Petição
Exmo. Sr. Juiz Federal da Única Vara do JEF Cível Adjunto de CIDADE/UF
Nome Completo, nacionalidade, estado civil, deficiente, CPF Inserir CPF, Identidade RG n° Inserir RG, neste ato representada por seu curador, seu genitor, Sr. Nome do Curador, nacionalidade, estado civil, profissão, portador do RG n° Inserir RG e do CPF nº Inserir CPF, domiciliada na Inserir Endereço, por seus procuradores infra-assinados, Dr. Nome do Advogado – OAB/ Número da OAB, ambos com escritório na Endereço do Advogado (e-mail: E-mail do Advogado), onde recebem intimações, vem propor a presente
AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
em desfavor do INSS – INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, CNPJ nº Inserir CNPJ, estabelecido na Inserir Endereço, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:
1 - FATOS
A Autora recebe o benefício Amparo ao Deficiente (NB 87/116.140.597-3, com DIB em 27/03/2000).
Tal benefício foi cessado e posteriormente restabelecido através do processo judicial nº Informação Omitida, conforme acordo homologado por este r. JEF Cível Adjunto:
No dia 25 de novembro de 2014, às 10h, nesta cidade de Ponte Nova- MG, na sala de audiências da Vara Única da Subseção de Ponte Nova - MG, onde se encontrava Informação Omitida.
Iniciados os trabalhos, as partes chegaram ao seguinte ACORDO: o INSS restabelecerá à parte autora o benefício de ampora assistencial (LOAS), com DIP na DIB (DCB) em 01/01/2014, comprometendo-se a autarquia a implantar o referido benefício no prazo de 30 (trinta) dias, independente de notiicação, e a pagar administrativamente, no mesmo prazo, o valor relativo às prestações pretéritas.
Ocorre que a parte Autora recebeu notificação do INSS informando que em razão de supostamente ter recebido o benefício indevidamente em alguns períodos, a Demandante possui um débito de R$ 62.833,97 (sesssenta e dois mil oitocentos e trinta e três reais e noventa e sete centavos) para com o INSS e concedendo o prazo de 60 dias para que a Autora efetue o pagamento do débito, optando pelo pagamento de guia única expedida pelo INSS ou de parcelamento do débito.
Ocorre que não é possível que o INSS efetue qualquer outra providência para cobrar os valores recebidos pela Demandante no benefício, eis que se tratam de verba alimentar recebida de boa-fé e algumas já prescritas.
Nessa toada, destaca-se que atualmente está recebendo o mesmo benefício restabelecido judicialmente.
ESTAMOS FALANDO DE FAMÍLIA EXTREMAMENTE HUMILDE, SEM CONDIÇÕES MÍNIMAS E QUE AINDA LUTA PARA DAR UMA VIDA DIGNA À AUTORA, QUE ALÉM DE DEFICIENTE MENTAL, POSSUI DEFICIÊNCIA VISUAL E AUDITIVA!
Dessa forma, a parte Autora vem pleitear judicialmente a declaração de inexistência de débito, a determinação para que o INSS se abstenha de efetuar providências para a cobrança da divida em litigio, em especial para que o INSS não inscreva a parte Autora em divida ativa, nem efetue descontos no benefícios assistencial titularizado pela Demandante, bem como restitua de valores que porventura venham a ser descontados em benefício recebido pela Autora.
2 - MÉRITO
- DA IRREPETIBILIDADE DAS VERBAS DE NATUREZA ALIMENTAR RECEBIDAS DE BOA-FÉ
A Autora interpôs Recurso, julgado pela 07ª Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, que manteve a decisão da Autarquia.
Tal irregularidade teria residido no fato de ter recebido benefício após superação de renda per capta nos seguintes períodos:
[...] Informação Omitida
Com a vênia que merece a Gerência Executiva da Autarquia Federal, foi equivocada a conclusão de irregularidade, inclusive tendo sido tal benefício RESTABELECIDO JUDICIALMENTE através de acordo no Processo citado acmia.
Outrossim, o pagamento supostamente indevido de valores pela Previdência Social ao segurado, pode se dar basicamente em duas ocasiões: por erro administrativo do INSS; ou em função de determinação judicial emanada em sede de antecipação de tutela, isto é, antes da sentença/acórdão transitar em julgado.
