Petição
RAZÕES DO RECURSO DE APELAÇÃO
Ação Penal n° $[processo_numero_cnj]
Apelante: $[parte_autor_nome_completo]
Apelado: Ministério Público Estadual
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO $[processo_estado]
COLENDA TURMA JULGADORA
PRECLAROS DESEMBARGADORES
1 - SÍNTESE DO PROCESSO
Segundo o relato fático contido na peça acusatória, no dia 31 de maio do ano de 2019, por volta das 12h00, no Sítio $[geral_informacao_generica], Zona Rural do Município de $[geral_informacao_generica], o Apelante e mais dois indivíduos “subtraíram mediante emprego de arma de fogo objetos e valores de diversas pessoas que passavam naquela localidade”.
A peça acusatória ainda destaca que a ação delitiva perante as vítimas se deram pelo indivíduo, junto a outro indivíduo que veio a óbito no local.
Após perseguição policial, os acusados foram presos em flagrante, sendo-lhes imputado à prática delitiva prevista no art. 157, § 2º, inc. II e §2º-A, I, do Código Penal.
Recebida a peça acusatória por este d. Juízo em 04.07.2019 (fl. 192/193), foram ouvidas as testemunhas de acusação, bem como da defesa, assim como procedido o interrogatório do ora Apelante (fls. 308/311).
Alheio ao conjunto de provas favoráveis Recorrente, às teses defensivas, a magistrada condutora do processo acolheu o pedido formulado pela acusação e, nesse azo, condenou-o à pena de 13 (treze) anos e 9 (nove) meses de reclusão, impondo, mais, 241 (duzentos e quarenta e um) dias-multa, a ser cumprida inicialmente no regime FECHADO.
Certamente a decisão em liça merece reparos, maiormente quando, nessa ocasião, a operosa magistrada não agiu com o costumeiro acerto.
2 - PRELIMINAR AO MÉRITO
2.1 Da ausência de reconhecimento de pessoa. Cerceamento de defesa. CPP, art. 266 e segs e CF, art. 5.º, inc. LV
As palavras das vítimas, quando em depoimentos, foram demasiadamente frágeis e inseguras quanto à participação do Apelante. Em verdade, nada apresentam que apontem para sua participação efetiva. Por esse ângulo, entendeu a defesa que essa hesitação deveria ser afastada para não comprometer a ausência de culpa do Recorrente, o que não fora considerado pelo d. juízo.
Todavia, a defesa insistiu em juízo que analisasse a versão trazida pelo réu, pois este fora coagido a conduzir o veículo para os dois indivíduos armados. Ressalta-se que não há relatos de testemunhas que apontem sua participação direta no crime, e que, malgrado tenha o mesmo sido preso em flagrante com o veículo e os dois indivíduos, o Apelante não entrou em fuga como os outros dois e mesmo assim sofreu lesões pelos policiais, vindo a ser preso sem nenhuma possibilidade de ser ouvido. De outro lado, testemunhas não apontaram sua participação, o que, deveras, deveria ter sido analisado com maior cautela no caso presente.
Ao contrário disso, o rito desse ato processual fora defeituoso e prejudicou o Apelante, uma vez que o reconhecimento fora feito sob deduções, pois o mesmo estava na direção do veículo. Porém, em seus próprios relatos, os policiais asseguram que as res furtivas estavam com outro indivíduo no momento da abordagem e que, ressalta-se, não houve vítimas que testemunhou a participação do Apelante ao contrário de outro indivíduo que fora, sim, reconhecido por testemunhas no ato.
A este respeito leciona Guilherme de Souza Nucci que:
O art. 226 do CPP impõe um procedimento certo e detalhado para se realizar o reconhecimento de pessoa: a) a pessoa a fazer o reconhecimento, inicialmente, descreverá a pessoa a ser reconhecida; b) a pessoa, cujo reconhecimento é pretendido, será colocada ao lado de outras semelhantes, se possível; c) convida-se a pessoa a fazer o reconhecimento e apontá-la; d) lavra-se auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada a proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais; e) há possibilidade de se isolar a pessoa chamada a reconhecer, de modo que uma não veja a outra, evitando-se intimidação ou influência, ao menos na fase extrajudicial. Observa-se, entretanto, na prática forense, há décadas, a completa inobservância do disposto neste artigo, significando autêntico desprezo à forma legalmente estabelecida. Pode-se dizer que, raramente, nas salas de audiência, a testemunha ou vítima reconhece o acusado nos termos preceituados pelo Código de Processo Penal [ ... ]
Em que pese a informação constante nos autos de que o Apelante conduzia o veículo no momento da prisão, de outro lado, não existem elementos advindos das vítimas que confirmem sua culpabilidade. Aliás, em casos como este, o depoimento da vítima tem fundamental importância, porquanto demonstra a realidade dos fatos, apresentando elementos de prova da materialidade do crime. Acerca do tema, a doutrina esclarece que "a vítima é quem poderá, em certos casos, esclarecer verdadeiramente a ocorrência do fato em todos os seus elementos, e de seu depoimento poderá advir a possibilidade de se concluir pela culpabilidade ou inocência do infrator. Indicando ser o acusado o autor do fato, definindo como ele ocorreu, quais as atitudes empregadas, trará condições de reconhecimento da infração penal". (Jorge Henrique Schaefer Martins. Prova criminal. Modalidades, valoração. Curitiba: Juruá, 1996. p. 60).
