Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, propor a presente
AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
nos termos do Código de Defesa do Consumidor, em face de $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo]elos fatos e fundamentos a seguir expostos.
I - DOS FATOS
Após um período de namoro, os Requerentes ficaram noivos no ano de 2016 e resolveram se casar.
E como quem casa quer casa, decidiram que a melhor opção seria adquirir um imóvel e por isso escolheram um apartamento da Requerida, no empreendimento denominado $[geral_informacao_generica], cujo término estava previsto para o dia 30/12/2016 (quadro VII, contrato de compra e venda, doc.4).
No dia 24 de outubro de 2016, os Requerentes formalizaram a compra do imóvel, mediante a assinatura do contrato de compra e venda (doc.4 e 4.1).
Os Autores adquiriram a unidade 103, da torre 3, ficando combinado que o valor do imóvel seria de R$ 436.246,00 (duzentos e trinta e seis mil, duzentos e quarenta e seis reais), a ser pago da seguinte maneira:
A - R$ 172.246,00 (cento e setenta e dois mil reais), sendo:
A1 – R$ 5.000,00 (cinco mil reais) de sinal, em 31/10/2016;
A2 - R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em 20/11/2016;
A3 - 35 (trinta e cinco) parcelas mensais de R$ 1.275,00 (um mil, duzentos e setenta e cinco reais) a partir de 20/12/2016;
A4 - desconto de R$ 107.521,00 (cento e sete mil, quinhentos e vinte e um reais), oriundos da promoção “Adimplência Premiada” (doc.5), em que contemplava os compradores que adquirissem imóvel no período de 01/07/2016 a 30/09/2016 e que ficassem adimplentes, com um desconto de 15% (quinze por cento) sobre o valor do imóvel (termo 6 da Adimplência Premiada).
A5 - R$ 100,00 (cem reais), a ser pago em 10/09/2016.
B - R$ 264.000,00 (duzentos e sessenta e quatro mil reais), a ser pago mediante financiamento.
Consoante os comprovantes de pagamento em anexo (doc9.), os Requerentes pagaram o total de R$ 29.042,41 (vinte e nove mil quarenta e dois reais e quarenta e um centavos), conforme descrito nos itens A1, A2 e mais 7 (sete) parcelas de aproximadamente R$ 1.275,00 (um mil, duzentos e setenta e cinco reais).
Oportuno dizer que, os Requerentes foram contemplados com a Promoção Adimplência Premiada, já que negociaram o apartamento no período da promoção e estiveram adimplentes com as parcelas.
Em meados de maio/2017, os Requerentes receberam um comunicado de Convocação da Assembleia de Condomínio (doc.8) e assim começou o frio na barriga de entrar num imóvel novinho em folha!
Ainda em maio/2017, a Requerida ligou para os Requerentes darem início ao procedimento de financiamento, pois o imóvel seria entregue no mês de junho/2017. E assim os Requerentes fizeram, procuraram o Banco Bradesco, que era o agente financeiro maciçamente recomendado pela Requerida (doc.6).
Os Requerentes levaram no Banco Bradesco, indicado pela Requerida, toda a documentação exigida, tais como documentos pessoais, comprovantes de renda, extratos bancários, etc, e aguardaram ansiosamente a liberação do financiamento. Após dias e mais dias de espera, o banco Bradesco simplesmente negou o financiamento, sem nem mesmo explicar qualquer tipo de problema, ou qualquer tipo de recusa de documentação, apenas se limitando a dizer por telefone que o financiamento não tinha sido aprovado.
Em seguida, já em 23 de junho de 2017, a Requerente obteve crédito de financiamento no banco no qual era correntista, no banco Itaú. Assim, os Requerentes levaram toda a documentação no banco Itaú e dias depois receberam a confirmação de que o financiamento fora aprovado! (doc.10 ).
É importante destacar que os Requerentes precisavam financiar R$ 264.000,00 (duzentos e sessenta e quatro mil reais), e os Requerentes tinham um crédito disponível de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais)
Ao dar mais passo rumo à aquisição completa do imóvel, o banco Itaú chamou os Requerentes para trazerem a documentação relativa ao imóvel, especialmente o “Habitese”.