Quando o segurado comparece a uma agência ou posto de atendimento do INSS e dá entrada em seu requerimento de concessão de benefício previdenciário ou assistencial, é instaurado um expediente administrativo. Nos respectivos autos administrativos devem ser juntadas e produzidas, pelo segurado, as provas quanto ao cumprimento dos requisitos legais para a concessão do benefício previdenciário então pretendido.
Após, o INSS aprecia o conjunto probatório e, ao final, emite decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de benefício previdenciário elaborado pelo segurado. Da abertura do processo até essa decisão administrativa, houve a prática de uma série de atos administrativos.
Por seu turno, ato administrativo - em que pese suas diversas perspectivas e formas de definição – pode ser conceituado, como:
“[...] declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.
Porém, por ser menos abrangente, prefere-se adotar a conceituação dada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no sentido de que ato administrativo é:
“[...] a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle do Poder Judiciário”.
Sob esse prisma, pode-se dizer que o ato administrativo é um ato jurídico, pois através dele o Estado externaliza sua vontade e este produz um determinado efeito abrigado pelo direito. Não obstante, para gerar esse efeito jurídico, não há de se olvidar que o ato administrativo “deve ser perfeito (cumprir todas as etapas de sua formação), válido (não contrastar com o ordenamento) e eficaz (não estar sob qualquer condição que constranja seus imediatos efeitos)”, sob pena de ensejar anulação.
Destarte, conclui-se que, quando um ato administrativo não for perfeito, válido ou eficaz, houve erro administrativo. Portanto, trazendo para o caso em tela, é importante esclarecer que só há pagamento indevido de valores previdenciários por erro administrativo porque a própria Previdência Social, no exercício de suas atividades, praticou algum ato administrativo eivado de vícios.
Nessa senda, faz-se alusão às ementas abaixo, correspondentes a decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), as quais demonstram o seu entendimento acerca da inviabilidade da restituição de valores previdenciários indevidos ao segurado, conforme se vislumbra:
“AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DO BENEFÍCIO EM URV. VIOLAÇÃO LITERAL A DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 20 DA LEI N° 8.880/94. TERMO "NOMINAL". RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. IMPOSSIBLIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS. PRECEDENTES.
I - A Terceira Seção já decidiu que a sistemática de conversão dos valores nominais dos benefícios prevista pelo art. 20 da Lei n° 8.880/94 assegura a irredutibilidade e a preservação do valor real dos benefícios previdenciários.
II - É indevida a restituição dos valores recebidos a título de conversão da renda mensal do benefício previdenciário em URV por se tratar de benefício previdenciário, que tem natureza alimentar.
Valores sujeitos ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Ação rescisória procedente. Pedido de restituição indeferido”. (Grifado)
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE DE SEGURADO. FILHA MAIOR DE 21 ANOS DE IDADE. PERDA DA QUALIDADE DE BENEFICIÁRIA. EXTINÇÃO DO BENEFÍCIO. CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.[...]
4. Não há falar, portanto, em restabelecimento da pensão por morte à beneficiária, maior de 21 anos e não-inválida, uma vez que, diante da taxatividade do diploma legal citado, não é dado ao Poder Judiciário legislar positivamente, usurpando função do Parlamento.
5. A Terceira Seção desta Corte, no âmbito da Quinta e da Sexta Turma, firmou entendimento no sentido da impossibilidade da devolução, em razão do caráter alimentar dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário. Aplica-se, in casu, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido”. (Grifado)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. BOA-FÉ. RECEBIMENTO. REMUNERAÇÃO. REPOSIÇÃO. ERÁRIO. DESCABIMENTO. 1. Segundo a orientação jurisprudencial pacificada no âmbito desta Corte Superior, descabe a reposição dos atrasados percebidos por servidor público que, de boa-fé, recebeu em seus proventos ou remuneração valores advindos de errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração, mostrando-se injustificado o desconto. 2. Agravo regimental improvido”. (Grifado)
Depreende-se da última ementa, por oportuno, que o caso concreto envolve servidor público. Contudo, ressalva-se que os fundamentos ali postos para a não restituição dos valores pagos indevidamente são plenamente cabíveis nos casos que envolvem o segurado do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), pois em ambas as situações, o que importa é que a verba em discussão seja proveniente de proventos/remuneração.
