Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA DO TRABALHO DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, propor a presente
AÇÃO TRABALHISTA PELO RITO SUMARÍSSIMO
Em face de $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo], sem endereço de e-mail conhecido, pelas razões abaixo admitidos:
I – DA JUSTIÇA GRATUITA
A reclamante é de origem humilde e não possui condições econômicas para arcar com as custas do processo e honorários advocatícios, sem prejuízo do próprio sustento e de sua família.
Nos termos do §3º, do art. 790, da CLT, a reclamante informa que aufere a remuneração média de técnica de enfermagem, no valor de aproximadamente R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) bruto, de modo que o seu salário não ultrapassa 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Portanto, a reclamante requer a concessão dos benefícios da justiça gratuita nos termos art. 5°, LXXIV, da Constituição Federal.
II - DOS FATOS
A reclamante foi admitida em 03/05/2017, para laborar na função de técnica de enfermagem, sendo os últimos vencimentos no valor de R$ 1.811,56 (um mil, oitocentos e onze reais e cinquenta e seis centavos).
O trabalho da obreira era desempenhado em jornada 12x36; inicialmente, a reclamante trabalhou no horário das 7h às 19h, mas em meados de janeiro/2019 foi transferida para o turno da noite, passando a laborar das 19h às 7h.
Quando a reclamante trabalhou no período noturno, de janeiro/2019 até o final do contrato de trabalho, a equipe de trabalho era composta por 3 pessoas, as quais revezavam o usufruto do intervalo, a fim de que o hospital não ficasse descoberto. Então, quando 2 enfermeiras estavam à postos, o outro trabalhador estava usufruindo do intervalo de 3 horas.
O intervalo durava 3 horas, algumas vezes a reclamante deslocava-se para sua residência e em outras vezes a obreira utilizava o seu intervalo para dormir/descansar na sala de repouso que tinha no hospital réu.
Em meados de julho/2019 houve mudança na liderança do hospital, de modo que o coordenador passou a ser a pessoa de Marcel. O referido coordenador informou que, a partir de então, deveriam ser usufruídas 2 horas de intervalo, o que perdurou por 1 mês.
Porém, posteriormente, após acordo com o coordenador Marcel, no mês seguinte o intervalo voltou a ser de 3 horas, como sempre foi.
No entanto, no dia 13/09/2019, a reclamante foi surpreendida com um aviso de dispensa por justa causa, sob o argumento de no turno do dia 10/09/2019 as câmeras registraram que a reclamante deixou o posto de trabalho às 03:28 e retornou às 06:30, o que culminou na quebra de fidúcia.
A reclamante ficou completamente horrorizada com o aviso de dispensa, ainda mais por justa causa, visto que o horário da ausência no posto foi exatamente o momento de descanso da reclamante.
Irresignada, a reclamante ainda tentou argumentar com o coordenador, alegando que usufruiu do seu intervalo de 3 horas, como sempre havia feito, além do que o posto não havia ficado descoberto, pois a sua colega de turno estava à postos.
É de se destacar que, no histórico laboral da reclamante não há o registro de punições (advertências ou suspensões), nem de impontualidade, sendo que este foi um fato completamente isolado, mas justificado e explicado.
Contudo, a reclamada optou por manter a dispensa abusiva, e por discordar do motivo, a reclamante vem em Juízo pugnar pela reversão da justa causa, visando o recebimento de todas as verbas rescisórias a que faz jus.
III – DA REVERSÃO DA DISPENSA POR JUSTA CAUSA
III.1 – Da ausência de quebra de fidúcia e ausência de elementos configuradores da desídia
De acordo com o aviso de dispensa imposto à reclamante, a justa causa decorreu de: desídia, quebra de fidúcia e abandono de posto, pelo fato da obreira supostamente ter abandonado o posto de trabalho por cerca de 3 horas.
Mas na realidade, a reclamante estava usufruindo do seu intervalo, por isso é que optou por usufruí-lo fora do hospital.