Os Requerentes comunicaram a Requerida da aprovação do financiamento e pediram a documentação referente ao Habitese, e como a Requerida nunca chamava os Requerentes, bem como nada dizia sobre a entrega das chaves, os Requerentes descobriram que o imóvel não tinha Habitese ainda. Isso foi gerando muita angústia nos Requerentes, já que o casamento se aproximava e não tinha um lugar para morar.
Em julho/2017, mesmo sem nem receberam as chaves do imóvel, nem mesmo o imóvel ter habite-se que permitisse o financiamento, o Requerente começou a receber boletos de condomínio.
Em 24/08/2017 os Requerentes casaram-se e como não tinham onde morar, arranjaram um apartamento alugado de última hora, situação esta que causou muito transtorno, frustração e aflição aos recém-casados.
O tempo passou, os Requerentes não foram chamados para concretizar o financiamento na época oportuna, nem mesmo para receberem as chaves, e por esta razão, pela inércia e descaso da Requerida, os Requerentes foram até a sede da Requerida e pediram a rescisão contratual.
Entretanto, a Requerida se nega a realizar a rescisão sem que os Requerentes paguem a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) de multa que sequer está previsto no contrato.
Dessa forma, os Requerentes sofreram INÚMEROS prejuízos por causa do descaso da Requerida, motivo pelo qual desejam a reparação e ajuízam a presente ação.
II – DO DIREITO
II.1 - DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Como de fato a relação contratual entabulada entre as partes é de consumo, sujeitar-se, portanto, ao disposto nas normas do Código de Defesa do Consumidor.
Isso porque, de um lado, tem-se como consumidor os Requerentes, que adquiriram o imóvel como destinatários finais, com o objetivo de ali residirem como família (art. 2º do CDC).
E de outro lado vê-se a Requerida como fornecedora de produtos e serviços na condição de comercializadora, já que planeja, vende e divulga o empreendimento, conforme discrimina o art.2º do CDC.
O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência consolidada, no sentido de que aplica-se o CDC ao contratos de compra venda quando o imóvel for destinado ao uso próprio do adquirente ou de sua família. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ATRASO DA OBRA. ENTREGA APÓS O PRAZO ESTIMADO. CLÁUSULA DE TOLER NCIA. VALIDADE. PREVISÃO LEGAL. PECULIARIDADES DA CONSTRUÇÃO CIVIL. ATENUAÇÃO DE RISCOS. BENEFÍCIO AOS CONTRATANTES. CDC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. OBSERV NCIA DO DEVER DE INFORMAR. PRAZO DE PRORROGAÇÃO. RAZOABILIDADE.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, a qual permite a prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra. 2. A compra de um imóvel "na planta" com prazo e preço certos possibilita ao adquirente planejar sua vida econômica e social, pois é sabido de antemão quando haverá a entrega das chaves, devendo ser observado, portanto, pelo incorporador e pelo construtor, com a maior fidelidade possível, o cronograma de execução da obra, sob pena de indenizarem os prejuízos causados ao adquirente ou ao compromissário pela não conclusão da edificação ou pelo retardo injustificado na conclusão da obra (arts. 43, II, da Lei nº 4.591/1964 e 927 do Código Civil). 3. No contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, além do período previsto para o término do empreendimento, há, comumente, cláusula de prorrogação excepcional do prazo de entrega da unidade ou de conclusão da obra, que varia entre 90 (noventa) e 180 (cento e oitenta) dias: a cláusula de tolerância. 4. Aos contratos de incorporação imobiliária, embora regidos pelos princípios e normas que lhes são próprios (Lei nº 4.591/1964), também se aplica subsidiariamente a legislação consumerista sempre que a unidade imobiliária for destinada a uso próprio do adquirente ou de sua família. 5. Não pode ser reputada abusiva a cláusula de tolerância no compromisso de compra e venda de imóvel em construção desde que contratada com prazo determinado e razoável, já que possui amparo não só nos usos e costumes do setor, mas também em lei especial (art. 48, § 2º, da Lei nº 4.591/1964), constituindo previsão que atenua os fatores de imprevisibilidade que afetam negativamente a construção civil, a onerar excessivamente seus atores, tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos, greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre outros contratempos. 6. A cláusula de tolerância, para fins de mora contratual, não constitui desvantagem exagerada em desfavor do consumidor, o que comprometeria o princípio da equivalência das prestações estabelecidas. Tal disposição contratual concorre para a diminuição do preço final da unidade habitacional a ser suportada pelo adquirente, pois ameniza o risco da atividade advindo da dificuldade de se fixar data certa para o término de obra de grande magnitude sujeita a diversos obstáculos e situações imprevisíveis. 