Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE CIDADE - UF
Nome Completo, nacionalidade, estado civil, profissão, portador do Inserir RG e inscrito no Inserir CPF, residente e domiciliado na Inserir Endereço, por seu advogado, que está subscreve, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente
AÇÃO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
em face de RRazão Social, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no Inserir CNPJ, com sede na Inserir Endereço, pelas razões de fato e direito que a seguir passa a expor:
PRELIMINARMENTE
DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA ELEIÇÃO DO FORO PARA JULGAMENTO DA DEMANDA
Preliminarmente, cumpre destacar que a jurisprudência dominante reconhece a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em situações de revisão de cláusulas contratuais em operações de financiamento de veículos. Destaque-se a Súmula nº 297 do STJ, a qual dispõe que: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” sendo, portanto, conferido a parte Requerente o direito à revisão, inclusive por força do artigo 6º, inciso V, do referido código, que esclarece:
“Artigo 6º: São direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
Importante consignar também que incide no presente caso o princípio da inversão do ônus processual, previsto no mesmo referido artigo 6º, especificamente no inciso VIII:
“VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação, ou quando ele for hipossuficiente, segunda as regras ordinárias de experiências”.
Por fim, há de se esclarecer, no tocante a competência territorial que, uma vez tratando-se de relação amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, o inciso I, do artigo 101 do referido código, faculta à este o direito de propor ação no seu próprio domicílio, sobrepondo-se ao domicílio da parte Requerida, conforme segue:
“Artigo 101: Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas a seguintes normas:
I – A ação pode ser proposta no domicílio do Autor.”
Assim, requer de Vossa Excelência, seja determinada de plano a aplicabilidade do CDC com a consequente aplicação da inversão do ônus da prova, bem como o reconhecimento da Competência Territorial para análise da presente demanda.
DA CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA
Conforme se extrai dos documentos em anexo, a Requerente não possui condições financeiras de arcar com as custas e despesas processuais sem prejuízo de seus sustento e do sustento de sua família, já que sua renda mensal é toda comprometida com as despesas domésticas, o que permite concluir que trata-se de pessoa pobre na acepção jurídica do termo.
Assim, Requer seja concedido o benefício da justiça gratuita nos termos da Lei 1060/50 para que possa promover a presente demanda.
O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento no sentido de que, para a pessoa física fazer jus ao benefício da gratuidade de justiça, basta o seu requerimento anexado à petição inicial, senão vejamos:
"AGRAVO REGIMENTAL. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA FÍSICA. COMPROVAÇÃO DE MISERABILIDADE. DESNECESSIDADE. ÔNUS DA PARTE EX-ADVERSA PROVAR O CONTRÁRIO.1. No que toca à concessão de gratuidade de justiça, "para a pessoa física, basta o requerimento formulado junto à exordial, ocasião em que a negativa do benefício fica condicionada à comprovação da assertiva não corresponder à verdade, mediante provocação do réu. Nesta hipótese, o ônus é da parte contrária provar que a pessoa física não se encontra em estado de miserabilidade jurídica."
Caso, entretanto, os argumentos e documentos ora apresentados não sejam suficientes à concessão da gratuidade, requer o diferimento do pagamento das custas iniciais para o final da demanda.
Finalmente, cumpre registrar que o artigo 5º da Constituição Federal assenta que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República, dignidade essa que muitas vezes somente pode ser assegurada através do devido processo legal judicial.
Assim, reitera-se então o pedido de concessão dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita no presente caso.
DOS FATOS
A parte Requerente celebrou com a parte Requerida, contrato de operação de crédito bancário para financiamento, através do qual adquiriu o veículo automotor Informação Omitida, sendo a entrada o valor de R$ Informação Omitida), tendo como residual o importe de R$ Informação Omitida. O Importe residual foi liberado pela parte Requerida, que acrescendo de taxas, tarifas e impostos totalizou o valor de Informação Omitida, a serem pagos em Informação Omitida parcelas de R$ Informação Omitida.
A parte Requerente, à época da celebração do negócio jurídico, assinou o contrato apresentado pela parte Requerida, expert em contratos bancários de financiamento, sem que fossem questionadas as cláusulas contratuais, até porque sequer lhe fora apresentada possibilidade de questionamento, haja vista que lhe fora fornecido apenas a cédula de crédito bancário preenchida e, ainda que fosse o contrato, se trata de contrato de adesão.
