Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA $[processo_vara] REGIÃO
Processo nº: $[processo_numero_cnj]
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_razao_social] inscrita no CNPJ sob o nº $[parte_autor_cnpj], com sede à $[parte_autor_endereco_completo], vem, por seus advogados constituídos conforme procuração em anexo, à presença de Vossas Excelências, propor:
AÇÃO RESCISÓRIA
Em face de $[parte_reu_nome_completo], Autarquia inscrita no CNPJ sob o nº $[parte_reu_cnpj], com sede à $[parte_reu_endereco_completo], com fulcro nos arts. 966 e seguintes do Código de Processo Civil, pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir delineados:
PRELIMINARMENTE – DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA
Ab initio, afirma a empresa Requerente não poder arcar com as custas do processo sem com isso comprometer seus próprios meios de prover ao custeio da atividade produtiva.
Demais disso, não há óbice a que seja deferida a gratuidade judiciária a empresas, contanto que as mesmas comprovem efetivamente a sua hipossuficiência, consoante entendimento a seguir, da súmula 481 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 481. Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.
Assim, entende-se que a Demandante se enquadra no disposto no art. 98, caput do CPC, a seguir transcrito:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
Desta forma, REQUER a concessão da gratuidade Judiciária.
I. DA SENTENÇA A RESCINDIR
O Requerente, pessoa jurídica de Direito Privado do ramo de hospitais e saúde, fora condenado em obrigação de fazer no âmbito da Ação Civil Pública n.$[processo_numero_cnj] , movida pelo Requerido, em que restara condenado a manter número quantitativo de enfermeiros e também a proceder à organização da SAE – Sistematização de Assistência de Enfermagem, conforme a seguir:
Pelo exposto, julgo procedentes os pedidos autorais para determinar à $[parte_autor_nome_completo]:
a) manter Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem em número suficiente paraatender à demanda da instituição, em especial, manter profissional enfermeiro em todas as unidadesprodutivas, bem como Técnicos e Auxiliares de Enfermagem em quantitativo suficiente, durante todo ohorário de funcionamento da clínica, apresentando cálculo de dimensionamento de acordo com a RESOLUÇÃO COFEN n.º 293/2004;
b) proceder à elaboração da SAE - Sistematização da Assistência de Enfermagem, nos termosda legislação de regência, descrita na fundamentação desta sentença.
[...]
Ocorre que, para que isso seja factível, é imprescindível a contratação de novos profissionais de enfermagem, do que se depreende que o COREN acabou por, indiretamente, determinar a contratação, pelo Requerente, de enfermeiros, o que não pertence às competências do COREN, conforme entendimentos jurisprudenciais e mesmo legais já expostos e pacificados, posto que não há Lei que autorize referida atribuição à Autarquia da Enfermagem. Tal determinação do dispositivo constam do capítulo de número II.1 da sentença rescindenda.
Isso demonstra que houve no processo de origem a convalidação de um vício processual contrário à legislação federal, denominado ilegitimidade, bem como que o COREN acabou por extrapolar de suas competências legais ao determinar o número e o quantitativo de enfermeiros.
Desta forma, vem aos autos a fim de que seja a presente sentença, que já transitara em julgado, rescindida com o fito de afastar a determinação para manter Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem em número suficiente paraatender à demanda da instituição.
II. DO DIREITO
a) DO CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA
A ação rescisória é um meio extremamente excepcional no Direito Nacional, haja vista que representa a desconstituição da coisa julgada material, algo que é constitucionalmente protegido, conforme art. 5º, XXXV da CRFB.
Apesar do caráter sacrossanto da coisa julgada, é fato que o Direito não pode assentir com manifestas ilegalidades que sob especiais circunstâncias vêm à tona após o trânsito em julgado de demandas diversas. Do contrário, estar-se-ia corroborando uma injustiça e tornando ainda mais esgarçado o tecido social, sem a pacificação prometida pelo Poder Judiciário. Afinal de contas, onde não há Justiça, não pode haver paz. É para regulamentar esses casos que o Direito preconiza a Ação Rescisória.
