Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE $[PROCESSO_COMARCA] $[PROCESSO_UF]
Processo nº $[processo_numero_cnj]
$[parte_autor_nome_completo], já qualificado nos autos, por intermédio de seus advogados in fine subscritos, vem, respeitosamente, perante V. Exa., com fulcro nos artigos 30 e 31, ambos da Lei n° 9.099/95., apresentar
CONTESTAÇÃO COM PEDIDO CONTRAPOSTO
À Ação de Cobrança, que lhe move $[parte_autor_nome_completo], pelas razões de fato e de direito doravante aduzidas:
I. SÍNTESE DA DEMANDA
Trata-se de ação, distribuída sob o rito sumaríssimo, com escopo de cobrar, do réu, valor de notas promissórias vencidas, à autora outorgadas em face de aquisição de veículo Monza, placa $[geral_informacao_generica].
II. DOS FATOS
Com efeito, os litigantes celebraram contrato verbal de compra e venda cujo objeto o veículo acima mencionado, no valor de R$ 6.000,00, parcelado em prestações de R$ 500,00, documentadas em notas promissórias.
Em verdade, o preço do veículo, à época, foi justificado pelas reformas que haviam sido feitas pela vendedora, que assegurava o pleno funcionamento e indefectível estado de conservação do bem.
Inclusive, quando da venda, a autora convenceu o réu de que havia “refeito o motor”, isto é, que o veículo tinha um motor novo.
Ocorre que, assim que transferida a posse, o veículo começou a apresentar problema no câmbio, que inviabilizava o engatamento de marchas.
O réu, de imediato, contactou o vendedor e foi instruído a levar o automóvel em um mecânico, que remediou o problema.
Após, porém, o carro seguiu apresentando outros problemas, que levaram o réu a arcar com diferentes reparos e substituição de peças, até que, passadas poucas semanas desde a transação, sobreveio um fundimento de cabeçote.
Com isso, o carro estava absolutamente inutilizável. O mecânico procurado pelo réu orçou o reparo em R$ 4.000,00.
A fim de solucionar o imbróglio, o réu e a autora, então, compareceram no mecânico que teria “refeito” o motor. O mecânico, porém, confessou que jamais “refez” o motor. Inclusive, falou que o motor era antigo e que, antes da venda, teria aconselhado a autora a não vende-lo. Mais: recomendou à autora que desfizesse a venda e pegasse o veículo de volta.
Disso faz prova o registro videográfico que ora acosta aos autos, que captura o diálogo mantido entre a autora, réu e o mecânico. Dos vídeos convém degravar os seguintes trechos:
Mecânico: não, eu não fiz o motor do carro completo.
Autora: você pode dar uma olhada no carro pra ele?
Mecânico: vamo lá.
(...)
Mecânico: quanto tempo esse carro ficou parado? Um ano? Com o carro parado um ano o vedador de válvula resseca, aí ele passa a “fumar”.
(...)
Mecânico: que jeito você vendeu esse carro? Vê o que você quer fazer.
(...)
Mecânico: essa fumada aí eu tenho que arrancar o cabeçote fora, tem que tirar o cabeçote fora, senão não adianta... Esse carro aqui foi feito uma troquinha de anéis e feito o cabeçote. Eu não fiz o motor completo desse carro. De abrir motor, trocar pistão, nada disso. O $[geral_informacao_generica] ficou louco, eu não fiz o motor desse carro. Tem que abrir o motor.
(...)
Mecânico: vou dá uma sugestão, não to pondo água fria em ninguém: pega o carro de volta e vende mais barato pra outro.
Réu: mas eu fico no prejuízo, porque eu também gastei no carro. Se você devolver as parcelas e o que eu gastei, aí eu entro em acordo (...) tive que trocar o carburador, porque tava com as agulhas estouradas. (...) se for arrumar e descontar das parcelas também está bom.
(...)
Mecânico: ai se tiver que abrir o motor é complicado. Aí o que você vender não vai pagar o valor [do reparo].
Porém, depois desse evento, os litigantes entraram em desacordo quanto ao destino do veículo e das parcelas. Insatisfeita com as – justíssimas – cobranças do réu, a autora se indispôs e adotou a posição extrema de deixa-lo à própria sorte. Disse-lhe que não faria nenhum reparo, não pegaria o veículo de volta, tampouco lhe devolveria as parcelas pagas, rompendo o contato com o comprador.
Sem alternativas, o réu parou de pagar as prestações e vendeu o carro a $[geral_informacao_generica], por R$ 800,00, porque não havia ninguém disposto a pagar mais pelo bem.