7. Deve ser reputada razoável a cláusula que prevê no máximo o lapso de 180 (cento e oitenta) dias de prorrogação, visto que, por analogia, é o prazo de validade do registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento (arts. 33 e 34, § 2º, da Lei nº 4.591/1964 e 12 da Lei nº 4.864/1965) e é o prazo máximo para que o fornecedor sane vício do produto (art. 18, § 2º, do CDC). 8. Mesmo sendo válida a cláusula de tolerância para o atraso na entrega da unidade habitacional em construção com prazo determinado de até 180 (cento e oitenta) dias, o incorporador deve observar o dever de informar e os demais princípios da legislação consumerista, cientificando claramente o adquirente, inclusive em ofertas, informes e peças publicitárias, do prazo de prorrogação, cujo descumprimento implicará responsabilidade civil. Igualmente, durante a execução do contrato, deverá notificar o consumidor acerca do uso de tal cláusula juntamente com a sua justificação, primando pelo direito à informação. 9. Recurso especial não provido. (REsp 1582318/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 21/09/2017)
Dessa forma, preenchidos os requisitos legais e em consonância com o entendimento jurisprudencial, requer-se a aplicação do CDC à situação posta.
II.2 – DA RESOLUÇÃO CONTRATUAL – CULPA DA RÉ
Conforme consta, as partes tinham entre si contrato de compra de venda, em que a parte Requerido obrigou-se a entregar o imóvel situado no Condomínio $[geral_informacao_generica], unidade 103, da torre 3, até o dia 30/12/2016 (quadro VII do Preâmbulo Contratual).
Em junho/2017, mês que era para o imóvel ter sido entregue, os Requerentes conseguiram crédito suficiente para financiar o saldo devedor do imóvel, mas como a Requerida não tinha Habitese, não foi possível dar seguimento à operação.
Apesar de inúmeros contatos, a Requerida não forneceu a documentação do Habitese e muito menos deu qualquer expectativa de quando iria regularizar a questão, deixando os Requerentes sem respostas e sem saber o que fazer.
Observa-se que os Requerentes tinham o intuito de adquirir o imóvel sim, até mesmo porque em junho/2017 já tinham aprovação para financiamento e o casamento se daria em agosto/2017, mas não foi possível dar seguimento ao negócio por culpa da Requerida, que não forneceu a documentação necessária para possibilitar o financiamento.
E não só por isso, os Requerentes começaram a receber cobranças de condomínio sendo que sequer tinham entrado na posse do imóvel – um absurdo!
Ressalta-se que, em junho/2017, época em que era para o imóvel ser entregue, os Requerentes já estavam aptos ao financiamento do imóvel e não conseguiram seguir no procedimento por conta da Ré, e assim somente deixaram de pagar as parcelas mensais devido à extrema insegurança se estarem pagando um bem que sequer estava Ok para ser financiado.
A Requerida é quem deu causa à rescisão contratual, já que inexplicavelmente não entregou a documentação referente ao Habitese que permitisse que os Requerentes financiassem o imóvel, bem como nunca entregou as chaves aos Requerentes.
Como os Requerentes poderiam se sentir seguros em continuar com o negócio, se precisavam financiar o saldo devedor, mas não conseguiam devido à ausência de documentação da Ré.
Na tentativa de resolver amigavelmente a questão, a Requerida impôs aos Requerentes a perda integral dos valores pagos, sob o argumento de que a rescisão contratual teria como penalidade a retenção integral dos valores pagos, no importe aproximado de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Ocorre que os Requerentes não concordam de jeito nenhum com a retenção integral do valores pagos, até mesmo porque tal prática é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, que assim diz:
Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
Apesar de não se tratar de inadimplemento dos Requerentes, é certo que a natureza jurídica da norma é coibir a retenção integral das parcelas pagas na compra e venda de imóveis.
O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência sumulada, no sentido de que deve ocorrer a restituição imediata e integral dos valores pagos, caso a resolução tenha se dado por culpa exclusiva do vendedor:
Súmula 543 - Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. (Súmula 543, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015)
Observa-se que no presente caso não foram os Requerentes quem deram causa à resolução, pois, além de estarem pagando as parcelas em dias, ainda estavam aptos ao financiamento do imóvel, o que só não ocorreu por culpa da Ré que não tinha o Habitese ou não entregou para os Requerentes quando estes foram concretizar o financiamento.