Antes de mais nada, é de se destacar que a reclamante sempre foi uma excelente funcionária, tanto é que não possui em seu registro laboral aplicação de penalidade, por qualquer razão que seja, especialmente de fatos relacionados a faltas ou atrasos. Inclusive, nem mesmo advertências verbais foram dirigidas à obreira durante o pacto laboral, por qualquer razão que fosse.
Às relações do trabalho aplica-se o Princípio da Primazia da Realidade, que sobrepõe a verdade real à verdade material. Neste princípio a verdade dos fatos impera sobre qualquer contrato formal, ou seja, caso haja conflito entre o que está escrito e o que ocorre de fato, prevalece o que ocorre de fato.
Por isto, acerca deste tema, Mauricio Godinho Delgado nos mostra que:
“No Direito do Trabalho deve-se pesquisar, preferentemente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviço, independetemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica. A prática habitual – na qualidade de uso – altera o contrato pactuado, gerando direitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva)” (Curso de Direito do Trabalho, Mauricio Godinho Delgado, 7ª edição, LTR, pág. 300 e 301.).
Pois bem. Na relação laboral, durante o período em que trabalhou a noite, a reclamante sempre usufruiu de 3 horas de intervalo. Apenas em uma ocasião, que durou cerca de 30 dias, é que a reclamante e suas colegas passaram a usufruir de 2 horas de intervalo, mas posteriormente, por ter se revelado insuficiente, e não ficando o posto descoberto devido ao revezamento, as partes chegaram num acordo e o intervalo voltou a ser de 3 horas.
Quando a reclamante usufruiu de 3 horas de intervalo no dia 10/09/2019, a reclamada já tinha autorizado o usufruto de 3 horas; ainda, a obreira deixou o local de trabalho durante o intervalo, razão pela qual a dispensa por justa causa foi recebida com surpresa e espanto pela obreira.
Inclusive, conforme mencionado no aviso de dispensa, havia câmeras no hospital, de maneira que a reclamada já havia visto a reclamante e outros funcionários usufruindo de intervalo.
A reclamante não seria de louca de usufruir de intervalo, sendo que havia câmeras até mesmo na sala de descanso dos funcionários; para que a reclamante se permitiria “ser flagrada” em conduta irregular?
A reclamada concedeu um direito à reclamante, de usufruir de maior tempo de intervalo e depois penalizou a obreira justamente por usufruir do seu intervalo anteriormente concedido. Que contrassenso!
No que se refere ao argumento da desídia (violação ao art. 482, e, da CLT, para a sua caracterização, é necessário que haja faltas reiteradas, o que não ocorreu no presente caso, até mesmo porque não houve falta ao trabalho, mas sim usufruto do intervalo – a obreira não deixou de comparecer um dia inteiro no trabalho, mas o que houve foi um desencontro no usufruto tão somente do intervalo!
Nesse sentido é a jurisprudência trabalhista:
DISPENSA POR JUSTA CAUSA. DESÍDIA. AFASTAMENTO. RESCISÃO INDIRETA. No caso da justa causa por desídia, a reiteração de pequenas faltas - já devidamente punidas com advertências e suspensões - requer a ocorrência de algum ato derradeiro, que se considera o ápice da conduta faltosa do obreiro, de modo a justificar a aplicação da penalidade máxima. No caso dos autos, extrai-se que as faltas cometidas pelo autor já haviam sido devidamente punidas, não se verificando a ocorrência de novo elemento a sustentar a justa causa. A atuação disciplinar da ré caracteriza dupla punição, o que não se admite. Ainda que assim não fosse, não haveria imediatidade por parte da empresa, requisito circunstancial necessário, haja vista que o interregno entre a última falta injustificada e a dispensa por justa causa foi de um mês aproximadamente, lapso temporal suficiente a afastar esse elemento. Ante o exposto, impõe-se reformar a sentença para afastar a justa causa e reconhecer a rescisão indireta, condenando-se a ré ao pagamento dessa modalidade rescisória. Apelo obreiro ao qual se dá parcial provimento.