De acordo com $[geral_informacao_generica], que adquiriu o veículo para conserta-lo, foi necessário empregar R$ 3.000,00 para fazer o motor do veículo, que estava imprestável:
$[geral_informacao_generica]
$[geral_informacao_generica], ainda, como se vê verifica dos inclusos arquivos de áudio, confirma a operação e os reparos a que teve de proceder para colocar o veículo em circulação.
III - DO DIREITO
INVALIDADE DAS NOTAS PROMISSÓRIAS
De início, salta aos olhos que as notas carecem de seus elementos basilares.
Em conformidade com o Anexo I da Lei Uniforme de Genebra, incorporada ao ordenamento pátrio por intermédio do Dec. N° 57663/66, a Nota Promissória detém os seguintes requisitos:
Propugna o item 5 do art. 75 da Lei que é elemento essencial à nota a indicação do nome a quem ou a ordem de quem deve ser paga. Inclusive, a teor do primeiro parágrafo do art. 76 do regulamento “o título em que falta algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como nota promissória”.
Sucede que as notas ora exigidas não foram suficientemente preenchidas, já que estão desprovidas da indicação da pessoa a quem se deve pagar e, portanto, não se prestam a substanciar a dívida que, por seu meio, pretende a autora vindicar:
Afinal, sem a indicação do nome do credor, o título não se presta ao fim com que foi expedido, carecendo de valor probante para sufragar o an debeatur.
Mesmo porque a autora não produziu qualquer outra prova da existência do contrato, tampouco do vencimento das parcelas, de sorte que carece o pedido de suficiente substrato probante, já que sequer pode-se provar o quanto da dívida seguiria em aberto, o que inviabiliza a pretensão.
NOTA PROMISSÓRIA PRO SOLVENDO E O NEGÓCIO SUBJACENTE
Como se sabe, as notas promissórias podem ser expedidas em caráter pro soluto ou pro solvendo.
Quando pro soluto, a emissão da nota, em si, é quitação do negócio subjacente, de tal sorte que dele se desvincula. Deste modo, o não pagamento das notas, em observância à autonomia dos títulos de créditos, configuraria uma obrigação cambial, não sendo dado ao devedor opor qualquer desacerto ou inadimplemento do contrato originário.
Quando pro solvendo, porém, as notas se tornam mero apêndice do contrato, documentando suas prestações, mas não se desvinculam do contrato subjacente.
E, evidentemente, se assim o é para o credor, que pode opor eventual cláusula resolutiva ao devedor inadimplente, também o é para o devedor, a quem é permitido opor o inadimplemento do contrato para se exonerar do pagamento da dívida.
Afinal, se pro solvendo, não detém a nota a autonomia própria aos títulos de crédito. Nesse sentido, inclusive, se consolidou a jurisprudência do STJ, conforme REsp n° REsp’s n. 173.211-SP (DJ 06.12.1999), n. 212.455-MG (DJ 16.11.1999), n. 201.840-SC (DJ 28.06.1999) e n. 195.215-SC (DJ 12.04.1999).
Inclusive, idêntico entendimento é o consignado na Súmula n 258 da Corte Superior, que dispõe:
SÚMULA N. 258. A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou.
Disso exsurge que a cobrança das notas promissórias não pode ser desvinculada do negócio que as originou. Trocando em miúdos, se na execução do contrato sobreveio qualquer infração contratual que afete a obrigação de pagar, imputada ao devedor, não se pode admitir a cobrança das notas.