Além de comprovar que a jurisprudência hodierna tem interpretação cediça quanto à inviabilidade da restituição dos valores previdenciários pagos indevidamente pelo INSS ao segurado, a transcrição das ementas acima permite concluir que esse entendimento se dá a partir da análise da existência de: errônea interpretação ou má aplicação da lei por parte da Administração Pública, in casu INSS; bem como da presença da boa-fé do beneficiário. Presentes esses dois requisitos circunstanciais, sob a ótica jurisprudencial, a restituição é indevida em atendimento ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
DA ERRÔNEA INTERPRETAÇÃO OU MÁ APLICAÇÃO DA LEI
Tanto a errônea interpretação quanto a má aplicação de lei constituem inquestionável erro administrativo.
Sabidamente as atividades da Previdência Social, enquanto autarquia federal, estão adstritas aos princípios norteadores do Direito Administrativo, em especial, ao princípio da legalidade. Quando, na prática de seus atos, a autarquia previdenciária interpreta de forma equivocada a lei (em sentido amplo), verdadeiramente está indo contra o princípio da legalidade.
Da mesma forma, a má aplicação de lei, ou do direito, implica também em afronta ao princípio da legalidade.
Salienta-se que, quando ocorre errônea interpretação de lei (e também má aplicação da lei), o erro administrativo pode ser facilmente detectado em um ato administrativo qualquer, como bem se depreende do parecer da Advocacia Geral da União (AGU), cujo trecho segue transcrito:
“A errônea interpretação da lei deve estar expressa em um ato qualquer da Administração: uma norma legal de hierarquia inferior à lei (decreto, portaria, instrução normativa), um despacho administrativo, um parecer jurídico que tenha força normativa. Da mesma forma, a mudança de orientação, após constatado o equívoco”.
Destarte, facilmente o Judiciário verifica a existência de erro administrativo do INSS em função de errônea interpretação ou má aplicação de lei, de modo que, em regra, sua ocorrência resta inequívoca e incontroversa. Ou seja, não é necessário um maior esforço para fique comprovada a ocorrência de errônea interpretação ou má aplicação da lei por parte do ente estatal, como no caso em discussão.
DA BOA-FÉ DO SEGURADO/ASSISTIDO
O entendimento ora adotado é no sentido de boa-fé bipartida em subjetiva e objetiva, sendo a boa-fé objetiva uma regra de conduta dos partícipes nas relações jurídicas obrigacionais, tendo necessariamente como seu habitat natural um sistema aberto que lhe permita estar sempre em construção, pois a boa-fé objetiva possui teor indeterminado, ajustável ao caso concreto por meio de valores e argumentos a serem utilizados na composição de determinada decisão jurídica.
Nessa esteira, colaciona-se definição de boa-fé objetiva de autoria de Teresa Negreiros, in verbis:
“Aqui se trata de uma boa-fé denominada objetiva, que consiste num dever de conduta contratual ativo, e não mais de um estado psíquico do agente. Com efeito, a boa-fé objetiva, como dever jurídico que é, obriga a uma certa conduta ao invés de outra, não se limitando a operar como uma justificativa para um determinado comportamento”.
Por seu turno, a boa-fé subjetiva indubitavelmente se refere à uma “condição psicológica," a um estado de consciência íntimo, de cada indivíduo, à qualidade reportada ao sujeito, indicando, por conseguinte, em um primeiro momento ignorância.
Por ser uma condição psicológica do indivíduo, não implicando em um modelo de conduta, arquétipo ou standard jurídico, boa-fé subjetiva, de acordo com Teresa Negreiros, pode ser vista como uma ignorância, uma crença errônea do indivíduo que desconhece as circunstâncias do ato que praticou.
“[...] da chamada boa-fé subjetiva, que não implica a configuração de uma regra de conduta, mas apenas de um estado psicológico (daí o subjetivismo) do agente. Nestes casos, subjetivamente considerada, a boa-fé pode ser caracterizada como crença errônea; credulidade daquele que desconhece as reais circunstâncias do ato praticado”.
Quer dizer, na boa-fé subjetiva, a intenção do indivíduo é primordial, uma vez que importa em agir de forma a ter consciência de que a conduta praticada não é nociva à outra parte envolvida na relação jurídica. Nas palavras de Alinne Arquette Leite Novais, “boa-fé subjetiva corresponde ao estado psicológico da pessoa à sua intenção, ao seu convencimento de estar agindo de forma a não prejudicar outrem na relação jurídica”.
