Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[processo_vara] VARA DA INFÂNCIA E DO ADOLESCENTE DA CIDADE.
Autos nº. $[processo_numero_cnj]
Representante: $[parte_autor_razao_social]
Representado: $[parte_reu_nome_completo]
[ PEDIDO DE APRECIAÇÃO URGENTE – MENOR APREENDIDO ]
Intermediado por seu mandatário ao final firmado, causídico inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Ceará, sob o nº. $[advogado_oab], comparece o Representado, com todo respeito à presença de Vossa Excelência, na forma do que dispõe o art. 152, caput, do Estatuto Juvenil c/c art. 316 da Legislação Adjetiva Penal e, ainda, art. 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal, para oferecer pedido de
RELAXAMENTO DE APREENSÃO,
em face de Representação agitada em desfavor de $[parte_reu_nome_completo], já qualificado na exordial da peça inaugural, consoante abaixo delineado.
1 – SÍNTESE DOS FATOS
Colhe-se dos autos que o adolescente (apreendido em flagrante) fora representado pela suposta prática de ato infracional equiparado ao crime de roubo majorado (CP, art. 157, § 2º). Referida representação fora recebida por Vossa Excelência na data de $[geral_data_generica].
Em face da decisão que repousa às fls. 17/18 destes autos, este Magistrado, na oportunidade que recebera a representação, acolheu o pleito formulado pelo Ministério Público e, por isso, determinara a internação provisória do Representado. O Parquet fundamentara a postulação da segregação cautelar sob o enfoque da gravidade do suposto ato infracional e que, se solto, certamente tornaria a cometer atos dessa natureza.
Com efeito, este Magistrado processante acolhera o pedido de internação e, em síntese apartada, com suporte nos artigos 108, parágrafo único c/c art. 174 do ECA, determinara o recolhimento do adolescente ao Centro de Custódia de Menos Xista, onde, de fato, lá se encontra. (fls. 20)
Todavia, data venia, entende o Representado que a decisão guerreada carece de fundamentação, maiormente no enfoque de justificar, com elementos precisos nos autos, a necessidade da internação provisória.
Em face disso, o Representado vem pleitear o relaxamento da apreensão, com a revogação da custódia cautelar de internação.
2 – DA ILEGALIDADE DA INTERNAÇÃO PROVISÓRIA
Saliente-se, primeiramente, que o Representado não ostenta qualquer outro envolvimento em ato infracional, o que se comprova pela certidão anexa. (doc. 01) Demais disso, esse se encontra estudando na Escola Municipal $[geral_informacao_generica]. Como prova, acostam-se documentos com esse propósito. (doc. 02/03)
É consabido que as regras do Código de Processo Penal servem, subsidiariamente, à aplicação dos comandos regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. (ECA, art. 152)
Com esse enfoque, salutar discorrer o magistério de João Batista Costa Saraiva:
“Enquanto mecanismo de Defesa Social efetivado em caráter cautelar, para a internação provisória (processual), ou em flagrante, exigem-se os pressupostos da “gravidade do ato”, “sua repercussão social”, e ainda a “manutenção da ordem pública”, premissas fixadas no artigo 174 do Estatuto, aplicável subsidiariamente o disposto no art. 312 do CPP, por força das disposições do art. 152 do Estatuto. “(SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal juvenil: adolescente e ato infracional. 4ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 102)
Não há nos autos, maiormente na peça exordial de representação -- nem assim ficou demonstrado no despacho ora guerreado --, quaisquer motivos que implicassem na decretação da internação provisória do Representado. Por semelhança aos ditames do art. 312 do Estatuto de Ritos Penal, inexiste motivo suficiente para tal desiderato extremado.
De outra banda, não bastasse isso, em vários dispositivos há diretriz estabelecendo a excepcionalidade da internação provisória:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.
Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.
Art. 184. Oferecida a representação, a autoridade judiciária designará audiência de apresentação do adolescente, decidindo, desde logo, sobre a decretação ou manutenção da internação, observado o disposto no art. 108 e parágrafo.
