Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo]; $[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_maioridade], neste ato representados por sua genitora $[parte_autor_representante_nome_completo], portadora do $[parte_autor_representante_cpf], residentes e domiciliadas na $[parte_autor_endereco_completo], vem com a devida vênia perante V. Exa., por meio de seu procurador subscrito propor a presente:
AÇÃO INDENIZATÓRIA DANOS MORAIS, MATERIAIS E PENSIONAMENTO
Em face de MUNICÍPIO DE $[geral_informacao_generica], pessoa jurídica de direito público da administração direta, inscrita sob o CNPJ de n°$[parte_reu_endereco_completo]; $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo]; MUNICÍPIO DE $[geral_informacao_generica], pessoa jurídica de direito público, inscrita sob o CNPJ de n° $[parte_reu_cnpj], e; $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo], pelos seguintes fatos e fundamentos.
1. DOS FATOS
O seguinte relato versa sobre como se deu o óbito da Sra. $[geral_informacao_generica] de 36 anos, esposa e mãe dos autores. A família, de parcas condições, dela dependia em diversos aspectos - econômicos, afetivo e protetivo – afinal, era responsável por 3 filhos menores que contavam, respectivamente, com 2, 10 e 12 anos.
Não obstante, a falecida, além de cuidar dos filhos, complementava a renda da família com seu trabalho informal de vendedora de roupas e acessórios. O autor, $[geral_informacao_generica], é auxiliar industrial, e sozinho vem enfrentando severas dificuldades de sustentar a prole sem a ajuda de sua falecida esposa.
O óbito da esposa e mãe dos autores se deu em razão da negligência e da demora estatal ao prestar seus serviços de saúde. A falecida foi acometida por uma Colelitíase (pedra na vesícula), condição que, se tratada imediatamente e com zelo, poderia ser contornada facilmente. No entanto, foi a causa determinante de sua morte.
1.1. DOS SINTOMAS INICIAIS E DA PRIMEIRA INTERNAÇÃO
A odisseia da de cujus começou em 25.11.2019, quando procurou a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Município de $[geral_informacao_generica], queixando-se de dor abdominal súbita. Foi atendida pelo Médico, Dr. $[geral_informacao_generica], que diagnosticou a ocorrência de uma cólica biliar, sintoma clássico da Colelitíase. A paciente foi medicada e liberada. (OUT7)
Inobstante à superficial avaliação médica, o quadro de saúde da paciente não apresentou melhora, e em 16.05.2020 precisou ser atendida no Hospital de $[geral_informacao_generica].
Naquele momento, sua condição de saúde exigia atendimento em caráter de urgência, pois relatava “dores abdominais de forte intensidade em andar superior do abdome irradiado para dorso há 12 dias, associado a icterícia, náuseas, vômitos e inapetência.” (OUT8, pg. 7)
A essa altura, a cólica biliar havia evoluído para uma Pancreatite Aguda Biliar (CID 10 – K851), conforme diagnosticado pelo Dr.$[geral_informacao_generica].
Ou seja, condição clínica da paciente continuava comprometida, mas, no entanto, ao relatar uma leve melhora dos sintomas, recebeu alta médica em 22.05.2020, e não foram tomadas quaisquer medidas efetivas no combate à doença. (OUT8, pg. 10)
1.2. DA SEGUNDA INTERNAÇÃO
Em 29.06.2020 a paciente recorreu à UPA do Município, novamente relatando dores abdominais, onde foi encaminhada para o pronto socorro do hospital de $[geral_informacao_generica]. Chama a atenção o despacho da Dra. $[geral_informacao_generica], médica do pronto atendimento, que assim exarou: (OUT9, pg. 11)
paciente com diagnóstico de litíase biliar desde dezembro de 2019 por us de abdome, desde então várias consultas por dor intensa com piora no último mês, refere não ter sido encaminhada aqui pela UBS para cirurgião geral, diz não ter mais alívio com medicação oral ou parenteral, ao exame dor em hd, fascies de dor intensa, e moderada distensão abdominal. Encaminho para o hospital regional para avaliação e consulta. (sic)
Com o encaminhamento da médica do pronto atendimento, a paciente deu entrada no hospital às 13h16min do dia 29.06.2020 com uma crise de cólica biliar. Foi diagnosticada com litíase biliar e distensão abdominal, sendo que sua dor marcava 6 pontos em uma escala de 0 a 10. Porém, às 18h do mesmo dia, após avaliação médica pelo clínico geral, novamente foi liberada sem qualquer providência a respeito de sua condição de saúde. (OUT9, pg. 9)
E pela segunda vez, bastou apresentar uma leve melhora nos sintomas para que fosse concedida a alta médica, quando era necessária a realização de cirurgia para sanar, definitivamente, as dores que a paciente sentia. Na medida em que fazia o caminho UPA ▶ Hospital ▶ Casa, seu quadro de saúde piorava, se dirigindo a um estado irreversível.
