Petição
EXCELENTÍSSIMO (a) SENHOR (a) DOUTOR (a) JUIZ (a) DA $[processo_vara] VARA DO TRABALHO DE $[processo_comarca] – $[processo_uf]
Processo nº $[processo_numero_cnj]
$[parte_autor_razao_social], já qualificada na inicial vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seus procuradores signatários, apresentar
CONTESTAÇÃO
à Reclamatória Trabalhista que lhe move $[parte_reu_nome_completo], igualmente já qualificado nos autos supra epigrafados, pelas razões de fato e de Direito a seguir expostas:
1 – DA INICIAL
O Reclamante alega que iniciou a trabalhar para a Reclamada em 20/04/2010, com jornada diária das 8h30min às 20h, com uma hora de intervalo, remuneração mensal de R$ 2.000,00 mais comissões, mas não teve o contrato registrado em CTPS, nem recebeu horas extras, adicional de insalubridade e periculosidade, vindo a ser despedido em 25/04/2011, sem pagamento de verbas rescisórias e FGTS.
No entanto, totalmente inverídicas as informações, conforme se passa a demonstrar.
2 – MÉRITO
2.1 – Da inexistência de relação de emprego
A inicial contém muitas inverdade e que são infirmadas pelos próprios documentos a ela acostados, sendo óbvia esta conclusão a partir da sua correta leitura, corno se pretende demonstrar nesta peça.
A Contestante é estabelecimento de prestação de serviços odontológicos, cujo principal objeto é a parte clínica odontológica propriamente dita, como obturações, tratamento de canal, confecção de próteses e restaurações feitas pelo sócio Sr. $[geral_informacao_generica], enquanto que o Reclamante é odontólogo especialista em ortodontia, que é a seção de aparelhos dentários.
Em 03 de maio de 2010, o Sr. $[parte_reu_nome] cedeu ao Reclamante um espaço em consultório, para que ele realizasse os trabalhos de ortodontia. Como pagamento, foi ajustada uma porcentagem sobre cada procedimento, conforme o preço cobrado pelo Reclamante, mediante prestação de contas, com quitação no mês subsequente ao trabalhado.
Ao contrário do alegado pelo Reclamante, NUNCA houve relação de emprego entre as partes, mais sim uma relação de parceria ou, quando muito, constituição de uma sociedade de fato, a qual tinha por objetivo a atuação o ramo de atendimento odontológico, cada um na sua especialidade, agregando valores e clientela.
Em momento algum houve o ânimo entre os litigantes de contratarem qualquer relação empregatícia e sim, de estabelecerem uma parceria, eis que ambos se tratam de profissionais ligados à área odontológica, buscando conjugar os esforços para o desenvolvimento das atividades, inexistindo qualquer subordinação entre eles.
Para caracterizar o vínculo de emprego não basta a simples alegação, mas é necessária a presença dos requisitos essenciais retratados nos art. 2º e 3º, da CLT, entre os quais está a subordinação. É imprescindível ao contrato empregatício a existência de um estado de dependência jurídica entre as partes: poder de comando e direção do empregador e a consequente obrigação do empregado de submeter-se às ordens recebidas.
A falta de qualquer um dos elementos dispostos na CLT veta o reconhecimento do vínculo empregador X empregado. Disto, tem-se que a autonomia, portanto, é o diferenciador preponderante entre a prestação de serviços subordinada e a prestação autônoma de serviços, como brilhantemente expõe Maurício Godinho Delgado, em sua obra “Curso de Direito do Trabalho”, publicado pela LTr em 2006, pág. 583/584:
Autonomia laborativa consiste na preservação pelo trabalhador, da direção cotidiana sobre sua prestação de serviços; subordinação laborativa, ao contrário, consiste na concentração, no tomador de serviços, da direção cotidiana sobre a prestação laboral efetuada pelo trabalhador. No plano concreto, nem sempre é muito clara a diferenciação existente entre autonomia e subordinação. É que dificilmente existe contrato de prestação de serviços em que o tomador não estabeleça um mínimo de diretrizes e avaliações básicas à prestação efetuada, embora não dirija nem fiscalize o cotidiano dessa prestação. Esse mínimo de diretrizes e avaliações básicas, que se manifestam principalmente no instante da pactuação e da entrega do serviço (embora possa haver uma ou outra conferência tópica ao longo da prestação realizada) não descaracteriza a autonomia. Esta será compatível, porém, com uma intensidade e repetição de ordens pelo tomador ao longo do cotidiano da prestação laboral. Havendo ordens cotidianas pelo tomador, sobre o modo de concretização do trabalho pelo obreiro, desaparece a noção de autonomia, emergindo, ao revés, a noção e realidade da subordinação.