Acreditava, a parte Requerente, que lhe haviam sido apresentadas as melhores condições do mercado por tratar-se de instituição financeira até então de sua confiança, e que os valores cobrados fossem efetivamente devidos. Contudo, no decorrer do cumprimento do contrato notou que a situação imposta pela parte Requerida, tornava-se demasiadamente onerosa, especialmente no que tange aos juros e taxas cobradas, incluindo algumas que sequer se faziam necessárias, já que não houve prestação do serviço.
Para melhor elucidar a abusividade e ilegalidade aplicadas no contrato, segue na planilha, os juros e demais encargos foram aplicados. Ademais, há cobrança de valores que sequer teve a contraprestação dos serviços, e ainda, serviços que são prestados de forma gratuita e venda casada com seguro, o que é terminantemente proibido:
Informação Omitida
Considerando que a parte Requerente não consegue de forma alguma resolver a questão de forma amigável com a parte Requerida, não lhe resta alternativa senão buscar a tutela do poder judiciário para salvaguardar seus direitos, conforme passará a demonstrar.
Importante salientar que não pretende a parte Requerente, com a presente, alterar cláusulas por ela assumidas no ato da assinatura do contrato, entretanto, pretende rever aquilo que lhe fora imposto abusivamente e sem respaldo legal.
Busca-se com a presente, a prestação de tutela jurisdicional para determinar o equilíbrio contratual entre as partes, haja vista a abusividade dos juros, taxas e serviços cobrados ilegalmente, do anatocismo, por ser medida de justiça.
DA ILEGALIDADE E ABUSIVIDADE DOS JUROS APLICADOS E DOS DEMAIS ENCARGOS
Conforme passaremos a demonstrar, o presenta caso padece de um mal chamado de anatocismo, que infelizmente vem sendo praticado há muito tempo por instituições financeiras, dentre elas a parte Requerida, que não pensou duas vezes em vincular a parte Requerente aos juros compostos.
A Ilustre Procuradora da República Valquíria Oliveira Quixadá, a respeito do anatocismo, se posicionou no seguinte sentido:
“A jurisprudência assentada no STF, no STJ e nos TRFs demonstra a validade da proibição da Lei de Usura. A proibição da capitalização dos juros nos contratos de empréstimo, a exemplo do cheque especial, financiamentos para habitação etc. ficou clara. No entanto, quando os bancos se viram derrotados saíram desesperados em busca de socorro ao governo, que prontamente os atendeu. Aliás, para tutelar os interesses dos banqueiros, o governo não se importou nem com os demais poderes, interferindo diretamente na competência do Poder Legislativo, com a edição de medida provisória sobre a matéria, e ainda desrespeitando e afrontando o Poder Judiciário, que, com o repúdio categórico ao anatocismo, tentou fomentar em seus julgamentos o resgate do equilíbrio na relação cliente/banco, já tão prejudicada com as taxas de juros praticadas, e que fica agora perdida com a imposição, pelo governo, da extorsiva cobrança de juros sobre juros”.
Sábias as palavras da Procuradora, que narra a questão com maestria. É justamente isso, uma situação vergonhosa. Note Vossa Excelência, o tamanho e o poder da parte Requerida comparado com o tamanho e poder da parte Requerente. Chega a ser absurda a diferença. Pior ainda o fato da parte Requerida, contar com ajuda que acaba lesionando milhares de cidadãos que ficam sem força alguma para manutenção de suas vidas cotidianas com dignidade.
Ademais, medidas provisórias editadas para viabilização de cobrança de juros capitalizados é inconstitucional. Cabe salientar a inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, mediante a qual foi reeditada e revigorada a Medida Provisória nº 1.963-17, de 30 de março de 2000, que decorre tão somente do fato de sua edição ter sido levada a cabo pelo Executivo Federal sem observância do que preceitua o artigo 62, caput, da Constituição Federal, posto que não se identificam os pressupostos constitucionais autorizadores de sua emissão.
A citada Medida Provisória dispõe sobre a administração dos recursos do Tesouro Nacional, o que autoriza a conclusão de que, ao dar providências sobre a capitalização de juros para as instituições financeiras, o fez com vistas a atender os interesses econômicos destas, afrontando os princípios que devem balizar a atuação da Administração Pública, insculpidos no artigo 37, caput, da Lei Maior.