Nesse ínterim, o Apelante pleiteia a renovação do ato processual em estudo, tendo em conta a pretensão do reconhecimento a ser feito pelas vítimas em relação à atuação do ora Recorrente, todavia a ser realizada no estrito ditame expresso no art. 226 do Código de Processo Penal.
3 – NO MÉRITO
3.1. Ausência de prova. CPP, art. 386, inc. V
De outro bordo, a tese da ausência de prova de participação do Recorrente não fora acolhida pelo Magistrado, sob o entendimento que o depoimento de policiais e circunstâncias fáticas demonstram segurança, tanto na fase inquisitorial, quanto em juízo.
A pretensa participação do Apelante no crime advém unicamente do fato de estar na condução do veículo. Ainda assim, frise-se, de forma dúbia.
Resta saber, de outro bordo, que, para que haja efeito para fins condenatório, as palavras das vítimas/testemunhas haveriam de estar em harmonia com outras provas colhida do bojo dos autos. Nesse sentido:
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO. INDEFERIMENTO DE RECONHECIMENTO PESSOAL, REQUERIDO PELO RÉU. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA ACOLHIDA QUANTO A UM ACUSADO. AUTORIA E MATERIALIDADE NÃO COMPROVADAS. CARACTERÍSTICAS DESCRITAS PELAS VÍTIMA INSUFICIENTES À CERTEZA DA AUTORIA. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Já é de todo sabido que a nulidade absoluta, por ser de ordem pública, não está sujeita à preclusão, de sorte que a sua alegação/constatação pode se dar em qualquer fase do processo. Por outro lado, em matéria de nulidades. Inclusive absoluta. , é dever da parte demonstrar o efetivo prejuízo, de modo que a sua ocorrência, por si só, não gera qualquer consequência. Inteligência do princípio da pas de nulité sans grife. 2. A validade probatória das provas colhidas em sede policial deve ser corroborada com outras prestadas em juízo, em especial com a oportunização, à parte, de contraditá-las, situação esta inocorrida quando do indeferimento do reconhecimento pessoal do acusado. Cerceamento de defesa verificado. 3. Nos crimes de roubo, a palavra da vítima do crime de roubo tem especial relevância em razão do contato direto mantido com o agente criminoso, podendo conduzir ao reconhecimento pessoal ou a indicativo de características físicas que contribuam para sua identificação, principalmente, quando corroborado pelo depoimento de outras testemunhas ouvidas em juízo e inexistem motivos para falsa acusação. 4. Apesar da identificação do delinquente através de caraterísticas físicas se fazer perfeitamente possível, tal conclusão há de ser pautada em atributos únicos que levem à certeza da autoria, e não apenas em descrições genéricas aplicáveis a quaisquer pessoas (como o foi in caso). 5. Não se sabendo ao certo, diante das provas coletadas nos autos (ou ausência delas), se o crime de roubo pode ser imputado ao acusado, em especial pela fragilidade do contexto probatório, imperiosa é a absolvição, diante do princípio do in dubio pro reo. 6. Recurso parcialmente provido [ ... ]
APELAÇÃO. ROUBO QUALIFICADO EM CONCURSO MATERIAL COM O CRIME DE QUADRILHA ARMADA. SENTENÇA QUE ABSOLVEU O RÉU POR FALTA DE PROVAS. Pretensão condenatória do MP. Impossibilidade. Fragilidade probatória. Réu que deve ser absolvido diante da incerteza de sua efetiva participação nos delitos em apreço. Aplicação do princípio do in dubio pro reo. Recurso do MP improvido [ ... ]
Outrossim, a palavra das vítimas, colhida em juízo, identicamente não oferece a mínima segurança à constatação que existia participação efetiva do Apelante. A propósito, sequer avistaram, de fato, o Apelante. Ao revés, tão somente disse que “visualizou o veículo”.