(destacamos)
O simples fato de o pretenso ato infracional ser tido como grave e que, supostamente, o adolescente iria tornar a delinquir, não é razoável como motivo a justificar, por si só, a apreensão acautelatória.
Vejamos, a propósito, julgado originário do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. LEI Nº 8.069/90. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO ROUBO. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DECRETADA APÓS O DECURSO DE QUASE NOVE MESES DESDE A DATA DA INFRAÇÃO. PACIENTE QUE SE ENCONTRA INTERNADO EM CLÍNICA DE REABILITAÇÃO PARA USUÁRIOS DE DROGAS. GRAVIDADE ABSTRATA DA INFRAÇÃO. MERA POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. IMPERIOSIDADE DA MEDIDA NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.
1. O acórdão impugnado está desprovido de fundamentação idônea, pois não existem, nos autos, elementos concretos que justifiquem a decretação da internação provisória, após decorridos quase nove meses da data do ato infracional, o que evidencia a ausência de imperiosidade da medida. 2. O tribunal impetrado considerou, no caso, a condição de vulnerabilidade do paciente, pelo uso descontrolado de drogas, que o expõe a situações de risco, comuns a qualquer usuário-dependente de substâncias entorpecentes. Contudo, esse fundamento, sob o ponto de vista legal, não serve para justificar a internação provisória, sobretudo, porque o adolescente já se encontra internado em clínica de reabilitação para dependentes de drogas. 3. A gravidade abstrata da infração, assim como a mera probabilidade de reiteração infracional, sem fundamento concreto, não servem para embasar a decretação da internação provisória, medida de natureza excepcional que só pode ser adotada, quando presentes os requisitos legais previstos nos arts. 108 e 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não configurados na espécie. 4. Ordem de habeas corpus concedida. (STJ; HC 289.250; Proc. 2014/0041358-6; SP; Quinta Turma; Relª Minª Laurita Vaz; DJE 22/08/2014)
– O decisório se limitou a apreciar abstratamente a gravidade do ato infracional
- Houve a decretação da internação provisória, sem a necessária fundamentação
De outro contexto, a gravidade abstrata do ato infracional foi o único fator no qual se apoio a decisão. Nada se ostentou, portanto, quanto ao enquadramento em uma das hipóteses que cabível se revelaria a apreensão cautelar. (ECA, art. 108)
Nesse passo, inexiste qualquer liame entre a realidade dos fatos que dormitam nos autos e alguma das hipóteses previstas no art. 312 da Legislação Adjetiva Penal, por força do art. 152 do ECA.
Não é preciso muitas delongas para se saber que é regra fundamental, extraída da Carta Magna, o dever de todo e qualquer magistrado motivar suas decisões judiciais, à luz do que reza o art. 93, inc. IX da Constituição Federal. Todo e qualquer cidadão, atrelando-se aos princípios da inocência e da não-culpabilidade. Assim, por mais esses motivos, é imperiosa decisão devidamente fundamentada acerca dos motivos da permanência do adolescente no cárcere, sob a forma de segregação cautelar.
Com efeito, ao se decretar a internação provisória, mesmo diante da absurda e descabida pretensa alegação de que o ilícito traz consigo certa grávida, reclama completa fundamentação do decisório.
Ao revés disso, não se cuidou de elencar quaisquer fatos ou atos concretos que representassem minimamente a garantia da ordem pública. Igualmente, não há indicação, concreta, seja o Representado uma ameaça ao meio social, ou, ainda, que o delito fosse efetivamente de grande gravidade que trouxesse o pretenso clamor da coletividade social.
Ademais, inexiste qualquer registro de que o Representado cause algum óbice à conveniência da instrução, muito menos se fundamentou acerca a necessidade de se assegurar a aplicação da lei juvenil. Não bastasse isso, inexistem dados (concretos) de que o Representado, solto, poderá se evadir do distrito da culpa.
Dessarte, o fato de se tratar de imputação de “crime grave”, como aludido no decisório, não possibilita, por si só, a decretação da custódia cautelar.
