Modelo Contestação | Usucapião | Herdeiro | Inépcia da Inicial | Partes contestam ação de usucapião, afirmando tratarem-se de herdeiros do imóvel, bem como que residem no mesmo há mais de 30 anos.
A posse exercida por mera tolerância familiar pode gerar usucapião?
Não. A posse exercida por mera tolerância de parentes — como no caso de filhos que ocupam o imóvel dos pais ou de co herdeiros que permanecem no bem comum sem oposição expressa — não configura posse com ânimo de dono, e por isso não é hábil à usucapião.
Na prática, o ponto central é o elemento subjetivo da posse: o animus domini. Quando a relação jurídica é pautada pela tolerância, sem oposição direta ou sem exercício de atos típicos de proprietário, não se preenche o critério exigido para a aquisição da propriedade por meio da prescrição aquisitiva.
Esse foi exatamente o caso julgado pela 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, em que o autor da usucapião alegava exercer a posse havia mais de 16 anos, mas a situação demonstrava que sua permanência no imóvel se dava por mera anuência dos pais e, depois, dos demais herdeiros.
Assim, ainda que o usucapiente alegasse estar agindo com boa fé, houve erro na compreensão dos limites da posse, já que a permanência estava claramente inserida em contexto de saisine não rompida e sem exclusividade possessória. O provimento jurisdicional, portanto, não poderia ser outro: o reconhecimento da precariedade da posse e a consequente improcedência do pedido. Vejamos:
USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. Autor pretende usucapir imóvel sobre o qual alega exercer a posse há mais de 16 anos. Sentença de extinção do feito sem resolução do mérito. Apelo do autor. Usucapião improcedente. Ausência dos requisitos. [...] Autores não detinham a posse com intenção de donos, haja vista estarem ali mediante simples tolerância dos proprietários (pais do autor) e, posteriormente, dos demais herdeiros. [...] Precariedade da posse. Não convalescimento. Sentença mantida. Recurso desprovido.
(TJSP, Apelação Cível, N° 1004929-88.2018.8.26.0047, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Mary Grün, julgado em 30/03/2021)
Do ponto de vista da advocacia em direito imobiliário, o cuidado está em analisar o histórico da posse, especialmente em casos de herança ou partilha não formalizada, onde o risco de confusão entre tolerância e posse qualificada é alto. A segurança na propositura da ação depende de documentação robusta e de prova clara de oposição — o que exige, muitas vezes, estratégias de ruptura objetiva com a origem possessória.
A citação por edital pode ser feita sem esgotar as diligências para localizar os herdeiros?
Quando há indícios concretos da existência de herdeiros, ainda que o óbito tenha sido comunicado por terceiros ou mesmo quando conste apenas uma certidão omissa, não se admite a citação por edital sem antes exaurir todas as medidas razoáveis para localização dos sucessores. A triangulação processual exige que todas as partes legitimadas para contestar a demanda estejam efetivamente citadas, sob pena de nulidade absoluta.
Foi exatamente o que decidiu o TJSP, ao confirmar sentença que reconheceu a nulidade da citação editalícia em ação de usucapião promovida contra o espólio de um dos proprietários do imóvel. A esposa do falecido foi citada, mas os herdeiros não foram localizados nem procurados, sendo diretamente chamados por edital — sem diligências mínimas ou qualquer investigação concreta. O vício, conforme reconhecido, era insanável:
“Incontornável que não foram procurados para responder pela ação de usucapião, legitimando-se, assim, a anulação da citação por edital – vício absoluto e perpétuo, devendo ser conhecido e decretado a qualquer tempo, inexistindo outra conclusão senão reconhecer que a triangulação processual não foi sequer finalizada.”
(TJSP, Apelação Cível, N° 1023863-61.2020.8.26.0100, 2ª Câmara de Direito Privado, julgado em 28/11/2022)
A atuação do advogado que representa o usucapiente deve ser cautelosa e tecnicamente respaldada:
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Não basta confiar em uma certidão de distribuidores omissa;
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É necessário diligenciar, pesquisar eventuais inventários em andamento, oficiar aos cartórios e buscar a assistência de órgãos auxiliares, se for o caso.
Uma resposta insuficiente quanto à correta formação da relação processual compromete a validade de todo o procedimento, principalmente em matéria de usucapião, onde há impacto direto no interesse patrimonial de terceiros.
A usucapião pode ser deferida mesmo sem intenção manifesta de dono?
Não. A ausência do ânimo de dono descaracteriza a posse qualificada exigida para a usucapião. O simples uso do bem, ainda que por longo tempo, sem a prática de atos típicos de titularidade — como pagamento de tributos, realização de benfeitorias ou exercício público e exclusivo da posse — não gera direito à aquisição da propriedade por usucapião.
Esse é um ponto sensível e recorrente na advocacia: muitos usucapienses acreditam que o decurso do prazo é suficiente. Não é. A posse precisa ser ininterrupta, pacífica, com exclusividade e, sobretudo, com manifesta intenção de se comportar como dono — o que exige muito mais do que simples permanência no imóvel.
Em casos envolvendo herdeiros ou ocupantes de bens comuns, a falta de oposição entre as partes e a ausência de atos concretos de domínio tornam a posse precária. Nessa situação, não há como sustentar o preenchimento dos requisitos legais exigidos pelo Código Civil para fins de reconhecimento da prescrição aquisitiva.