Muito menos nela se vislumbra, ainda, a urgência em estabelecer-se a legalidade da cobrança dos famigerados juros capitalizados, constatando-se apenas a premência e a relevância da matéria para as instituições financeiras, únicas beneficiadas pela regra, sem cuja pressão não teria vindo a lume a Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003, que alterou a redação do artigo 192 da Carta Republicana, suprimindo lhe o § 3º, que dispunha que aquelas instituições não poderiam cobrar, nos contratos que viessem a celebrar, juros que extrapolasse o teto de 12% ao ano.
A inconstitucionalidade da referida Medida Provisória evidencia-se, também, quando se leva em consideração que, à época de sua edição em 2001, ainda estava em vigor o citado § 3º do artigo 192 da Constituição Federal, assim como o Decreto nº 22.626, de 07 de abril de 1933 (Lei de Usura), não se podendo olvidar a sobrevinda em 2002, do novo Código Civil, de cujo artigo 591 se extrai a continuidade da vedação da capitalização dos juros, consubstanciando, qualquer entendimento oposto, ofensa ao princípio da isonomia (art. 5º, caput e inciso I, da CF), como, outrossim, aos princípios da função social do contrato (art. 421 do CC), da função social da empresa e da cláusula geral de boa-fé objetiva (art. 422 do CC).
Em suma, o Poder Executivo Federal, terminou por extrapolar o permissivo constitucional, no caso, o artigo 62 da CF, visto que tratou de matéria antiga, onde não havia pressa alguma, eis que a capitalização de juros é matéria que remonta à época do antedito Decreto nº 22.626/33, não se podendo olvidar que a situação se agrava quando se tem em conta que a prática do anatocismo em contratos bancários tem implicações numa gama expressiva de relações jurídicas.
Portanto, em virtude de cuidar-se de questão que guarda relação de prejudicialidade com o meritum causae, fica assentada a premissa de que a Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, mercê de sua absoluta desconformidade e incompatibilidade com a Constituição Federal em vigor é, portanto, inconstitucional.
Inconstitucionais, também, as Resoluções nas quais se estribam as instituições financeiras para cobrar de seus clientes, no ato da contratação de seus serviços e produtos, quaisquer tarifas ou valores, podendo-se exemplificar através da tarifa de abertura de cadastro ou de crédito (TAC), a tarifa de emissão de carnê ou boleto (TEC ou TEB) ou ainda tarifa de cobrança bancária (TCB), serviços prestados por terceiros, tais como seguro de proteção financeira, taxa de registro no Detran ou taxa de gravame e taxa de avaliação do veículo financiado, além de comissão de permanência, pelas seguintes razões:
(i) primeiro, porque, via de regra, não previstos contratualmente;
(ii) segundo, em razão de serem nulas de pleno direito, eis que, além de sua unilateralidade, colocam o consumidor em situação de excessiva desvantagem e onerosidade no contrato, sendo patente e flagrante a abusividade de sua cobrança; e
(iii) terceiro, em decorrência da prestação desses serviços estar afeta e ser inerente à atividade empresarial e econômica desenvolvida pelos bancos e demais instituições financeiras, não sendo lícito e legal que esses custos sejam repassados aos consumidores, tão somente porque tal prática, durante algum tempo, foi reconhecida como legítima pelo Banco Central, passando a não sê-lo, com a edição de novas Resoluções ulteriormente ao ano de 2008.
Trata-se de direito fundamental, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II, da CF), preceptivo constitucional que consagra o princípio da legalidade, de acordo com o qual a lei, no seu sentido material e formal, é elemento constitutivo do Estado Democrático de Direito, moldando e balizando a vida jurídica da sociedade.
Nessa ordem de reflexão, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade de toda e qualquer Resolução do Banco Central autorizadora da cobrança de tarifas e serviços que tais, devendo os respectivos serviços e procedimentos a elas atrelados correr às expensas exclusivas das instituições financeiras, as quais, ao promoverem sua cobrança indiscriminada, malferem princípios consagrados constitucionalmente, implícita ou explicitamente, máxime o da isonomia e o da função social das empresas, relevando lembrar o que reza o artigo 170 da CF: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V defesa do consumidor”.
Na esteira dessas considerações, deve ser acrescentado ainda que o caso vertente está sujeito às disposições e princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, posto que o vínculo jurídico existente entre as partes litigantes encerra, iniludivelmente, nos expressos termos do artigo 3°, caput e § 2°, daquele codex, relação de consumo. A outra conclusão não se poderia chegar diante da evidente condição do réu de fornecedor de serviço de crédito à parte ativa/consumidor com o desiderato de propiciar-lhe a aquisição de um veículo automotor.
