Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE FEDERAL DA $[processo_vara] VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], $[parte_autor_rg], $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo], vem, através de procuradora (mandado anexo), à presença de Vossa Excelência, impetrar o presente:
MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL COM PEDIDO DE LIMINAR
Com arrimo no art. 1º, da Lei n.º 12.016/09 e art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, contra ato e em face da$[parte_reu_razao_social], $[parte_reu_cnpj], pessoa jurídica de direito privado, com sede $[parte_reu_endereco_completo] pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:
PRELIMINARMENTE – DA JUSTIÇA GRATUITA
Ab initio, pugna o Impetrante pelos benefícios da justiça gratuita, nos termos disciplinadores dos diplomas legais pertinentes à espécie, quais sejam o art. 98, caput, da Lei 13.105/15 (Código de Processo Civil), bem assim, a Constituição Federal, art. 5° e incisos XXXIV, XXXV, vez que, presentemente, não possui condições de pagar quaisquer despesas processuais sem o prejuízo de seu próprio sustento, assim como o de sua família.
Com efeito, repise-se que o mesmo é escriturário do Banco Mercantil do Brasil, e, nessas condições, percebe um diminuto salário líquido de R$ 2.189,71 (dois mil, cento e oitenta e nove reais e setenta e um centavos), tendo que fazer frente a diversas despesas, tais como vestuário, remédios, alimentação, energia elétrica, internet etc, além de seus estudos preparatórios para o curso de medicina, comprando livros, material, etc., do que se permite concluir da sua impossibilidade de arcar com as custas do presente mandamus.
Desta feita, REQUER a concessão do benefício da Justiça Gratuita.
I. DOS FATOS
O Requerente é pessoa esforçada, trabalhadora, estudiosa e dedicada, que sempre nutriu intenso e ardoroso desejo de cursar medicina, tendo reunido boa parte de seu tempo livre e de estudo para atingir esse objetivo.
Nessas condições, com muito esforço e dedicação, mesmo trabalhando em um banco e usando seu tempo livre para estudar apenas, conseguiu passar no concurso vestibular de um dos melhores educandários de ensino superior do Brasil: a Universidade Federal de $[geral_informacao_generica], ora Impetrada, e no curso de medicina.
É sabido também por toda a sociedade que o Estado brasileiro, com o objetivo de corrigir as enormes distorções existentes na sociedade e também para assegurar a inserção de minorias no ensino superior, proporciona, através da Lei n. 12.711/12, o ingresso de pessoas AUTODECLARADAS integrantes da minoria no sistema de cotas, sendo reservado um percentual das vagas para essas pessoas, condição na qual se insere o Impetrante.
Assim, o Impetrante, pessoa autodeclarada etnicamente parda, resolveu, conforme previsão legal E EDITALÍCIA, optar por ingressar no sistema de cotas, tendo feito, assim, a autodeclaração de que é pardo e enviado à Instituição Impetrada e escolhido a opção da modalidade 2B1, que, conforme o edital, é composta de pessoas autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas e que cursaram integralmente o ensino médio em instituições de ensino pública brasileiras.
Ato contínuo, logrou, como falado alhures, a aprovação no curso de Medicina, tendo atingido a honrosa colocação de PRIMEIRO LUGAR.
Ocorre que, apesar de ter enviado a documentação conforme exigido no edital expedido pela Impetrada, e apesar de ser autodeclarado PARDO, a Comissão de Heterodeclaração, em atitude completamente ilegítima, ilegal e imoral, acabou por INDEFERIR a matrícula do Impetrante, sob o pretexto sofismático de que a referida comissão considerou que o mesmo NÃO FORA CONSIDERADO PARDO, e, consequentemente, acabou frustrando os sonhos do Impetrante de ingressar nos bancos da Impetrada no curso de medicina, revelando-se, desta forma, um lídimo ATO COATOR contra o DIREITO LÍQUIDO E CERTO do Impetrante à matrícula do sistema de cotas.
Assim, outra alternativa não resta ao Impetrante que não impetrar este remédio processual constitucional, a fim de ver seu direito líquido e certo respeitado e que as normas federais que regulamentam o caso em espeque possam ser devidamente obedecidas.