Nesse sentido é dominante jurisprudência do TJSP:
"APELAÇÃO CÍVEL - Declaratória de cancelamento de título cambial precedida de cautelar de sustação de protesto com liminar deferida - Contrato de venda de participação societária que deu origem à emissão da nota promissória - Portador da nota promissória que descumpriu cláusula contratual do negócio jurídico vinculado ao título -Impossibilidade de manutenção do contrato e declaração de inexigibilidade do título - Mantida a sentença - Recurso improvido". (TJSP; Apelação Cível 9076573-53.2005.8.26.0000; Relator (a): Viviani Nicolau; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Bragança Paulista - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 28/09/2010; Data de Registro: 15/12/2010)
APELAÇÃO AÇÃO MONITÓRIA NOTAS PROMISSÓRIAS SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO, ANTE O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. 1 - PRESCRIÇÃO Argumentos das apelantes que não convencem Notas promissórias que não circularam, vinculadas a contrato, perdem sua autonomia Contrato que venceu há mais de cinco anos do manejo da monitória Correto o reconhecimento da prescrição. 2 HONORÁRIOS SUCUMBÊNCIAIS Porque deram causa ao processo, deduzindo em juízo pretensão já alcançada pela prescrição, respondem pelo seu custo as autoras Apelo, porém, parcialmente provido, exclusivamente para reduzir a honorária de sucumbência para R$ 1.500,00, em observância aos parâmetros da lei de regência. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 0018148-39.2012.8.26.0196; Relator (a): Sergio Gomes; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro de Franca - 4ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 06/05/2014; Data de Registro: 08/05/2014)
Cambial – Notas promissórias - Ação declaratória de inexigibilidade – Admissibilidade, ainda que os títulos instruam ações de execução - Direito constitucional de ação - Extinção do processo afastada - Julgamento do mérito desde logo, na forma do art. 515, § 3º, do CPC - Matéria exclusivamente de direito – Notas promissórias vinculadas a contratos de compra de imóveis rurais – Emissão "pro solvendo" do preço contratado – Posterior instrumento público de dação dos imóveis em pagamento, das vendedoras ao emitente das notas promissórias e sua avalista, que se tornaram cessionários de um crédito de terceiro – Novação com o efeito de tornar inexigíveis as notas promissórias "pro solvendo" – Ilógica do emitente e avalista pagarem notas promissórias representativas do preço de imóveis dos quais passaram a ter direito ao domínio em virtude de negócio jurídico posterior – Pretensão declaratória de inexigibilidade procedente e preceito às rés de se absterem à circulação dos títulos de crédito – Ônus de sucumbência invertidos – Recursos dos autores providos. (TJSP; Apelação Cível 0015000-23.2011.8.26.0077; Relator (a): Cerqueira Leite; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Birigui - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/03/2016; Data de Registro: 14/03/2016)
Assim, deduz-se que carece a presente ação, em absoluto, de provas de que exista a obrigação contratual, imputada ao devedor.
EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO
Afinal, ao credor, ainda que num contrato informal, cabia a responsabilidade pela integridade e utilidade do bem objeto do negócio e, como cediço, a nenhum credor é dado, antes de cumprir sua obrigação, exigir a que compete à contraparte.
Outro não é o teor do art. 476 do Código Civil, que consagra o princípio da exceptio non adimpleti contractus.
Como se vê do dispositivo, não é condição de aplicação do princípio que haja contrato escrito. É possível, portanto, sem qualquer embargo, invocar até mesmo cláusula resolutiva tácita para tanto.
E, in casu, como se já se disse, o objeto do contrato era um carro em pleno funcionamento, cuja finalidade é permitir a locomoção com a comodidade e praticidade que esse meio de transporte proporciona.
Ao vendedor, portanto, que efetivamente induziu o comprador a pagar o preço dessa utilidade, competia a responsabilidade de assegurar que o veículo atingisse o fim com que foi adquirido, que estivesse operante e funcional, digno dos valores que foram exigidos.
A tanto, porém, não se prestou. Ante a enormidade de falhas e disfunções que o veículo apresentou, a autora logo tratou de se evadir da responsabilidade contratual, deixando de auxiliar o comprador no conserto do veículo e recusou-se a desfazer a compra.
Pior: agora cobra do comprador aquilo que, em tese, não pagou, embora jamais tenha cumprido a obrigação que a ela competia.
VÍCIO REDIBITÓRIO
A teor do que dispõe o art. 441, caput, do Código Civil, a “coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”.
Em complemento, estabelece o art. 442 do mesmo Diploma que em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.
No caso em testilha, como cediço, trata-se de contrato comutativo, assim definido aquele a cujas partes competem obrigações equivalentes e previamente determinadas.
Por outro lado, os vícios que inquinam o bem são, evidentemente, ocultos. Não só por sua natureza, porque se manifestaram após uso mais intenso do automóvel – já que, até a venda, estava parado -, mas também por ato do próprio vendedor, que escamoteou os defeitos com seu discurso e induziu o réu a adquirir bem que sabia defeituoso.
Por fim, não há dúvida de que esses defeitos tornaram a coisa imprópria ao fim a que se destina; afinal, o defeito no motor exigiu praticamente a troca de todo o aparato, ao custo da metade do valor exigido pelo vendedor. E, como esperado, um defeito que compromete, de forma tão substancial, o funcionamento do motor, afeta a própria mobilidade e segurança que são os propósitos do automóvel e, em última análise, do contrato que consagra a translação de seu domínio.
Nesse …