A propósito, pontificou o II Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, realizado em de março de 1994, que “o crédito e a poupança popular integram o conceito de serviço nos termos do artigo 3°, § 2°, do CDC” (cf. Direito do Consumidor, volume 13, Editora Revista dos Tribunais, p. 203), não discrepando desse entendimento as mais abalizadas doutrina e jurisprudência, não se podendo olvidar do enunciado da Súmula nº 297 do egrégio Superior Tribunal de Justiça, vazada nos seguintes termos, in verbis: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Em suma, a relação existente entre as partes litigantes é de consumo, estando a espécie sob a égide dos princípios e ditames da Lei Federal n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, o que vale dizer que o contrato firmado deve sujeitar-se ao regime estatuído por aquele diploma legal.
Significa dizer que a parte Requerida está obrigada à observância incondicional dos princípios da transparência, da boa-fé objetiva, da confiança, da probidade e da equidade contratual, assim como à proibição de estipulação de cláusulas abusivas.
Posto isso, cumpre assinalar que a avença firmada pelas partes cuida-se, inquestionavelmente, de nítido contrato de adesão, conceituado pelo artigo 54 da Lei Protetora do Consumidor como aquele “cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
É público e notório, fazendo-se prescindível, nos expressos termos do artigo 334, inciso I, do Estatuto Adjetivo Civil, a produção de qualquer prova com vistas à demonstração desse fato, que os contratos similares àquele ao qual aderiu a parte Requerente constituem-se de cláusulas e condições uniforme e unilateralmente preestabelecidas pela parte Requerida.
Em assim sendo, é fato incontroverso que ao consumidor não foi dada a oportunidade, quando da celebração do pacto cuja revisão aqui se almeja, de se pronunciar e discutir indigitadas cláusulas e condições, não lhe restando alternativas senão a de aceitá-las sem qualquer possibilidade de questionamento a respeito de seu conteúdo.
Diante da nítida realidade, imperiosa se faz a pronta interveniência do Estado-Juiz com vistas a afastar as iniquidades, abusividades e injustiças ínsitas em cláusulas que tais, não havendo que se invocar na espécie os princípios contratuais da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) e da intangibilidade – em função do princípio da autonomia da vontade das partes contratantes.
Aliás, o controle judicial das cláusulas que compõem os contratos de adesão é decorrência lógica dos princípios informativos e inspiradores do Estatuto Consumerista.
Assim, em vez de admitir a presumida igualdade das partes contratantes, é preciso, em relação ao contrato de adesão, atender à situação peculiar do aderente, ao qual não foi oferecido ensejo de discutir as cláusulas contratuais, devendo, pois, o mesmo contar com a proteção especial do legislador e do Poder Judiciário.
A jurisprudência brasileira tem entendido que nos contratos de adesão cabe ao Juiz fiscalizar a execução das prestações de acordo com os princípios da boa-fé, conforme salientou o Ministro Orozimbo Nonato (RE nº 11.947/49, p. 2.184).
Por sua vez, a doutrina nacional tem salientado que na falta de remédio legislativo, para o contrato de adesão “o juiz haverá de extrair do princípio da boa-fé dos contratos, na sua mais ampla acepção, a solução para coibir abusos a que se presta, tutelando, com a invalidação das cláusulas iníquas, o aderente” (v. Orlando Gomes, Contrato de Adesão, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1972, p. 161).
Não tendo a parte Requerente opção de discutir as condições de sua obrigação, natural que a ela deva, em decorrência dessa situação, ser outorgada proteção especial.
A parte Requerida fez incidir, no cálculo das prestações do financiamento encargos financeiros e contratuais a um só fôlego abusivos e ilegais, sobrelevando a cobrança de juros anuais estipulados acima do teto legalmente permitido de 12% e ainda os capitalizou exponencialmente.
No ato da contratação a parte Requerida cobrou, ao arrepio do ordenamento jurídico pátrio, os encargos contratuais e financeiros capitalizando-os exponencialmente e no percentual superior a 12% ao ano, das tarifas, dos serviços prestados por terceiro e da comissão de permanência denunciados pelo financiado, nenhuma dúvida restando em relação ao fato de que, para quantificação das parcelas do financiamento, lançou mão da famigerada Tabela Price (Sistema Francês de Amortização), o que, por si só, já implica na utilização de método e critério de matemática financeira para amortização de dívidas que, diferentemente daquele usado com a aplicação da Tabela Gauss, enseja a prática usurária do anatocismo, consistente na cobrança de juros sobre juros (juros compostos).