Na verdade, segundo consta do depoimento do Apelante, esse fora coagido a dar cobertura aos indivíduos, posto estes terem-no rendido quando o mesmo se dirigia na região para realizar um serviço, onde, infelizmente, naquele exato momento, deu-se o episódio narrado. Não há qualquer ligação entre o Recorrente e o primeiro acusado. Tudo não passou de um erro grave e inexplicável.
Os depoimentos trazidos à baila pelas testemunhas não apontam a autoria do Apelante; é importante destacar que estas apenas souberam depois por policiais que o Recorrente era quem conduzia o veículo, senão vejamos parte da sentença (fls. 357):
Note-se que a conduta do falecido $[geral_informacao_generica], deveras reconhecido pelas vítimas como portador da arma de fogo, foi o elemento em maior destaque, porém, não houve como colher elementos da conduta, posto o mesmo ter vindo a óbito, sendo certo que todas as circunstâncias fáticas apontam para o mesmo como mentor da ação.
Destarte, inexistiu o concurso de agentes como almejado pelo Parquet, maiormente quando o Apelante explica como se deu a sua participação, por vontade alheia do mesmo.
Nesse importe, imperando dúvida, o princípio constitucional in dubio pro reo impõe a absolvição.
Este princípio reflete nada mais do que o princípio da presunção da inocência, também com previsão constitucional. Aliás, é um dos pilares do Direito Penal, e está intimamente ligado ao princípio da legalidade.
Acerca do preceito em questão, leciona Aury Lopes Jr.:
A complexidade do conceito de presunção de inocência faz com que dito princípio atue em diferentes dimensões no processo penal. Contudo, a essência da presunção de inocência pode ser sintetizada na seguinte expressão: dever de tratamento. Esse dever de tratamento atua em duas dimensões, interna e externa ao processo. Dentro do processo, a presunção de inocência implica um dever de tratamento por parte do juiz e do acusador, que deverão efetivamente tratar o réu como inocente, não (ab)usando das medidas cautelares e, principalmente, não olvidando que a partir dela, se atribui a carga da prova integralmente ao acusador (em decorrência do dever de tratar o réu como inocente, logo, a presunção deve ser derrubada pelo acusador). Na dimensão externa ao processo, a presunção de inocência impõe limites à publicidade abusiva e à estigmatização do acusado (diante do dever de tratá-lo como inocente) [ ... ]
No mesmo sentido elucida Fernando da Costa Tourinho Filho:
Uma condenação é coisa séria; deixa vestígios indeléveis na pessoa do condenado, que os carregará pelo resto da vida como um anátema. Conscientizados os Juízes desse fato, não podem eles, ainda que, intimamente, considerem o réu culpado, condená-lo, sem a presença de uma prova séria, seja a respeito da autoria, seja sobre a materialidade delitiva [ ... ]
Não discrepa desse entendimento Norberto Avena, o qual professa que:
Também chamado de princípio do estado de inocência e de princípio da não culpabilidade, trata-se de um desdobramento do princípio do devido processo legal, consagrando-se como um dos mais importantes alicerces do Estado de Direito. Visando, primordialmente, à tutela da liberdade pessoal, decorre da regra inscrita no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, preconizando que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Conforme refere Capez, o princípio da presunção de inocência deve ser considerado em três momentos distintos: na instrução processual, como presunção legal relativa da não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; na avaliação da prova, impondo-se seja valorada em favor do acusado quando houver dúvidas sobre a existência de responsabilidade pelo fato imputado; e, no curso do processo penal, como parâmetro de tratamento acusado, em especial no que concerne à análise quanto à necessidade ou não de sua segregação provisória [ ... ]
De outro importe, caso não aceita a tese ora sustentada de que o Apelante jamais tivera qualquer liame com o delito em espécie, o que se diz apenas por argumentar, ainda assim as considerações fáticas obtida deste fólios, e delimitadas na denúncia, jamais poderiam ensejá-lo como partícipe do crime aqui apurado.
Temos que o primeiro acusado juntamente com o indivíduo com , foram os que praticaram a conduta descrita no núcleo do tipo penal debatido (roubo). Ao ora Apelante, de acordo com esta mesma peça exordial acusatória, imputou-se participação no desiderato do delito. Entretanto, sob este específico enfoque houve um grave equívoco na sentença condenatória guerreada.