Partindo destas premissas evidencia-se a total falta de fundamento à ação. O Reclamante era quem determinava a sua agenda, forma e valor de seu trabalho. Inclusive, era ele quem estipulava os horários de atendimentos e a quantidade de pacientes atendidos em determinado dia, sem subsunção à clínica.
Não havia qualquer controle de horário/jornada do Autor, pois ele tinha total liberdade para fazer o trabalho quando, como e SE quisesse, recebendo remuneração conforme a sua própria produção. Tanto era assim que, embora o horário de funcionamento da clínica fosse das 08h30min às 12h e das 13h30min às 19h30min, de segunda a sexta-feira, regra geral, o Autor agendava seus atendimentos até a quarta-feira, muitas vezes a partir das 10h, com intervalo médio de 1h entre eles, com o último às 18h; quando não havia atendimentos agendados, o Reclamante não ia ao consultório e, diversas vezes, solicitava à secretária que desmarcasse todos os agendamentos.
Consoante reconhecido na exordial, em virtude do curso de especialização frequentada em $[geral_informacao_generica], o Autor em regra deixava de trabalhar 2 dias na semana, o dia do curso e o anterior, devido ao deslocamento. Como sua remuneração era por produção, em algumas oportunidades solicitou o agendamento de pacientes aos sábados, para recuperar o mínimo de ganho.
Ante as peculiaridades próprias da relação autônoma, para facilitar a organização das agendas e controle de serviços, muitas vezes vendidos como “pacote”, a secretária do consultório procedia à marcação de horário, recebimento de valores e atendimento aos clientes e frequentadores da clínica.
Contudo, frisa-se que estas circunstâncias revelam, apenas, uma modalidade operacional ou de organização do trabalho utilizada para otimizar a relação e não se incompatibilizam com a autonomia ostentada pelo Reclamante e longe de caracterizar a subordinação típica da relação de emprego.
A prestação de contas mensal da produção do Autor era feita mediante a conferência em conjunto pelas partes, com a conferência anotações e repasse do valor final com assinatura do recibo correspondente, como provam os documentos anexados.
Os recibos anexados juntamente à anotação de produção deixam claro, ao contrário do alegado pelo Reclamante, que sua remuneração não se consistia em valores fixos e sim, em conformidade com sua própria produção, como ele mesmo cita na inicial.
Os materiais de trabalho, como resina, material de moldagem, clareador, material de tratamento de canal, película de Raio-X e ferramental eram adquiridos pelo próprio Reclamante. O Autor não foi contratado para atendimento odontológico de forma geral, mas sim para o desenvolvimento apenas da parte ortodôntica, com colocação de aparelhos, tendo em algumas ocasiões, auxiliado a Contestante na parte clínica, quando não tinha atendimentos ou estava aguardando um.
Ainda assim, para não deturpar a contratação inicial, a Reclamada ajustou com o Autor o pagamento de uma porcentagem sobre os procedimentos realizados, as quais giravam em torno de R$ 300,00/R$ 500,00 mensais. É claro que o fato de o Reclamante eventualmente auxiliar a Reclamada em alguns procedimentos desta por certo não se presta a caracterizar nenhum vínculo de emprego, uma vez que em se tratando de profissionais que atuam conjuntamente, inexiste óbice para que tal ocorra.
Aliás, como é consabido no cotidiano da Justiça Obreira, essa situação sequer é incomum em profissionais que atuam em parceria, quando, estando um deles em atendimento, e o outro não, este atende telefone, por exemplo, ou mesmo auxilia o outro profissional, enfim, realiza pequenas tarefas de interesse comum da clínica e do empreendimento em conjunto.
A liberdade com que o Autor desempenhava suas atividades e os benefícios por ele auferidos com o regime de colaboração evidenciam que os serviços eram prestados por conta própria, e não em proveito da Contestante. Não há outra leitura da realidade fática retratada nos autos, a não ser a de que o Reclamante prestou serviços de forma autônoma, não tendo a relação havida entre as partes se revestido dos requisitos do artigo 3ª da CLT, caracterizadores do vínculo de natureza empregatícia.