A usucapião em condomínio exige oposição clara dos demais?
Sim. Quando o imóvel é objeto de condomínio entre pessoas (como no caso de co proprietário ou entre irmãos herdeiros), a usucapião só será viável se ficar provado que o possuidor agiu em nome próprio e contra a vontade dos demais, com ciência inequívoca por parte destes de que ele passou a agir como exclusivo titular do bem.
A simples permanência na área comum, sem oposição expressa ou notificação formal aos demais condôminos, não é suficiente para transformar a posse em exclusiva e adversa. A usucapião exige ruptura da comunhão, e essa ruptura precisa ter sido comunicada, judicial ou extrajudicialmente, aos demais interessados.
Em termos de direito material, é o chamado rompimento do vínculo possessório comum, que só se torna eficaz quando atinge a esfera de conhecimento e reação dos demais co proprietários.
Do ponto de vista do advogado, isso exige uma atuação prévia estratégica:
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Produzir documentos que demonstrem a exclusividade da posse;
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Notificar formalmente os demais condôminos, declarando o animus domini;
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Reunir vídeos, testemunhas e provas que demonstrem a exploração exclusiva do bem.
Sem essa construção sólida, o risco é alto de o juiz indeferir a ação, por ausência de fundamento fático que comprove a exclusão da comunhão — o que compromete todo o meio processual escolhido e expõe a parte à nulidade por falta de preenchimento dos requisitos do tipo.
A recusa de herdeiro impede a continuidade da usucapião?
Não. A recusa de um herdeiro em integrar o polo ativo da ação não impede a continuidade da usucapião, desde que os demais interessados permaneçam na demanda. O direito de ação é individual e facultativo, e a possibilidade de ingresso em juízo independe de anuência unânime, especialmente quando se trata de imóveis sobre os quais recai posse prolongada, contínua e exercida com animus domini.
Nessas hipóteses, o falecimento de um dos coautores pode exigir regularização do polo ativo. Mas se um irmão, herdeiro do falecido, optar por não participar, essa escolha — desde que não acompanhada de oposição formal — não impede o prosseguimento da causa.
Do ponto de vista da técnica processual, o que se exige é que a sentença futura resguarde os direitos dos ausentes.
O advogado, ao conduzir a demanda, deve se atentar a três pontos fundamentais:
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Que qualquer tipo de documento que comprove a posse e a relação sucessória esteja corretamente juntado;
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Que as informações processuais deixem claro que não há conflito nem manifestação de má fé por parte dos ausentes;
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Que a sentença observe o princípio do contraditório e delimite os efeitos sobre aqueles que, mesmo não tendo integrado o polo ativo, são afetados pelo resultado da causa.
Essa condução assegura a defesa adequada dos interesses dos autores remanescentes e confere estabilidade ao julgamento. Em ações de usucapião entre herdeiros, respeitar a liberdade de escolha de cada parte — inclusive o direito de não litigar — é uma exigência prática, jurídica e constitucional.
O herdeiro que não quiser integrar a ação pode ser incluído como réu?
Não. O herdeiro que não deseja participar da ação como autor não pode ser forçado a figurar como réu. Essa inversão — transformar quem apenas se manteve inerte em parte passiva — não encontra respaldo legal, especialmente quando essa pessoa não possui o domínio formal do bem ou não se apresenta como titular do direito material disputado.
O TJMT já analisou diretamente esse tipo de situação, em que a parte agravante, após a recusa de alguns herdeiros em integrar o polo ativo, tentou incluí-los no polo passivo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – FALECIMENTO DO COAUTOR – INTIMAÇÃO PARA REGULARIZAÇÃO PROCESSUAL – RECUSA DE ALGUNS HERDEIROS EM INTEGRAR A LIDE COMO LITISCONSORTES ATIVOS NECESSÁRIOS – PEDIDO DE INCLUSÃO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA – INVIABILIDADE – DESNECESSIDADE DE INCLUSÃO DOS HERDEIROS RENITENTES – PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO COM OS INTEGRANTES – DIREITO CONSTITUCIONAL AO ACESSO À JUSTIÇA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.Inviável a inclusão dos herdeiros renitentes no polo passivo da ação, como requer o agravante, por não serem proprietários do bem objeto da usucapião. Não se pode obrigar o herdeiro renitente a ajuizar ação que não queira, do mesmo modo que como não é admissível obstar o exercício do direito constitucional de ação (art. 5º, inciso XXXV, Constituição Federal) daquele litisconsorte que pretende a declaração da usucapião. Assim, deve a demanda prosseguir somente com os que já integram a lide, bastando que os direitos dos ausentes sejam expressamente resguardados na sentença.
(TJMT, Agravo de Instrumento n.º 1003642-78.2023.8.11.0000, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Marilsen Andrade Addario, julgado em 31/05/2023)
Em face disso, é nítido que a necessidade de inclusão forçada não existe. O processo deve respeitar a vontade das partes, e o fato de um herdeiro não querer participar não configura resistência nem gera obrigação jurídica. A
forma correta de lidar com essa situação é clara: prosseguir com os que manifestaram interesse, resguardar os ausentes e conduzir o feito dentro dos parâmetros legais, respeitando os limites da legitimidade ativa e da titularidade do bem.
Essa é a melhor estratégia para garantir que a ação atinja seu fim com efetividade e segurança, sem comprometer a validade do julgamento nem gerar questionamentos futuros por vício processual.
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