Petição
EXCELENTISSÍMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[processo_vara] VARA CRIMINAL DA COMARCA DE $[processo_comarca] - $[processo_uf]
Processo nº $[processo_numero_cnj]
$[parte_autor_nome_completo], já devidamente qualificado nos Autos do processo em epígrafe, por sua advogada que abaixo subscreve, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, apresentar:
ALEGAÇÕES FINAIS EM FORMA DE MEMORIAIS
Com base no artigo 403, §3º, do Código de Processo Penal, contestando todas as alegações contidas na denúncia, bem como nas alegações finais da Ilustre Representante Ministério Público, pelos fatos e fundamentos narrados a seguir:
BREVE SÍNTESE DOS FATOS
Consta na denúncia que no período compreendido entre o ano de 2014 e ano de 2017, até o mês de maio de 2017, no município de $[geral_informacao_generica], $[geral_informacao_generica], integrou organização criminosa comandada por $[geral_informacao_generica] e $[geral_informacao_generica].
O denunciado $[geral_informacao_generica] associou-se a $[geral_informacao_generica] e $[geral_informacao_generica], bem como a outras pessoas denunciadas nos autos nº $[geral_informacao_generica], para fim de praticar delitos de estelionato pela rede mundial de computadores. $[geral_informacao_generica] tratava-se do lídes e mentor intelectual do grupo criminoso, sempre seguido por seu irmão $[geral_informacao_generica].
Esses são os fatos narrados na denúncia, contudo, as alegações não merecem prosperar, senão vejamos:
PRELIMINARMENTE
DA NULIDADE DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO
A resposta à acusão apresentada nos autos (fls.221/224), deve ser tornada sem efeito, uma vez que, o réu não teve ciência das alegações que foram apresentadas em sua defesa, tanto que não há nos autos procuração.
Uma defesa que visivelmente quis incriminar o réu, alegandos fatos inverídicos e sem nenhum fundamento. O mesmo nunca teve ciência do que foi alegado em sua defesa.
DA VERDADE DOS FATOS
Excelência, primeiramente gostaríamos de esclarecer que o réu foi mais uma vítima desta organização. O que se verifica após a instrução probatória é que o réu não tinha ciência da aplicação destes golpes, bem como emprestou suas contas bancárias de boa-fé para um amigo.
DO DIREITO
DA ABSOLVIÇÃO DO RÉU
- AUSÊNCIA DE DOLO – ATIPICIDADE FORMAL
O crime de estelionato é caracterizado pela fraude, onde, a partir dela, o sujeito passivo da relação jurídica é induzido ou mantido em erro para a obtenção da vantagem ilícita, em prejuízo alheio. Ou seja, consegue-se um benefício ou lucro ilícito em razão do engano provocado a vítima e essa colabora com o agente sem perceber que está se despojando de seus bens. Necessariamente, a vantagem, além de ilícita, deve decorrer de erro promovido pelo sujeito ativo da relação jurídica. O agente induz ou mantém em erro para causar um prejuízo patrimonial à vítima
E o que se comprova no presente caso é a inexistência de tipicidade formal no caso do réu, visto que, não houve conformidade entre a conduta praticada e o tipo penal previsto no art. 171, do Código Penal.
Para a configuração do referido crime, além da obtenção de vantagem ilícita, para si ou para outrem, é necessário que a vítima seja induzida/mantida em erro, através de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
No aspecto subjetivo, o dolo do estelionato é a vontade de praticar a conduta, consciente o agente que está iludindo a vitima, portanto, exige-se o elemento subjetivo do injusto (dolo especifico), que é a vontade de obter ilícita vantagem patrimonial para si ou para outrem.
E sem a consciência da ilicitude, não há que se falar em crime de estelionato. Segundo o doutrinador Victor Eduardo Rios Gonçalves:
“O estelionato é um crime marcado pelo emprego de fraude, uma vez que o agente, valendo-se de alguma artimanha, consegue enganar a vítima e convencê-la a entregar-lhe algum bem e, na sequência, locupleta-se ilicitamente com tal objeto.
Ao iniciar a execução do estelionato, deve o agente, inicialmente, empregar artifício, ardil ou qualquer outra fraude.
O artifício se mostra presente quando, para enganar a vítima, o agente lança mão de algum artefato, faz uso de algum objeto para ajudálo no engodo. (…)
Ardil é a conversa enganosa, ou seja, o agente engana a vítima com mentiras verbais. (…)
Por fim, a expressão qualquer outro meio fraudulento é uma fórmula genérica, inserida no tipo penal para abranger qualquer outra artimanha capaz de enganar a vítima, como, por exemplo, o silêncio.” (GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado. Ed. Saraiva, 2011, páginas 425/426).