Veja que a própria médica responsável pelo pronto atendimento registrou a necessidade de encaminhar a paciente a um cirurgião geral, pois ela não mais apresentava alívio da dor com medicação. Entretanto, o sistema de saúde se reservou apenas a tomar medidas relativas aos sintomas da paciente e não às suas causas. A morosidade no tratamento das origens da doença ocasionou a piora e, posteriormente, a irreversibilidade do quadro de saúde da paciente, que a levou à morte.
1.3. DA TERCEIRA INTERNAÇÃO
Em 24.07.2020 a paciente retornou à UPA do Município se queixando dos mesmos sintomas que já eram recorrentes. O médico que conduziu o atendimento, encaminhou-a novamente ao hospital para que, desta vez, fosse realizada a colecistectomia. (OUT10, pg. 2)
Ocorre que apenas em 31.07.2020 a paciente pode dar entrada no hospital, porém, com sintomas ainda mais graves, sendo classificada como prioritária e de alto risco, necessitando de atendimento o mais rápido possível, pois as dores abdominais eram intensas e contínuas, marcando de 9 a 10 pontos de intensidade na escala de dor. (OUT11, pg. 3)
A paciente apresentava sintomas de febre e necessitou implantar um dreno na região abdominal, devido a um derrame pleural (água no pulmão). Necessitou também de ajuda de aparelhos para respirar. O exame de “raio x” do tórax, realizado em 02.08.2020, demonstrou que o pâncreas da paciente estava com dimensões aumentadas e estado de liquefação/necrose, estimada em mais de 50% do órgão. (OUT11, pg. 12)
Diante do estado de saúde periclitante da paciente, foi agendado, para o dia 03.08.2020, cirurgia para retirada da vesícula biliar (colecistectomia). O procedimento deveria ser realizado em caráter de urgência, conforme determinação da Dra. $[geral_informacao_generica]: (OUT11, pg. 52)
Porém, a cirurgia foi cancelada sem qualquer justificativa. (OUT11, pg. 36)
Ora, como pode, diante do quadro clínico crítico em que a paciente se encontrava e a determinação para realização urgente da cirurgia, esta ter sido sumariamente cancelada. Não há razão capaz de justificar o cancelamento do procedimento que seria preditor da melhora da vítima!
Ainda, apesar do estado de saúde gravíssimo, o cancelamento da cirurgia, o hospital de $[geral_informacao_generica] sequer tinha leitos de UTI disponíveis para a internação da paciente, o que exigiu o contato com a central regional que recomendou a demoção da paciente para a $[geral_informacao_generica], no Município de Maravilha – SC. (OUT11, pg. 41)
Diante do cancelamento injustificado da cirurgia e da falta de leitos de UTI para internação no hospital de $[geral_informacao_generica], foi autorizada a transferência da paciente ao hospital de $[geral_informacao_generica], na data de 04.08.2020.
1.4. DA TRANSFERÊNCIA E DO ÓBITO
Em 05.08.2020 a paciente foi recebida no hospital de $[geral_informacao_generica] com queixa de dores constantes acompanhadas de náuseas e vômitos. Foi acomodada no leito hospitalar, mantendo monitoração cardíaca e lhe sendo administrada medicação para lhe acalmar os sintomas. (OUT12, pg. 2)
Apesar de internada, a paciente não foi encaminhada para cirurgia que havia sido prescrita com urgência, sendo que desde sua internação, até a data do óbito (22.08.2020), viu sua vida se esvaindo dolorosamente, pois, dia após dia, seu quadro de saúde piorava.
A leitura do prontuário médico, registrado entre os dias 05.08.2020 e 22.08.2020, é dura, perversa, sendo relatado diária e dolorosamente a piora no seu quadro de saúde, sem que fossem tomadas medidas efetivas capazes de lhe reestabelecer o mínimo de dignidade. (OUT13)
Questiona-se se a omissão se deu em razão de seu estado de saúde já ser atingido o ponto de irreversibilidade, ou se novamente estava sendo vítima do desdém do sistema de saúde, que mais uma vez jazia inerte diante de todos os achaques que estava sofrendo.