Desta forma, o art. 966 do Código de Processo Civil prevê as hipóteses de cabimento do referido remédio processual, conforme a seguir transcrito:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
No caso em espeque, a sentença que se visa a rescindir acabou violando manifestamente a norma jurídica constante do artigo 17 do CPC, que preconiza que quem quiser litigar no Poder Judiciário deve ter interesse e legitimidade.
Com efeito, determinou o decisum rescindendo que o Requerente mantenha o número adequado de enfermeiros, quando, na verdade, NÃO é atributo do Regional de Enfermagem fazer tal determinação, mas, sim, fiscalizar a situação do exercício profissional da categoria.
Assim, entende-se que o COREN exorbitou de sua competência ao se imiscuir às questões administrativas e de pessoal do Requerente, tendo sido essa extrapolação convalidada em sentença, consoante a seguir se analisa.
b) DA ILEGITIMIDADE ATIVA DO COREN-SE PARA DETERMINAR A CONTRATAÇÃO DE ENFERMEIROS. VIOLAÇÃO DE NORMA LEGAL PELA SENTENÇA RESCINDENDA
Uma das características do contencioso brasileiro é que deve preencher as condições da ação. Assim, o artigo 17 do Código de Processo Civil assegura que, para litigar, é mister que haja interesse e legitimidade, consoante a seguir transcrito:
Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.
Pois bem. No caso que se apresenta ao Juízo, o COREN manejou ação civil pública em face do Requerente, tombada sob o número $[processo_numero_cnj], em que tecia uma argumentação no sentido de que não havia profissionais em número suficiente nas dependências do Requerente para realizar um atendimento condigno a todos, bem como assegurar uma prestação de serviços adequada.
Após regular prosseguimento do feito, o Requerido fora condenado nos pedidos formulados na Inicial, conforme capítulo I da sentença rescindenda, que segue em anexo.
Os Conselhos Regionais de Enfermagem (COREN’s) são autarquias profissionais da categoria dos enfermeiros, e são regidos pela Lei 5.905/73. No artigo 15 desta Lei, acham-se todas as competências dos conselhos em questão, de fiscalizar o exercício da profissão, zelar pelas condições de trabaho etc., como adiante será visto:
Art 15. Compete aos Conselhos Regionais:
I - deliberar sobre inscrição no Conselho e seu cancelamento;
Il - disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, observadas as diretrizes gerais do Conselho Federal;
III - fazer executar as instruções e provimentos do Conselho Federal;
IV - manter o registro dos profissionais com exercício na respectiva jurisdição;
V - conhecer e decidir os assuntos atinentes à ética profissional impondo as penalidades cabíveis;
VI - elaborar a sua proposta orçamentária anual e o projeto de seu regimento interno e submetê-los à aprovação do Conselho Federal;
VII - expedir a carteira profissional indispensável ao exercício da profissão, a qual terá fé pública em todo o território nacional e servira de documento de identidade;
VIII - zelar pelo bom conceito da profissão e dos que a exerçam;
lX - publicar relatórios anuais de seus trabalhos e a relação dos profissionais registrados;
X - propor ao Conselho Federal medidas visando à melhoria do exercício profissional;
XI - fixar o valor da anuidade;
XII - apresentar sua prestação de contas ao Conselho Federal, até o dia 28 de fevereiro de cada ano;
XIII - eleger sua diretoria e seus delegados eleitores ao Conselho Federal;
XIV - exercer as demais atribuições que lhes forem conferidas por esta Lei ou pelo Conselho Federal.
Como se observa, em nenhum dos incisos acima mencionados consta a competência para determinar o número de profissionais da enfermagem em determinado estabelecimento.
Porém, incrivelmente, o COREN-SE, na ação civil pública de origem, não apenas se imiscuiu nessas questões como fez ao final o requerimento para compelir o Requerido a manter enfermeiros, técnicos e demais profissionais em número suficiente para atender à demanda da instituição, entre outros quesitos.
Excelências, para atender a tal determinação, inexoravelmente há que se proceder à contratação de novos profissionais, o que não seria possível primeiramente diante das condições financeiras dos cofres do Requerente. E secundariamente, porque falta competência para o COREN exigir esta conduta por parte dos hospitais.