Assim, a única conclusão que emerge é a de que a relação havida entre as partes se pautou efetivamente sob os moldes de verdadeira parceria na prestação de serviços, conjugando esforços e recursos, acarretando a total improcedência da ação, o que desde já requer.
2.2 – Do término da relação
Uma vez inexistente a relação de emprego, não há que se falar em despedida. No entanto, é preciso esclarecer que o final da relação de parceria entre as partes se deu por iniciativa do Autor, como restará provado em instrução. No final da 1ª semana de março de 2011, o Autor solicitou à secretária que desmarcasse todos os pacientes da semana de 7 a 13 de março, porque tiraria “uns dias de descanso”, aproveitando o feriado de carnaval. Como sempre, a agenda foi alterada sem qualquer comunicação ou ingerência da Contestante.
Nas semanas seguintes, os atendimentos foram espaçados e, em alguns dias, o Autor sequer compareceu ao consultório, tendo que o Sr. $[parte_reu_nome] atendido alguns de seus pacientes.
No dia 25/03/2011, sem qualquer explicação à Contestante, o Autor comunicou para a secretária que era seu último dia de trabalho, que passaria a trabalhar em outro consultório e que os pacientes da próxima semana deveriam ser repassados a um dos demais dentistas. Ela foi quem avisou à Contestante sobre a rescisão.
Ainda, após o término da relação, por diversas vezes o Demandante contatou com a Reclamada, com a secretária, inclusive por e-mail, cuja cópia está em anexo, demonstrando o clima aprazível que havia permanecido. Resta claro que o Autor foi quem deu por rescindida a relação entre as partes, sem prestar contas ou informações formais, deixando evidente a total autonomia que sempre possuiu. Além disso, apesar das tentativas de pagamento e conciliação, ele se mostrou sem interesse, não tendo comparecido em nenhuma das várias vezes em que chamado pela Contestante.
Destarte, pelo princípio da eventualidade, se reconhecido o vínculo de emprego pretendido – o que não é crível – a modalidade da rescisão a ser reconhecida é a de iniciativa do empregado, limitando as verbas rescisórias atinentes a esta forma de rompimento.
2.3 – Das diferenças salariais/comissões – Inexistência
Nunca foi estipulado salário ao Autor, porque não houve relação empregatícia. Contudo, pelo apego ao debate, tecem-se algumas considerações.
Falaciosa a afirmação do salário fixo de R$ 2.000,00 mais comissões médias de R$ 3.000,00 mensais.
Na realidade, todo o valor recebido por ele dizia respeito à sua produtividade. Ocorre que, ante a continuidade típica dos tratamentos ortodônticos, o valor mensal se repetia muitas vezes em R$ 2.000,00. As comissões, não perfaziam o elevado e desproporcional pleiteado, mas sim o montante médio mensal de R$ 300,00 a R$ 500,00, como faz prova a própria exordial, no item 2 e pedido de alínea “c”.
A ausência de lançamento de recibos destes valores se deve ao fato de que, como já dito, estes serviços não eram objeto do contrato entre as partes, mas aconteciam eventualmente. O acerto ocorria conforme a forma de pagamento do paciente, ou seja, se o pagamento era à vista, o Autor assim recebia; se havia parcelamento ou pré-datação, assim ele recebia.
Baseada na confiança entre as partes e pela dificuldade oriunda da grande variação na forma como os pacientes quitavam seus tratamentos, o Autor acabava por receber e não firmar os comprovantes deste flutuante. A Contestante sempre primou pelo escorreito cumprimento do ajustado com o Autor. Tanto que, mesmo após a sua saída abrupta e sem qualquer explicação, seguiu depositando na conta corrente do Autor o valor das comissões que lhe cabiam, conforme recibos em anexo.
Dito isto, é cristalino o distanciamento da verdade quando o Reclamante alega a existência de um débito de R$ 500,00 referente às comissões, quando o próprio encaminhou e-mail requerendo o pagamento de R$ 259,25 e lhe foi pago o total de R$ 393,50, incluindo até mesmo valores não citados, o que é suficiente à improcedência do pedido de alínea “c” da vestibular.