Feitas essa considerações, pode-se concluir que, quando o julgador não autoriza a restituição dos valores pagos indevidamente pelo INSS, por erro administrativo, ao segurado, sob o fundamento de que o mesmo os recebeu de boa-fé, assim o faz concebendo a boa-fé na sua vertente subjetiva.
Aliás, parte-se do pressuposto que o beneficiário agiu de boa-fé. Afinal de contas, geralmente o segurado é pessoa que detém parco aporte intelectual para ter absoluto discernimento de seus atos e direitos. A isso, soma-se uma legislação previdenciária extremamente esparsa, complexa e em movimento.
SERIA INCONSEQUENTE PRESUMIR QUE A BENEFICIÁRIA OU SUA FAMÍLIA TEVE CIÊNCIA DAS COMPLEXAS REGRAS MATEMÁTICAS QUE EMBASARAM O CÁLCULO DOS VALORES DA RENDA PER CAPTA, JÁ QUE FORAM NA AGÊNCIA SABER DO DIREITO...E HOUVE CONCESSÃO!
E NÃO É SÓ QUESTÃO DE CÁLCULO DE VALORES. OS PRÓPRIOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E ASSISTENCIAIS POSSUEM REQUISITOS ESPECÍFICOS QUE CERTAMENTE CONFUNDE OS PENSAMENTOS DE QUEM NÃO TEM UM MÍNIMO DE CONHECIMENTO JURÍDICO.
Nesse caso, não é crível presumir que a segurada/assistida não agiu de boa-fé. Por salutar, colaciona-se lição do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello sobre agir de boa-fé, conforme segue:
“O que é, pois, agir de boa-fé?
É agir sem malícia, sem intenção de fraudar a outrem. É atuar na suposição de que a conduta tomada é correta, é permitida ou devida nas circunstâncias em que ocorre. É, então, o oposto da má-fé, a qual se caracteriza como o comportamento consciente e deliberado produzido com o intento de captar uma vantagem indevida (que pode ou não ser ilícita) ou de causar a alguém um detrimento, um gravame, um prejuízo, injustos”.
No caso em tela, a boa-fé exigida do segurado é aquela da conduta não maliciosa, compatível com a visão de boa-fé subjetiva, de modo que não se impõe o cumprimento de qualquer dever anexo, esse último relacionado à noção de boa-fé objetiva.
Por isso, a consolidada jurisprudência, como já explicitado anteriormente, defende que a conduta maliciosa do segurado tem de restar comprovada de forma inarredável para que haja a restituição dos valores percebidos indevidamente, o que torna a boa-fé em elemento essencial para que se verificar se há ou não dever de restituir os cofres previdenciários em caso de recebimento de valores indevidos.
DO PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS
Como já exposto, a doutrina e a jurisprudência pátrias entendem que, havendo boa-fé por parte do segurado, os valores percebidos indevidamente a título de benefício previdenciário ou assistenciais não devem ser restituídos à Previdência Social, sobretudo, em respeito ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Quer dizer, consagrada está a noção de que valor previdenciário tem natureza alimentar.
Partindo da noção predominante de que verba previdenciária é verba alimentar, havendo boa-fé do segurado, o princípio da supremacia do interesse público e todos os demais fundamentos em prol da ideia de viabilidade de restituição de valores restam extremamente relativizados pelo princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Nota-se, portanto, a importância e relevância dessa norma. E não havia como ser diferente.
A irrepetibilidade dos alimentos se constitui num princípio consagrado no direito brasileiro. Como bem destaca Maria Berenice Dias, “talvez um dos mais significativos” a nortear o tema dos alimentos.
Não por outra, a verba em questão tem o condão de garantir a sobrevivência digna do indivíduo e de sua família ou, nas palavras de Wladimir Novaes Martinez, garantir as “despesas mínimas indicativas da respeitabilidade humana”. Dessa forma, não é admissível pretender que seja devolvida.
Na mesma proporção de sua relevância, destarte, está a singeleza e clareza da compreensão do sentido da irrepetibilidade dos alimentos. Entretanto, ao mesmo tempo que é singela a compreensão no tocante ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos, é bastante difícil sua sustentação, o que se dá, segundo Maria Berenice Dias, em função da obviedade que o cerca.
“Como se trata de verba que serve para garantir a vida e se destina à aquisição de bens de consumo para assegurar a sobrevivência, inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade é tão evidente que até é difícil sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio. Provavelmente por esta lógica ser inquestionável é que o legislador não se preocupou sequer em inseri-la na lei. Daí que o princípio da irrepetibilidade é por todos aceito mesmo não constando do ordenamento jurídico”.