Sobre isso, observe-se trecho de notícia publicada no sítio eletrônico do COREN-DF, trazendo à lume este entendimento:
Derrota judicial
Para o procurador-geral do Coren-DF, uma das dificuldades em exigir o cumprimento do dimensionamento de pessoal de enfermagem estabelecido pelo Conselho Federal de Enfermagem é o descrédito da Justiça. “Nós já ajuizamos uma ação contra um hospital particular devido ao número insuficiente de profissionais de enfermagem. No entanto, o magistrado negou nosso pedido por entender que o conselho de enfermagem não pode exigir a contratação de profissionais”, explica. O processo contra o hospital particular está em andamento e aguarda análise de recurso impetrado pelo Coren-DF (https://www.coren-df.gov.br/site/governo-mp-e-judiciario-ignoram-risco-no-deficit-de-enfermagem/)
Além desta notícia, tribunais Brasil afora e o próprio Superior Tribunal de Justiça também partilham deste entendimento, consoante decisões cujas ementas a seguir se transcrevem:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.788.867 - SE (2018/0342916-6) RELATORA : MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES RECORRENTE : CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SERGIPE - COREN/SE ADVOGADOS : JOSÉ FONSECA GESTEIRA NETO - SE004183 ANDRÉ KAZUKAS RODRIGUES PEREIRA - SE005316 RECORRIDO : FUNDACAO DE BENEFICENCIA HOSPITAL DE CIRURGIA ADVOGADA : MARCELA PITHON BRITO DOS SANTOS E OUTRO (S) - SE004389 DECISÃO Trata-se de Recurso Especial, interposto pelo CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SERGIPE - COREN/SE, com base no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado: "ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. AJUIZAMENTO POR CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM. LEGITIMIDADE ATIVA DECIDIDA PELO C. STJ. RETORNO DOS AUTOS. JULGAMENTO DO MÉRITO. DETERMINAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE ENFERMEIROS. IMPOSSIBILIDADE. VÍCIO DE ILEGALIDADE. APELO PROVIDO. 1. Cuida a hipótese de apelação interposta pela unidade hospitalar em face da sentença que julgou procedente o pedido formulado na presente Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, ajuizada pelo COREN/SE com vistas à adequação dos serviços prestados pela apelante à legislação vigente, diante da existência de irregularidades verificadas por ocasião de fiscalização pelo Conselho Profissional referido. 2. A questão acerca legitimidade ativa do COREN encontra-se resolvida pelo c. STJ, ao reconhecer sua legitimidade, anulando, julgamento da turma, com o retorno dos autos para apreciação do mérito. 3. Mantido o indeferimento do pedido de concessão do beneficio de justiça gratuita em face da ausência de demonstração da alegada incapacidade financeira da apelante, consoante a Súmula 481 do Superior Tribunal de Justiça. 4. A Lei 5.905/73, que instituiu os conselhos federais e regionais de enfermagem, prevê a competência de tais entidades apenas sobre a fiscalização da atuação profissional do enfermeiro, bem como as penas aplicáveis aos infratores, conforme se extrai de seus arts. 15 e 18, não havendo previsão de fiscalização acerca do planejamento e do quantitativo a ser contratado pela unidade de saúde, para uma boa prestação dos seus serviços. 5. É fato incontroverso que de acordo com a Lei n.º 7.498/86, exige-se a presença de enfermeiro legalmente habilitado e inscrito no Conselho Regional de Enfermagem - COREN durante todo o horário de funcionamento das unidades de saúde, cabendo-lhe também exercer supervisão e orientação de técnicos e auxiliares. 6. No caso concreto, foi demonstrada a existência de enfermeira no quadro funcional da demandada, fato não refutado, apesar de não ser na quantidade pretendida pela ora recorrida. Ademais, não há nos :autos qualquer documento que demonstre a ausência de total de enfermeiro na unidade de saúde de forma permanente, mas tão somente em quantitativo inferior, ao sugerido pela Resolução e pretendido pelo COREN. 7. A Resolução COFEN 293/2004 e Resolução RDC ANVISA 07/2010, sucedida pela Resolução COFEN 543/2017, que lastreia o Relatório de Fiscalização do COREN, e que justificou a ação, ao estabelecer parâmetros para dimensionar a quantidade mínima de profissionais de enfermagem que deve haver nas instituições de saúde …