Ocorre que, no presente caso, a única ação do réu foi emprestar sua conta bancária de boa-fé para um amigo, e isto pode ser comprovado com as provas apresentadas:
Do celular utilizado durante as negociações
O telefone utilizado em ambos os casos investigados neste processo comprova que a comunicação com a vítima não foi feita pelo réu, mas sim por participantes da suposta organização que está sendo investigada no processo nº $[geral_informacao_generica].
Nos dois casos em questão foi utilizado o mesmo celular de número $[geral_informacao_generica], este número de telefone, QUE NÃO PERTENCE AO RÉU, foi utilizado diversas vezes e aparece em outros processos que investigam a suposta organização comandada por Thales e Thiago.
Verifica-se nos processos nº $[geral_informacao_generica] e $[geral_informacao_generica] a utilização do mesmo número telefônico $[geral_informacao_generica]. Essa prova torna incontestável que os golpes investigados nesses autos foram praticados pela organização ora supostamente comandada pelos outros réus.
E além disso, o réu não manteve em momento algum contato com as vítimas, e seus depoimentos comprovam isso. O contato foi apenas por WhatsApp, de acordo com a vítima $[geral_informacao_generica], e a vítima $[geral_informacao_generica] alegou tratar da compra com uma mulher que se passou por esposa do réu.
Nos autos do processo nº $[geral_informacao_generica], o Boletim de Ocorrência também é do ano de 2014 ($[geral_data_generica]), e nos autos do processo nº $[geral_informacao_generica], a vítima também afirma (fls. 114/115) que comprou um celular e não recebeu. O boletim de Ocorrência (fls.3/4) é datado de $[geral_data_generica]. Além disso o réu $[geral_informacao_generica] (fls.13/14) alega que “que emprestou sua conta corrente a um conhecido de nome $[geral_informacao_generica]” – que é réu nos autos nº $[geral_informacao_generica].
Os golpes investigados nesses autos são datados de $[geral_data_generica] e $[geral_data_generica]. Todos os boletins com datas próximas.
Em sede policial (fls. 119), o titular da linha telefônica, $[geral_informacao_generica], alegou conhecer os réus $[geral_informacao_generica] e $[geral_informacao_generica] e em momento algum citou o réu $[geral_informacao_generica].
Excelência, nota-se que na época dos fatos (2014) os responsáveis pela organização ainda usavam seus conhecidos, amigos e parentes para aplicação dos golpes, e como foi alegado pelo Delegado Dr. $[geral_informacao_generica] em depoimento (proc. nº $[geral_informacao_generica]), no começo a questão não era tão profissional, e o próprio Thiago chegou a utilizar sua conta corrente.
Da comprovação do Modus Operandi
Diversos conhecidos foram feitos de “laranja” sem conhecimento. O processo nº$[geral_informacao_generica] da comarca de $[geral_informacao_generica] traz fatos parecidos com as declarações deste processo, comprovando o modus operandi desta suposta organização. Em sentença penal condenatória (fls. 306) o M.M Juiz alega que
“Em juízo, a testemunha $[geral_informacao_generica] disse ter conhecido o réu durante a faculdade. Recebeu em sua conta bancária depósitos de três valores, dos quais efetuou a devolução. O réu lhe disse que tinha a própria conta bloqueada e lhe pediu para usar a dele (de $[geral_informacao_generica]). Isto se deu por volta dos anos de 2013 e 2014. Sacava o dinheiro dos depósitos e entregava ao acusado.[...] O primeiro não teria sido tão ingênuo a ponto de receber em sua própria conta bancária parte do pagamento referente à prática de uma fraude.”
No caso acima o responsável por emprestar sua conta bancária ($[geral_informacao_generica]) foi ouvido apenas como testemunha, pois desde o início concluíram que o mesmo apenas emprestou sua conta bancária de boa-fé para um colega, e não tinha noção da prática criminosa. Exatamente como no presente caso.
E mais uma comprovação do modus operandi é a narrativa sobre serem proprietários de um escritório de advocacia juntamente com seu pai e se utilizarem disto para ludibriar seus conhecidos. Essa narrativa encontra-se no próprio depoimento do réu em sede policial, (fls.55) bem como foi confirmado em depoimento (onde alega que $[geral_informacao_generica] dizia trabalhar com o pai – fls. 529, 32:00 min), confirmada pelo delegado Dr. $[geral_informacao_generica] (fls. 496/497), bem como no depoimento de $[geral_informacao_generica] em Sede Policial (fls. 119/121).
Das testemunhas
A testemunha de Defesa, $[geral_informacao_generica], confirmou em seu depoimento (fls. 529) que os réus possuiam um vínculo de amizade.