Notadamente Maria Berenice Dias, no texto acima, tratava dos alimentos no âmbito do Direito de Família.
Na seara previdenciária, é igualmente inconcebível sustentar a devolução dos alimentos, especialmente, levando-se em consideração o pagamento indevido do INSS por erro administrativo e estando o segurado de boa-fé, uma vez que, como já enfatizado, se os alimentos se prestam à manutenção da sobrevivência digna do indivíduo, não haveria de se determinar a sua devolução, sob pena de afronta à garantia da dignidade humana, constitucionalmente consagrada, conforme já referido nesse estudo, quando se abordou a natureza dos valores previdenciários.
Destarte, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, por derivar diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana e, por visar, em primeira e última análise, a manutenção do direito à vida, deve ser observado com prevalência em relação a outras normas jurídicas que não possuem esse mote quando conflitantes.
Aliás, esse caráter inexorável de manutenção da vida e de garantia de dignidade humana que possui os alimentos é que o torna recepcionado de uma forma tão relevante e especial pela ordem Constitucional.
Prova disso é o disposto no artigo 5º, LXVII, da Carta Magna, que torna expressa a previsão de prisão civil por dívida alimentar, caso notoriamente excepcional no ordenamento jurídico pátrio.
Para corroborar, colaciona-se:
“No direito brasileiro, a Constituição de 1988, mantendo o instituto, deu ênfase, no confronto com o texto constitucional anterior, ao caráter excepcional da prisão, proclamando agora, entre os direitos e garantias individuais, que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (...)” (art. 5º, LXVII)”.
Não por outra, além de irredutíveis, os alimentos são irrenunciáveis, impenhoráveis, incompensáveis e imprescritíveis.
Dessa maneira, a proteção especial conferida pelo ordenamento pátrio aos alimentos, especialmente em âmbito constitucional, por representarem a garantia e manutenção da vida digna, carrega de força o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, prevalecente, em regra, quando conflitado por outras normas.
É o caso, por exemplo, do princípio da supremacia do interesse público. Sempre que o mesmo entrar em enfrentamento com o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, a tendência é que sucumba ao segundo, que, como visto antes, encontra seu principal lastro, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Nesse diapasão, Jacqueline Michels Bilhalva sustentou e proferiu seu voto em julgamento da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, conforme segue:
“Isso porque, em conformidade com a jurisprudência dominante do STJ, esta Turma Nacional já uniformizou o entendimento de que em razão da natureza alimentar desses valores e da boa-fé no seu recebimento, há irrepetibilidade.
Especificamente neste tipo de caso a observância do princípio da supremacia do interesse público não conduz à sobrevalorização do dever geral de restituição do indébito, mas, sim, à sobrevalorização da garantia constitucional de dignidade da pessoa humana”.
Sob esse prisma, portanto, é indubitável concluir que o princípio da supremacia do interesse público fica pormenorizado ante o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, justificando, assim, o entendimento jurídico de que não são passíveis de devolução os valores previdenciários percebidos indevidamente pelo segurado de boa-fé por erro administrativo da Previdência Social.
Por todo o exposto, temos que o artigo 115, II, da Lei 8.213/91, permite ao INSS efetuar descontos diretamente do benefício do segurado quando se evidencia o pagamento indevido de benefício. Já o art. 154 do decreto 3.048/99 prevê a possibilidade de pagamento dos valores recebidos indevidamente serem cobrados em parcela única ou de forma parcelada.
Entretanto, ao mesmo tempo em que os cofres públicos não podem sofrer ataques de pessoas que receberam indevidamente determinado benefício (seja por dolo, seja por culpa da Administração Pública), também não é justo que essas próprias pessoas paguem valores exorbitantes, que lhe acarretem demasiado prejuízo.
Ademais, a jurisprudência é pacífica ao entender pela impossibilidade de efetuar cobrança ou descontos sobre os benefícios previdenciários quando o beneficiário recebeu os valores superiores ao devido de boa-fé, ante o seu caráter alimentar.
E, no presente caso, é inegável a boa-fé da parte Autora ao passo que a mesma recebeu o benefício primeiramente em razão de decisão administrativa e posteriormente em razão de sentença judicial, que após reconhecer o direito da demandante determinou a imediata implantação do benefício.
Assim, não pode se ver …