Sendo assim, a cobrança de juros capitalizados exponencialmente não encontra fomento jurídico em nossa legislação, mas, ao revés, esbarra no preceito ínsito no artigo 4º do Decreto nº 22.626/33, preceptivo legal que não foi, de modo algum, ab-rogado ou derrogado por qualquer norma infraconstitucional vigente em nosso ordenamento jurídico, mas, ao contrário, sem sombra de dúvida foi recepcionado pela nova ordem constitucional instaurada como o advento da Constituição Federal de 1988.
Ademais, não há como se aceitar a tese sustentada pelas instituições financeiras no sentido de que não se sujeitam aos preceitos da Lei de Usura, uma vez que ela afronta o princípio isonômico, constitucionalmente consagrado, já que atribui aos bancos faculdade defesa a contratantes que não integram o Sistema Financeiro Nacional, o que é intolerável e inadmissível, em um Estado Democrático e de Direito e que, por isso mesmo, tem como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana e, como seus objetivos precípuos, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades sociais, a promoção do bem estar de todos e garantir, conforme os ditames da justiça social, uma existência digna mediante a observância do princípio da defesa do consumidor (artis. 1º, caput, inciso III, e 170, caput, inciso V, da Lex Fundamentalis).
Destarte, deve ser reconhecida a recepção, pela ordem constitucional instaurada em 1988, do antedito artigo 4º da Lei de Usura, que veda, expressamente, a cobrança de juros compostos por quem quer seja, não excepcionando as instituições bancárias e financeiras de seu campo e âmbito de incidência, para o fim de reconhecer que a avença celebrada pelas partes litigantes deve ser revista.
O Anatocismo execrado pelo enunciado da Súmula 121 do egrégio Supremo Tribunal Federal não guarda qualquer relação com o verbete da Súmula 596, sendo inúmeros os precedentes tanto do Pretório Excelso como do colendo STJ nesse sentido, ou seja, de que a vedação da capitalização de juros se estende também às instituições financeiras (cf. RSTJ 13/352, 22/197, 38/471; RTJ 92/1.341, 98/851, 108/277, 124/616; STF - Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP 1.343/218), não se podendo esquecer o que preceitua o artigo 591 do Código Civil de 2002, ou seja, que “destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o artigo 406, permitida a capitalização anual”.
Em suma, o agasalhamento in totum da pretensão ora deduzida erige-se em imperativo de justiça, observando-se, inclusive, a impossibilidade da cumulação de comissão de permanência com outros encargos como juros remuneratórios ou correção monetária ou juros de mora, tendo pontificado o Egrégio STJ que “confirma-se a jurisprudência da Corte que veda a cobrança de comissão de permanência com os juros moratórios e com a multa contratual, vedada a sua cumulação com correção monetária e com os juros remuneratórios, a teor das Súmulas 30, 294 e 296 da Corte” (Agravo Regimental no Recurso Especial nº 712.801-RS, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 27/04/2005, v.u., DJU 04/05/2005, pág. 154).
Anote-se que, mesmo que assim não fosse, em decorrência de o percentual desse encargo ser estabelecido em prol exclusivamente do credor, onerando deveras o devedor, tal estipulação, se por acaso prevista no contrato é fulminada de nulidade, isso em função do que reza o artigo 51, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor, afigurando-se oportuno, a propósito desta questão, o escólio do ínclito jurista Sérgio Shimura, segundo o qual “cobra-se a chamada ‘comissão de permanência’ porque o banco credor está esperando que o mutuário lhe pague. Ora, pelo passar do tempo, tem ele a seu favor a correção monetária plena, juros e multa. Pela permanência do dinheiro com o cliente, sem paga do título correspondente, já se estipularam verbas a que correspondem causas econômicas reais: multa e juros. Contra a inflação já há correção monetária. Então, o que se denominou ‘comissão de permanência’ não tem causa” (in Título Executivo, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, pp. 295-296).