Desse modo, data venia, a decisão em comento é ilegal, sobretudo quando vulnera a concepção trazida no bojo do art. 93, inc. IX, da Carta Magna e, mais, do art. 315 da Legislação Adjetiva Penal.
Colhemos, pois, as lições doutrinárias de Eugênio Pacelli de Oliveira, o qual, destacando linhas acerca da necessidade de fundamentação no decreto da prisão preventiva, assevera que:
“ Se a prisão em flagrante busca sua justificativa e fundamentação, primeiro, na proteção do ofendido, e, depois, na garantia da qualidade probatória, a prisão preventiva revela a sua cautelaridade na tutela da persecução penal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade do processo.
A prisão preventiva, por trazer como consequência a privação da liberdade antes do trânsito em julgado, somente se justifica enquanto e na medida em que puder realizar a proteção da persecução penal, em todo o seu iter procedimental, e, mais, quando se mostrar a única maneira de satisfazer tal necessidade.
( . . . )
Em razão da gravidade, e como decorrência do sistema de garantias individuais constitucionais, somente se decretará a prisão preventiva ‘por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.’, conforme se observa com todas as letras no art. 5º, LXI, da Carta de 1988.” (Oliveira, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012. Págs. 542-543)
( os destaques são nossos )
Em nada discrepando desse entendimento, com a mesma sorte de entendimento lecionam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar que:
“ O art. 315 do CPP exige fundamentação no despacho que decreta a medida prisional. Tal exigência decorre também do princípio constitucional da motivação das decisões judiciais(art. 93, IX, CF). O magistrado está obrigado a indicar no mandado os fatos que se subsumem à hipótese autorizadora da decretação da medida. Decisões vazias, com a simples reprodução do texto da lei, ou que impliquem meras conjecturas, sem destacar a real necessidade da medida pelo perigo da liberdade, não atendem à exigência constitucional, levando ao reconhecimento da ilegalidade da prisão.” (Távora, Nestor; Alencar, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 7ª Ed. Bahia: JusPODIVM, 2012. Pág. 589).
( não existem os destaques no texto original )
Vejamos, também, o que professa Norberto Avena:
“ Infere-se do art. 315 do CPP, e também por decorrência constitucional(art. 93, IX, da CF), o decreto da prisão preventiva deve ser fundamentado quanto aos pressupostos e motivos ensejadores.” (Avena, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal: esquematizado. 4ª Ed. São Paulo: Método, 2012. Pág. 951).
Do Supremo Tribunal Federal também se espraiem julgados desta mesma natureza de entendimento:
“HABEAS CORPUS ”. DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR. SÚMULA Nº 691/STF. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS QUE AFASTAM A RESTRIÇÃO SUMULAR. PRIS ÃO CAUTELAR DECRETADA COM APOIO E M MÚLTIPLOS FUNDAMENTOS. GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO. CLAMOR PÚBLICO. GARANTIA DA CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA. E POSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA PRISÃO CAUTELAR QUANDO DECRETADA, UNICAMENTE, COM SUPORTE EM JUÍZOS MERAMENTE CONJECTURAIS. INDISPENSABILIDADE DA VERIFICAÇÃO CON CRETA DE RAZÕES DE NECESSIDADE SUBJACENTES À UTILIZAÇÃO, PELO ESTADO, DESSA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE. INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO. “ HABEAS CORPUS ” CONCEDIDO DE OFÍCIO. DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR. SÚMULA Nº 691/STF. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS QUE AFASTAM A RESTRIÇÃO SUMULAR.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sempre em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “ hic et nunc ”, da Súmula nº 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade. Precedentes. Hipótese ocorrente na espécie. Prisão cautelar. Caráter excepcional. A privação cautelar da liberdade individual. Cuja decretação resulta possível em virtude de expressa cláusula inscrita no próprio texto da Constituição da República (CF, art. 5º, lxi), não conflitando, por isso mesmo, com a presunção constitucional de inocência (CF, art. 5º, lvii) reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser ordenada, por tal razão, em situações de absoluta e real necessidade. A prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe. Além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria). Que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. …