A partir da narrativa e documentos anexos, resta claro que os rendimentos do Autor giravam em torno de R$ 2.000,00/R$ 2.500,00 e não no valor exorbitante que lança na inicial, o que certamente poderá ser comprovado também a partir da sua declaração de renda dos anos base 2009 e 2010, cujo fornecimento desde já requer seja oficiado à Receita Federal do Brasil.
Quanto aos lançamentos de fl. 24/27 da inicial, a Contestante desconhece o seu conteúdo, menos ainda sua autoria, mas salienta que se tratam de lançamentos avulsos, sem qualquer liame com a realidade da clínica.
Deste modo, ante a inexistência de débitos pendentes com o Autor e o correto adimplemento das comissões faltantes mediante depósito em conta após a sua saída, é imperiosa a improcedência do pedido.
2.4 – Das Horas Extras
Não havendo jornada contratual, inexistem horas extras. Pelo princípio da eventualidade, contudo, contesta-se o pedido. A Lei nº 3.999/1961 não estipula a jornada reduzida aos dentistas, mas apenas estabelece o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas, não havendo falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias.
Tal a inteligência da Súmula 370 do Tribunal Superior do Trabalho:
Tendo em vista que as Leis nº 3.999/61 e 4.950-A/66 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias.
Na mesma linha, o posicionamento adotado no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:
Acórdão do processo 0001069-43.2010.5.04.0402 (RO) Redator: LEONARDO MEURER BRASIL Participam: BERENICE MESSIAS CORRÊA, JOÃO BATISTA DE MATOS DANDA Data: 12/05/2011 Origem: 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul Teor integral do documento (RTF) | Andamentos do processo [...] A Lei nº 3.999/1961 não estipula a jornada reduzida aos médicos (e assim também aos dentistas, por força do artigo 22), mas apenas estabelece o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 (quatro) horas, não havendo falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias.
Tal a inteligência da Súmula 370 do Tribunal Superior do Trabalho:
Tendo em vista que as Leis nºs 3.399/61 e 4.950-A/66 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias.
Ressalta-se novamente que o Reclamante era quem fazia o seu horário de trabalho, não necessitando comparecer durante todo o horário de funcionamento da clínica, como efetivamente não o fazia, mas apenas quando havia consulta agendada.
Quanto aos intervalos previstos no artigo 8º, §1º, da Lei n. 3.999/61, em vista de que os atendimentos agendados pelo próprio Autor não eram ininterruptos, certamente era possibilitado o gozo do interregno de descanso.
De outra parte, frisa-se que tais intervalos não podem ser interpretados de forma análoga a do artigo 72 da CLT diante da existência de norma específica regulando a mesma matéria no âmbito da profissão do reclamante. Por fim, competia ao Reclamante provar que não gozou dos intervalos previstos no diploma legal supracitado, por se tratarem de intervalos inseridos na jornada de trabalho, sendo inexigível, mesmo nas relações de emprego formalizadas, a obrigatoriedade de sua anotação ou pré-assinalação.
A propósito, transcreve-se o seguinte trecho do acórdão de lavra do Exmo. Des. Milton Varela Dutra:
Ressalvo, de início, que tenho expressado em julgamento entendimento no sentido de que a circunstância de o art. 8º da Lei 3.999/61, que em seu § 1º estabelece que ' Para cada noventa minutos de trabalho gozará o médico de um repouso de dez minutos ', não fazer qualquer referência à sua anotação autoriza se recorra à regra geral disposta do parágrafo segundo do art. 74 da CLT, que exige, no mínimo, a pré-assinalação dos intervalos. Reformulo tal entendimento, todavia, porque, em melhor compreensão da matéria, estou convencido de que os intervalos em causa não se confundem com aqueles 'interturnos da jornada'. Diferentemente, são intervalos especiais, próprios dos médicos e dentistas, previstos em lei especial, que têm em conta a natureza da atividade e devem ser concedidos e gozados no curso da jornada, não se confundindo com o intervalo destinado ao repouso e alimentação do trabalhador, previsto no art. 71 da CLT, que deve ser concedido, imperiosamente, entre os turnos da jornada, este sim de anotação obrigatória em controle de ponto, tal o comando do § 2º do art. 74 da CLT, à generalidade dos trabalhadores empregados. Sendo assim, é curial, à vista do critério distributivo do ônus da prova regulado pelo art. 818 da CLT, na didática …