, sobretudo pela discrepância existente na imposição da vontade estatal face aos direitos da família de agricultores, que por sua simplicidade e vulnerabilidade, foram subjugados durante toda a obra por aqueles que deveriam ter o bom senso, no mínimo, de se portar com ética e respeito perante aquela família.
Pois bem. Como é sabido, para a realização de uma obra de tamanha proporção é necessário um estudo prévio do terreno; deve ter ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, documento legal que identifica o responsável técnico pela obra, além da garantia da estabilidade da construção, algo que parece ter sido ignorado pelos executores da obra, pelas diversas falhas decorrentes do mal planejamento.
Na rodovia, fora construída uma ponte, que teve início com um alto aterramento com concreto, inclusive, sem a devida drenagem com manilhas. O escoamento superficial da água não foi previsto durante a execução da via de tráfego, o que tem acarretado sérios prejuízos à família do requerente, pois com a incidência de chuvas e o desnível do riacho provocado pela construção da ponte, o pequeno terreno destinado ao plantio de alimentos para a família foi alagado, e como é visível a qualquer leigo, continuará tendo alagamentos e inundações. A família sofreu grande prejuízo no período de chuvas, com perda total do plantio de arroz nos dois últimos invernos, além de não poderem utilizar a área do terreno destinada ao plantio.
A antiga estrada carroçável obedecia ao distanciamento adequado da propriedade do requerente, contudo, após a realização do asfalto, a estrada ficou completamente dentro do imóvel do requerente, cuja casa do requerente ficou rente à via, praticamente servindo de acostamento, sem sinalização adequada, sem nenhuma segurança. Frise-se, a empresa construtora ao seu bel-prazer, fez um desvio na estrada antiga, deixando-a inutilizada, e fazendo “uma nova” pavimentada, dentro da pequena propriedade da família do requerido.
Inobstante os prejuízos suportados pelo requerente em virtude das alterações efetuadas pelo Governo do Ceará, não lhe coube nenhuma indenização, de modo que vem recorrer à tutela jurisdicional do Estado como forma de alcançar o devido ressarcimento, conforme se verificará a seguir.
2.1 DOS DANOS CAUSADOS
2.1.1 DO ESBULHO PERPETRADO PELO ESTADO DO CEARÁ
Inicialmente cumpre destacar que existia uma pequena estrada carroçável próxima à propriedade do requerido, com limite de cerca, respeitado o acostamento devido por toda a extensão da propriedade que totaliza 270 (duzentos e setenta metros de comprimento, desde o início até o Riacho do $[geral_informacao_generica]). Porém, ao dar início à construção, a empresa $[geral_informacao_generica] “arrancou” a cerca constituída de estacas e arame farpado para fazer uma nova via de acesso aos veículos em toda a extensão do terreno do requerido que, como dito alhures, perfaz total de 270 metros até a ponte construída sobre o riacho (v. fotos anexas).
Assim, pela extensão de 270 metros existem três larguras avançadas dentro do terreno do requerente. A primeira, no início do terreno, avança adentro da propriedade 4(quatro) metros de largura. No segundo, meio do terreno, foi avançado 8(oito) metros dentro do terreno, e no terceiro, antes da ponte sobre o riacho, a construção avançou 15,8 metros (quinze metros e oitenta cm) de largura dentro do terreno da família! Verdadeiro absurdo. Observa-se na figura abaixo (Imagem 1) que o desvio da obra adentrou o terreno do requerido, ficando distante da antiga estrada carroçável.
A família do requerente não foi indenizada pela faixa de terra utilizada para a construção da rodovia (270 metros de comprimento, com dimensões de largura variáveis). Se não bastasse, a cerca fora retirada pela empresa (estacas e arame farpado). Não houve reposição, ficando ao cargo do requerente arcar com as despesas e refazê-la com suas próprias mãos.
2.1.2 DAS CONSEQUÊNCIAS DA RODOVIA CONSTRUÍDA
Para a construção da ponte sobre o riacho (dentro do terreno do requerido) os responsáveis fizeram um aterro de mais de 5(cinco) metros sem observância aos procedimentos técnicos devidos. Mesmo que tivesse sido autorizado pela família do requerente, a ART seria devida para apresentar as condições de viabilidade que não causassem prejuízos à família de agricultores.
Isso porque, em um primeiro momento, o aterro sem manilhas para escoamento das águas e equipamentos de drenagens adequados para uma área tão baixa, acarreta alagamentos, o que de fato já ocorreu, o que fez com que a família perdesse seu plantio de arroz nos dois últimos invernos. Além do mais, a área alagada é utilizada para outros plantios como milho, feijão e hortaliças (terreno mais baixo prejudicado). No sentido oeste do terreno, a família cultiva plantio de frutas; algumas bananeiras ficaram totalmente dentro da água, provocado pelo desnível do riacho em decorrência do aterramento. Ou seja, várias consequências por falta de estudo e planejamento para a referida obra.