Nesse diapasão, a comissão de permanência não deve ser cobrada em hipótese alguma, devendo o réu, em face do que prescrevem os artigos 940 do Código Civil e 42, parágrafo único, da Lei Federal nº 8.078/90, também devolver em dobro para o financiado o numerário que eventualmente lhe cobrou a esse título, inclusive aquele que desembolsou à guisa de pagamento de tarifas ou valores (tarifa de abertura de cadastro ou de crédito (TAC), tarifa de emissão de carnê ou boleto (TEC ou TEB) ou ainda tarifa de cobrança bancária (TCB), serviços prestados por terceiros, tais como seguro de proteção financeira, taxa de registro no Detran ou taxa de gravame e taxa de avaliação do veículo financiado etc., além de comissão de permanência), porquanto essas despesas estão inextricavelmente vinculadas à atividade empresarial e econômica desenvolvida pelas instituições financeiras, não podendo ser repassadas aos consumidores, reitere-se, tratando-se de prática vedada e defesa pelo artigo 51, incisos IV e XII, do CDC.
Além dos fundamentos acima descritos, outros há lastreados na legislação e na jurisprudência, que também indicam a ilegalidade e abusividade da cobrança de tarifas, de taxas, de serviços e de valores inseridos pelo réu no contrato de financiamento à total revelia da parte Requerente, como se demonstrará a seguir.
DA EXORBITÂNCIA DOS JUROS APLICADOS ACIMA DA MÉDIA DE MERCADO
Não se pode olvidar que são direitos básicos da parte Requerente a informação, de modo a expressar a boa-fé nas relações contratuais, e também a transparência nas relações de consumo, em observância ao disposto no art. 4º do CDC, que tem por finalidade tutelar a dignidade da pessoa humana e seus interesses econômicos, princípios esses constitucionalmente assegurados pela Magna Carta de 1988.
É dever da parte Requerida, manter a parte Requerente assim como todo consumidor, informados de maneira adequada e permanentemente sobre todos os aspectos da relação contratual, o que não ocorreu no caso em tela, na medida em que não foi cientificada das taxas de juros manifestamente abusivas das ordens de Informação Omitida, na cláusula Informação Omitida.
Ainda assim, a parte Requerida não respeitou o disposto no artigo 6º, inciso III, do CDC, restringindo o direito do autor de informação prévia e adequada, em relação aos percentuais de juros cobrados no contrato, mensal e anualmente, de forma capitalizada.
Os juros são manifestamente abusivos, uma vez que a taxa média de juros vigente à época do contrato para aquisição de veículos, segundo informação obtida junto ao endereço eletrônico do Banco Central, aplicada, foi de Informação Omitida% ao mês, conforme se verifica pelo documento em anexo, percentual imensamente inferior à taxa mensal aplicada ao contrato objeto da presente demanda. Assim, caso não seja aplicado entendimento da limitação dos juros citada no parágrafo anterior, que seja aplicada então a média daquele período.
O direito da parte Autora, em rever o contrato de forma a se estabelecer o equilíbrio das respectivas relações contratuais que manteve com a parte Ré, possibilitando o seu devido cumprimento, se encontra resguardado pelo disposto no art. 6º, inciso IV do CDC, que dispõe, ipsis litteris:
De forma a propiciar efetiva aplicação ao que dispõe o dispositivo supra transcrito, o art. 39, inciso V da mesma lei, veda ao fornecedor de produtos e serviços que este exija do consumidor vantagem exagerada, cuja ocorrência se verifica no caso dos autos.
Frise-se também que a nulidade das cláusulas ilícitas e abusivas indicadas no art. 51 do CDC são aplicáveis ao contrato de adesão, como no caso em tela, em virtude da previsão geral, de norma de proibição de cláusulas que atentem contra a boa-fé pactual, na qual todo e qualquer contrato deve se pautar.
Da leitura do dispositivo supra transcrito e de sua interpretação literal, extrai-se que as cláusulas que estabelecem obrigações iníquas e abusivas e que coloquem a autora em exagerada desvantagem, fixando o preço de forma unilateral e incidência de juros abusivos, são nulas de pleno direito, assim como se sucede no caso em exame.
DA ILEGALIDADE DA COBRANÇA DE SERVIÇOS DE TERCEIROS SEM DISCRIMINAR E COMPROVAR TAIS SERVIÇOS
A cobrança de tarifas pela prestação de serviços de terceiros, sem especificar no contrato quais seriam esses serviços, por se tratar de uma cobrança genérica, …