II. DOS FUNDAMENTOS
a) Do Cabimento e tempestividade
De acordo com o art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, o Mandado de Segurança é o instrumento processual cabível em casos de violação ou ameaça de violação a direito líquido e certo. Nesse sentido, observe-se:
“art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;”
Ademais, a Lei n.º 12.016/09, que disciplina acerca do Mandado de Segurança, reforça o aspecto previsto constitucionalmente acerca do mandamus, bem como acrescenta regras específicas, como, por exemplo, o requisito temporal para sua Impetração, no sentido de que o espaço de tempo entre a lesão e a propositura do Instrumento deve ser de no máximo 120 (cento e vinte) dias.
No caso em tela, o Direito Líquido e certo a ser resguardado é a matrícula do Impetrante no curso de medicina da Impetrada pelo sistema de cotas, e que se aplica inteiramente ao caso sub judice, como será adiante visto amiúde.
Com efeito, verifica-se que a lesão se deu decorrente do ato abusivo perpetrado pelo presidente da Comissão de Heteroidentificação, sr. $[geral_informacao_generica], que denegou a matrícula do Impetrante por não reconhecer o Impetrante como sendo pardo, decisão da qual o mesmo tomou ciência em 07.08.2020, conforme documento anexo.
Então, tendo como marco inicial 07 de agosto de 2020 e, por sua vez, impetrado o presente antes do decurso do prazo de 120 (cento e vinte) dias, além da presença nítida do Direito Líquido e Certo no presente caso, tem-se como cumpridos os requisitos do cabimento e da tempestividade.
b) Do Direito Líquido e Certo. Matrícula Universitária. Cotas Raciais. Cabimento
O Brasil, como se sabe, é um país plural: negros, índios, europeus, asiáticos, entre outros povos, vieram em algum momento para cá e aqui se miscigenaram, deixando impressos seus caracteres culturais. Assim, a miscigenação é uma marcante característica brasileira, sendo que as etnias nesta grande nação convivem todas em paz e em estado democrático.
Todavia, pode-se vislumbrar que, apesar da paz que reina no caldo cultural, as diferenças entre os negros, índios e pardos e pessoas brancas são enormes: seja nas habitações, seja nas oportunidades, seja no poder aquisitivo e seja até mesmo na clientela do sistema penal, o fato é que integrantes dessas etnias têm, no geral, menos oportunidades, o que alimenta e mesmo faz fervilhar o caldeirão da desigualdade social.
Por conta disso, o Governo Federal adotou uma política de Ações Afirmativas, que são medidas tomadas de caráter temporário e que serve para corrigir uma distorção social de caráter urgente. Observe-se abaixo o conceito de ação afirmativa:
“[…] As affirmative actions, por cujas origens, meios e fins perpassaremos sinteticamente, são definidas como políticas ou programas, públicos ou privados, que objetivam conceder algum tipo de benefício a minorias ou grupos sociais que se encontrem em condições desvantajosas em determinado contexto social, em razão de discriminações, existentes ou passadas, tais como as pessoas portadoras de necessidades especiais, idosos, índios, mulheres e negros. As ações afirmativas remontam à Lei do Serviço de Libertos (Freedman’s Bureau Act), que instituiu um serviço no Departamento de Guerra dos Estados Unidos para dispensar cuidados e proteção aos escravos libertos e realizar a supervisão de terras abandonadas em 1865” (MORAES, Guilherme Pena de. Lineamentos das ações afirmativas no Brasil. São Paulo. Carta Forense. Edição de junho. 2012)
Entre as modalidades de ação afirmativa, está as cotas educacionais. O sistema de cotas foi adotado inicialmente em 2006, mas já fora consolidado no Ordenamento Jurídico Nacional, com a edição da Lei n 12.711/12, e diz respeito à reserva de vagas nas universidades públicas federais para indivíduos autodeclarados pretos, pardos, indígenas e demais integrantes das minorias étnicas. Observe-se:
Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016)
Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Conforme delimitara a legislação retromencionada, as vagas de que trata são preenchidas por pessoas AUTODECLARADAMENTE pretos, partos e indígenas. Frise-se o termo utilizado pela Lei: AUTODECLARADOS. Isso significa que não haverá uma comissão para analisar a autodeclaração do candidato, sob pena de se convolar tal prática em costume contra-legem, o que significa a negação da própria Lei, situação que se traveste num verdadeiro absurdo.
No caso em tela, o Impetrante teve conspurcado o seu sonho de estudar medicina por uma decisão da comissão de heteroidentificação …