Além da falta de viabilidade na construção, outros prejuízos causaram transtornos à família do requerente. Para irrigação do plantio de frutas (bananas, goiaba, coco) e hortaliças que se perderam com as inundações, a família tinha um motor elétrico, fiação de energia em 03(três) postes; o motor que ficava onde agora se localiza a ponte simplesmente sumiu no início da construção da ponte! Frise-se que funcionários iniciaram a obra arrancando cercas e arames, e avisaram verbalmente que iriam desativar a eletricidade do terreno da família, pois os postes e fiação de energia “atrapalhavam a ponte”.
Sem dar tempo de o requerente retirar toda a instalação, o motor-bomba, modelo 3CV que ficava instalado dentro do terreno do requerente próximo ao riacho, simplesmente desapareceu; tendo seu cadeado quebrado, caso em que o requerente indagou aos trabalhadores que iniciavam a obra, porém ninguém soube o paradeiro do mesmo, lhe restando como única saída fazer um Boletim de Ocorrência (anexo), porém sem êxito de reaver o roubado. Já a fiação que se distribuía em três postes (de propriedade particular da família do requerente) também fora perdida, pois os próprios funcionários da empresa, ao iniciar as instalações da ponte sobre o riacho avisaram que os postes seriam desativados.
Um detalhe que merece atenção, é que na imagem 8 acima, tem-se uma manilha danificada, única deixada pelos obreiros dentro do terreno do requerido. Quando foi indagado se iriam fazer a instalação da mesma ou não, simplesmente os funcionários disseram que não, até porque a mesma estava quebrada! Daí o porquê da conveniência da empresa em simplesmente a deixar lá abandonada. Diante de tantos percalços, pode parecer absurdo tanta imperícia dos responsáveis pela obra, mas ainda teve mais transtorno: ocorre que o poço de 42 metros, construído pela família para o consumo de água potável, fora literalmente afundado na evasão d’água provocada pelo aterramento para construção da ponte, em desnível do riacho já existente.
Fato é que a família é constituída de pessoas simples, que vivem do trabalho na roça, em mútuo esforço para subsistência familiar. Todos são pessoas de bem, que não são chegados a discussões, única explicação plausível para a tamanha injustiça sofrida. Vossa excelência há de convir que casos semelhantes, onde pessoas simples são prejudicadas por funcionários que já estão “acostumados a lidar com esse tipo de situação”, é mais fácil para o lado vulnerável ser subjugado em detrimento de seus direitos. Muitas vezes, os responsáveis pela obra “querem acabar logo com o trabalho” e para não terem mais trabalho, vão “passando por cima dos direitos das pessoas mais simples, deixando-os à margem dos riscos e prejuízos causados pelos próprios obreiros”, o que é muito comum em casos semelhantes como esse, verdadeira desapropriação indireta provocada pelo Estado.
3. DO DIREITO
A Constituição Federal/88, em seu art. 5º enumera os mais relevantes direitos e garantias fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, assegurando em seu inciso XXII o direito à propriedade, atendida a sua função social. No mesmo artigo, inciso XXIV, traz a possibilidade de desapropriação, que poderá ocorrer de forma indenizada por necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, obedecendo a critérios legais do procedimento. Vejamos o que diz a Carta Magna:
Art. 5º, CF: (...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
(...)
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição. Grifei.
Vale ressaltar que a indenização deverá servir para evitar que o expropriado tenha prejuízos e possibilitar a aquisição de bem equivalente ao que foi desapropriado. É o que leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
Indenização justa, prevista no art. 5º, XXIV da Constituição, é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é a que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exime de qualquer detrimento .
Nesse sentido, tem-se que junto aos danos materiais deve haver a reparação também pelos lucros cessantes e demais despesas decorrentes do processo expropriatório. É o que se denomina de justa indenização, que significa tornar indene o desapropriado para que possa recompor seu patrimônio, através de valor que o possibilite adquirir bem com as mesmas características, sem a cogitação de qualquer prejuízo.
O Decreto-lei 3.365/41, em seu art. 13 preleciona que a desapropriação deve ser promovida judicialmente pelo Poder Público expropriante, inclusive com a oferta do preço acompanhando já na petição inicial. Verificados o cabimento da desapropriação, o juiz fixará o preço da indenização por meio de sentença (art. 24, Decreto-lei 3.365/41). Senão vejamos:
(...)
Art. 13. A petição inicial, além dos requisitos previstos no Código de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruída com um exemplar do contrato, ou do jornal oficial que houver publicado o decreto de desapropriação, ou cópia autenticada dos mesmos, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações.
(...)
Art. 24. Na audiência de instrução e julgamento proceder-se-á na conformidade do Código de Processo Civil. Encerrado o debate, o juiz proferirá sentença fixando o preço da indenização. Grifei.
Ocorre que não é incomum a ausência do procedimento legal adequado, quando o ente público desrespeita o particular em não efetuando o pagamento da indenização devida, iniciando a execução das obras, o que impede a oposição imediata por parte do proprietário, eis que a propriedade se torna de domínio público. Neste caso, incumbe ao particular ingressar com ação judicial visando o recebimento dos valores devidos, a denominada "desapropriação indireta".
Carvalho Filho (2014, p. 882) a define como: “fato administrativo pelo qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia” .
Havendo a ocorrência do apossamento administrativo do imóvel e a comprovação de que o autor seja titular do domínio da área apossada, …