(TRT da 23.ª Região; Processo: 0000204-35.2018.5.23.0006; Data: 06/07/2019; Órgão Julgador: 2ª Turma-PJe; Relator: MARIA BEATRIZ THEODORO GOMES)
Excelência, a obreira sequer tem histórico de falta e impontualidade, sequer tem histórico de penalizações. Como pode a reclamada classificar como desídia o fato isolado da obreira ter supostamente abandonado o posto, sendo que na realidade apenas usufruiu de seu intervalo intrajornada. Por força da distribuição do ônus da prova estabelecido no art. 373, II, do CPC, a reclamante requer que a reclamada traga em Juízo todos os cartões de ponto e o histórico de penalizações (se é que existe).
A jurisprudência entende que, para que a desídia fique configurada, é necessário que o empregador prove robustamente o ato faltoso. Vejamos:
JUSTA CAUSA. DESÍDIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. A justa causa constitui fato impeditivo do direito às reparações da dispensa, aplicando-se o disposto no art. 373, II, do CPC. Portanto, cabe ao empregador sua prova, a qual, considerando a gravidade da pena imposta ao empregado, deve ser robusta, clara e convincente. Comprovado que o alegado ato ensejador da pena aplicada não caracteriza falta grave, impõe-se a reversão da justa causa.
(TRT da 23.ª Região; Processo: 0001426-63.2017.5.23.0106; Data: 04/10/2019; Órgão Julgador: 1ª Turma-PJe; Relator: TARCISIO REGIS VALENTE)
No caso em tela, inexiste prova robusta da desídia, primeiramente, porque, este foi um fato completamente isolado em todo histórico laboral da reclamante, ou seja, antes do fato, a reclamada nunca admoestou a obreira acerca da proibição de sair do hospital no momento do intervalo.
Não há que se falar em desídia, quando a obreira não tem histórico de faltas ou/e impontualidades, nem histórico de penalizações.
Quanto à quebra de fidúcia, que é caracterizada pela quebra de confiança, ensejaria na hipótese da reclamada ter sido surpreendida com a saída da reclamante. Mas o fato é que, conforme consta no aviso de dispensa, a reclamada monitorava seus colaboradores pela câmera, ou seja, sempre viu e teve ciência da troca de intervalos e do usufruto do intervalo em horário diverso do registrado. Não há que se falar em quebra de fidúcia numa situação em que a ré sempre soube que seus funcionários usufruíam de intervalo de 3 horas, e que a obreira as vezes usufruía do seu intervalo fora do hospital.
No caso em tela, a Reclamante estava em repouso.
No que se refere ao abandono de posto, é importante separar essa acusação em dois pontos para a reflexão: 1) a reclamante estava usufruindo do seu intervalo no interregno de tempo em que a ré a acusa de abandono; 2) Não houve abandono de posto, pois a colega de turno da obreira permaneceu trabalhando – o posto não ficou desguarnecido, pois havia uma técnica (colega de turno) cobrindo o hospital nesse horário. Inclusive, a reclamada não teve prejuízos ou perdas por essa breve ausência da obreira no posto de serviço, justamente porque o posto estava coberto, ainda mais em horário em que não há fluxo de pacientes. A ausência da reclamante no posto de trabalho, ainda que para usufruir de intervalo, não colocou as atividades da ré em risco ou segurança, pois outra técnica de turno permaneceu no setor.
Reitera-se que a reclamante não tinha penalidades em seu histórico laboral e nunca foi cientificada de que não poderia mais usufruir do seu intervalo intrajornada de mais de 2 horas, ou mesmo penalizada por advertência ou suspensão acerca de tal prática. Esse fato é evidenciado pela presença de câmeras no local de trabalho, em que os prepostos do hospital sempre viram que os funcionários desfrutavam plenamente do intervalo, mas nunca adotaram qualquer prática para cessar o usufruto, seja por meio de comunicado ou por meio de aplicação de penalidade.
Destaca-se, …