E tanto o acusado como sua testemunha confirmaram que o réu nunca trabalhou com venda de produtos provenientes do Paraguai.
O delegado Luiz Claudio Massa alega em depoimento no processo 0002137-75.2017.8.26.0319 que:
“o Thiago fez várias postagens na conta dele inicialmente, antes de descobrir que o golpe era bom, inclusive absurdamente o Thiago, posso estar errado que seja o Thales, mas é o Thiago, ele deu o golpe no melhor amigo dele que frequentava a casa, almoçava junto, filho de um delegado de polícia que me procurou desesperado, que ele foi no casamento, almoçava na casa, e que ele usou a conta do menino da seguinte forma, ele descobria, por ser amigo qual banco a pessoa tinha conta, obviamente no dia a dia, fácil de descobrir que conta nossa amigo tem, ele dizia que tinha que receber um valor, mas que precisava ser de tal banco e se o amigo não sabia quem tinha conta em tal banco, e o amigo tinha, e ai ele fez esse golpe nesse próprio amigo.”(15:00 min)
Em depoimento em audiência nestes autos (fls. 496/497) o Dr. Luiz Claudio Massa alega:
“Eu não tive contato pessoal com ele, então especificadamente sobre ele eu não sei, mas ele alega que foi levado a erro pelo Thales e pelo Thiago sem vantagem nenhuma, que eu não conheço não posso garantir que tenha sido isso, MAS NÃO DESCARTO PORQUE COMO EU DISSE, a grande maioria ficava com porcentagem, uns com 10%, outros com uma quantia específica, R$50,00, conforme a pessoa fosse mais simplória eles ludibriavam mais facilmente e davam menos, (6:50) MAS ALGUMAS PESSOAS, REPITO TAMBÉM, NÃO TINHAM DOLO, REALMENTE EMPRESTAVAM A CONTA GRATUITAMENTE porque eles vinham com essa cascata, como eles realmente tinham um escritório de advocacia grande, antes de cair a máscara deles eles passavam uma certa credibilidade. Então a conversa de várias pessoas que me procuraram que me contavam era essa “estudei com ele, sou primo de terceiro grau e ele me falou que tinha que receber um dinheiro de um cliente que era do banco do brasil e tava sem conta do Brasil e eu emprestei”
[...]
Então o caso específico desse rapaz eu não posso dizer que foi mediante algum pagamento ou se foi só mesmo porque ele foi ludibriado. (7:44)”
Constata-se que o próprio delegado responsável pela investigação não descarta a possibilidade do réu ter sido ludibriado pelos demais, pois era uma prática costumeira.
Dos bons antecedentes do réu
Nobre julgador, o réu é pessoa trabalhadora, e além de trabalhar como técnico de informática na época dos fatos também trabalha com locação de imóvel para eventos, conforme imagem abaixo. A propriedade em questão pertence ao réu. Os contratos anexados aos autos (fls. 515/528) comprovam as alegações:
Além disso, o réu é pessoa idônea, primário, não possui antecedentes criminais, sempre trabalhou de maneira honesta para prover seu sustento e de sua família e não se envolveria em condutas delitivas para receber “alugueis”, conforme narrado na denúncia. E além disso, nunca teve a intenção de causar mal a nenhuma vítima.
Todas as alegações foram feitas com base em provas colhidas nesta instrução processual. Os fatos aqui narrados são verdadeiros. Notório que réu não tem nenhum envolvimento com a suposta organização criminosa, bem como nunca negociou com as vítimas (o número utilizado nas negociações e os depoimentos provam isso). Além de não participar da organização, o réu assim como outras pessoas, emprestou seus dados bancário de boa-fé, visto que tinha amizade com os demais acusados (fato provado pelos depoimentos tanto dos réus como das testemunhas de defesa).
E diante de todo o relatado, salta aos olhos que não houve a intenção de ludibriar ou obter vantagem ilícita, existindo assim AUSÊNCIA DE DOLO por parte do mesmo, não restando configurado o crime de estelionato bem como sua participação em suposta organização criminosa.
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. AUSÊNCIA DA ELEMENTAR SUBJETIVA. DOLO. INEXISTÊNCIA DO FATO TÍPICO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. A ausência do dolo, consistente na intenção de fraudar, elementar subjetiva do crime de estelionato, deflagra a inexistência de infração penal (art. 386, III, CPC) e, portanto, impõe manter a absolvição do acusado. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJ-GO - APR: 03548278120078090076, Relator: DES. JOAO WALDECK FELIX DE SOUSA, Data de Julgamento: 05/04/2018, 2A CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: DJ 2489 de 19/04/2018).
APELAÇÃO CRIMINAL – ESTELIONATO – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – INSURGÊNCIA MINISTERIAL – PLEITO CONDENATÓRIO – …