Independente do cenário que se observe, a paciente não foi tratada com o zelo necessário à solução do seu problema de saúde, pois não lhe foi concedida a oportunidade de reverter sua condição por meio da colecistectomia, cuja qual já havia sido determinada. Ou seja, métodos eficazes existiam.
Todos os dias, desde sua internação até a sua morte, a paciente se queixou de dor abdominal, febre e vômitos, porém, em 17.08.2020 seu quadro clínico começou a decair ainda mais. Na ocasião, mostrou-se emotiva, chorosa, referindo saudades dos filhos, da família, apresentando sinais de depressão e sentimentos negativos. Não é de se surpreender, afinal já estava internada há 12 dias vendo seus sintomas se agravarem, sentindo muita dor e sem qualquer providência resolutiva por parte do sistema de saúde. (OUT13, pg. 15)
Na manhã de 22.08.2020 a paciente apresentava fortíssimas dores, náuseas, enjoos, vômitos, falta de ar, febre (38,5 c°), palidez, sudorese e seu ritmo cardíaco marcava 38 bpm’s. Contudo, após tentativas de reanimação, a paciente não resistiu e as 09h07min foi constatado seu óbito. (OUT13, pg. 22)
1.5. DAS CONSIDERAÇÕES FÁTICAS FINAIS
Os prontuários médicos ora carreados embasam a situação fática narrada e evidenciam a omissão estatal na garantia ao direito fundamental à saúde. Nesse sentido, a paciente, de 25.11.2019 até 22.08.2020, ficou à deriva e à espera de uma cirurgia que não veio, mas que lhe possibilitaria a reversão de uma doença, que no início era apenas uma pedra na vesícula e se tornou objeto de imensa dor, sofrimento e morte.
A demora na tomada de providências resolutivas em relação ao quadro de saúde da paciente, a inexistência de leito de UTI no hospital de $[geral_informacao_generica] e o menosprezo da recomendação médica para a realização da cirurgia, foram os fatores que traçaram o destino da esposa e mãe dos autores.
É írrito o trato que a paciente recebeu do sistema de saúde, visto que seu problema já havia sido identificado com antecedência. Porém, não lhe fora dada a oportunidade, enquanto possível, da realização da colecistectomia, medida esta que seria eficaz em relação ao seu problema. Do contrário, a paciente apenas foi medicada (mesmo que a medicação já não fizesse efeito) e mandada para casa 3 vezes, até que na circunstância derradeira, já não era mais possível reverter seu quadro de saúde.
Portanto, diante da injustiça da qual foram vítimas, os autores vêm perante o Poder Judiciário buscar a compensação dos danos sofridos pela perda de seu ente familiar.
2. DO DIREITO
2.1. DA COMPOSIÇÃO DO POLO ATIVO DA DEMANDA
Os autores, filhos e esposo da vítima, são legítimos para compor o polo ativo da presente ação, pois a omissão do Estado na prestação dos serviços de saúde, culminou na perda da figura materna do núcleo familiar. Ademais, não se pode desconsiderar o fato de que a vítima contava com apenas 36 anos quando de sua morte.
Assim, apesar de não serem os autores que vieram a sofrer o dano de forma direta pela falha na prestação do serviço médico, são afetados por suas consequências, tendo em vista a ligação afetiva e de dependência da figura materna dentro da família.
2.2. DA COMPOSIÇÃO DO POLO PASSIVO DA DEMANDA
A presente ação trata sobre o direito fundamental do indivíduo de garantir a preservação de sua vida e da obrigação estatal do fornecimento de um serviço médico-hospitalar digno, que seja capaz de preservar e garantir o direito à saúde.
O Art. 37, § 6° da Constituição Federal estabelece que as pessoas jurídicas de direito público, bem como as de direito privado prestadoras de serviço público, responderão pelos danos causados por seus agentes a terceiros, quando estes encontrarem no exercício de suas funções, assegurando o direito de regresso contra os responsáveis nos casos de dolo ou culpa.
Os hospitais particulares conveniados ao SUS atuam como prestadores de serviço público, o que implica a atribuição também a eles da responsabilidade objetiva constitucional.
No caso em voga, a Associação Hospitalar $[geral_informacao_generica], prestava serviço público de saúde à paciente, conforme se denota …