A sentença veio a confirmar a participação do Apelante, dispondo que o Apelante, em seu veículo, daria fuga para os autores do assalto, o que, frise-se, não fora comprovado nos autos. Primeiro porque o próprio Apelante aponta a coação sofrida, ao ver a arma de fogo de posse dos indivíduos; segundo porque o mesmo não resistiu à ordem de prisão, ao contrário dos primeiros que fugiram em meio ao mato, quando um chegou a trocar tiros com os policiais e foi alvejado. O Apelante de forma pacífica parou o veículo, e mesmo assim foi rechaçado pela força física dos policiais.
Mas, indaga-se: seria a atuação do Apelante decisiva para o êxito da empreita criminosa em estudo? Claro que não! E isso tem uma implicação jurídica de extrema relevância.
É consabido que para a perpetração do concurso de pessoas existem alguns requisitos, a saber:
( a ) pluralidade de agentes e de condutas;
( b ) relevância causal de cada conduta;
( c ) liame subjetivo entre os agentes;
( d ) identidade de infração penal.
Não é o que observamos dos autos, muito menos dos fundamentos pelos quais a sentença ancorou-se.
Aqui, no mínimo inexiste minimamente qualquer relevância da atitude do Apelante com a produção do resultado delituoso em vertente. O fato de o Acusado ser obrigado a dirigir para os acusados não significa que este participou em conjunto de intenções com os autores. Há de existir uma relevância causal, como antes assinalado, para que, enfim, seja considerada participativa a atitude do Apelante. Isso não se comprovou, obviamente.
Com respeito ao tema, vejamos as lições de Cleber Masson:
Concorrer para a infração penal importa em dizer que cada uma das pessoas deve fazer algo para que a empreitada tenha vida no âmbito da realidade. Em outras palavras, a conduta deve ser relevante, pois sem ela a infração penal não teria ocorrido como e quando ocorreu.
O art. 29, caput, do Código Penal fala em ´de qualquer modo´, expressão que precisa ser compreendida como uma contribuição pessoal, física ou mora, direta ou indireta, comissiva ou omissiva, anterior ou simultânea à execução. Deve a conduta individual influir efetivamente no resultado.
De fato, a participação inócua, que em nada concorre para a realização do crime, é irrelevante para o Direito Penal [ ... ]
( sublinhamos )
Outrossim, ainda comentando acerca dos requisitos do concurso de pessoas, desta feita quanto ao vínculo subjetivo de vontades, professa o mesmo autor in verbis:
Esse requisito, também chamado de concurso de vontades, impõe estejam todos os agentes ligados entre si por um vínculo de ordem subjetiva, um nexo psicológico, pois caso contrário não haverá um crime praticado em concurso, mas vários crimes simultâneos. “ (Ob. e aut. cits., pág. 482)
Com a mesma sorte de entendimento, leciona Cezar Roberto Bitencourt que:
O concurso de pessoas compreende não só a contribuição causal, puramente objetiva, mas também a contribuição subjetiva, pois, como diz Soler, ‘participar não quer dizer só produzir, mas produzir típica, antijurídica e culpavelmente’ um resultado proibido. É indispensável a consciência de vontade de participar, elemento que não necessita revestir-se da qualidade de ‘acordo prévio’, que, se existir, representará apenas a figura mais comum, ordinária, de adesão de vontades a realização de uma conduta delituosa pode faltar no verdadeiro autor, que, aliás, pode até desconhecê-lo, ou não desejá-la, bastante que o outro agente deseje aderir à empresa criminosa. Porém, ao partícipe é indispensável essa adesão consciente e voluntária, não só na ação comum, mas também no resultado pretendido pelo autor principal. “
( . . . )
“b) Relevância causal de cada conduta
A conduta típica ou atípica de cada participante deve integrar-se à corrente causal determinante do resultado. Nem todo comportamento constitui ‘participação’, pois precisa ter ‘eficácia causal’, provocando, facilitando ou ao menos estipulando a realização da conduta principal.
( . . . )
c) Vínculo subjetivo entre os participantes
Deve existir também, repetindo, um liame psicológico entre os vários participantes, ou seja, consciência de que participam de uma obra comum. A ausência desse elemento psicológico desnatura o concurso eventual de pessoas, transformando-o em condutas isoladas e autônomas. ‘Somente adesão voluntária, objetiva (nexo causal) e subjetiva (nexo psicológico), à atividade criminosa de outrem, visando à realização do fim comum, cria o vínculo do concurso de pessoas e sujeita os agentes à responsabilidade pelas consequências da …