Alinhado ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os tribunais brasileiros têm entendido que a ausência de Habite-se configura culpa exclusiva da vendedora/fornecedora para a resolução contratual da compra e venda:
CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. AUSÊNCIA DE EXPEDIÇÃO DE HABITESE. IMPOSSIBILIDADE DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO. INEXIGIBILIDADE DA PRESTAÇÃO DENOMINADA FINANCIAMENTO ENQUANTO NÃO CONCLUÍDA A OBRA E EXPEDIDO HABITE-SE. INADIMPLEMENTO EXCLUSIVO DA CONSTRUTORA. SÚMULA 543 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS E EM PARCELA ÚNICA. RESCISÃO E CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Incide na hipótese de compra e venda de imóvel na planta firmado entre pessoa jurídica e pessoa física o Código de Defesa do Consumidor (arts. 2º e 3º do CDC). 2. A parcela denominada "chaves" (financiamento bancário) deve ser paga tão somente quando da conclusão da obra, com o recebimento do habite-se. 3. Ausente a comprovação de concessão do habite-se, não há que se falar em inadimplemento contratual por parte do consumidor que deixou de efetuar o pagamento da parcela "financiamento". 4. Possível a cumulação de pedidos de rescisão contratual e pagamento de lucros cessantes se ultrapassado o prazo de conclusão da obra, ausente habite-se, bem como por não ter usufruído o consumidor do imóvel. 5. Os lucros cessantes em caso de atraso de entrega de imóvel são presumidos. 6. Sendo a construtora a única e exclusiva responsável pela rescisão contratual, deve ressarcir integralmente o valor pago pelo consumidor (Súmula 534 do STJ). 7. Recurso conhecido e desprovido. (TJDF 20160310100856 DF 0009887- 71.2016.8.07.0003, Relator: SEBASTIÃO COELHO, Data de Julgamento: 31/05/2017, 5ª TURMA CÍVEL,Data de Publicação: Publicado no DJE : 08/06/2017 .Pág.: 360/364).
E mais:
APELAÇÃO CÍVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE AUTÔNOMA. AÇÃO DENOMINADA DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS. ATRASO NA ENTREGA. RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. O cumprimento das exigências contratuais por parte da promitente compradora, somado ao descumprimento da promitente vendedora quanto à entrega da unidade edilícia, justifica a restituição integral do valor já pago pela demandante, acrescida de correção monetária pelo IGP-M, a contar de cada desembolso, e de juros de mora desde a citação. Aplica-se a Súmula 543 do STJ: "Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento". (Apelação Cível Nº 70066702333, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 14/10/2015).
Constatando-se que foi a Requerida quem a inadimplente, já que sequer apresentou o Habite-se que permitisse a entrega definitiva do imóvel aos compradores, além do que, mesmo que o financiamento dos Requerentes tivesse aprovado, sequer chamou os compradores para concretizar o negócio, deve ser restituída integralmente a quantia paga.
Os Requerentes vinham honrando com todos os pagamentos, bem como tinham crédito mais do que suficiente para financiar o saldo devedor e só não conseguiram ir adiante com o financiamento por falta de Habite-se.
Dessa forma, não é justo, lícito e coerente que a Requerida queira reter integralmente os valores pagos, visto que não foram os Requerentes quem deram causa à resolução contratual.
Importante salientar que, ao presente caso, como a Ré é quem deu causa à resolução contratual, é cabível em favor dos Requerentes a multa contratual descrita na cláusula 6.13 do contrato de compra e venda (doc.):
Como a Requerente recebeu R$ 29.042,41 (vinte e nove mil quarenta e dois reais e quarenta e um centavos), deverá ser aplicado ao caso a multa indenizatória ínfima de R$ 1.452,12 (um mil, quatrocentos e cinquenta e dois reais e doze centavos).
Por esta razão, os Requerentes pugnam em Juízo que seja declarada a resolução contratual da compra e venda por culpa da Ré, condenando a Requerida a promover a restituição imediata e integral de R$ 29.042,41 (vinte e nove mil quarenta e dois reais e quarenta e um centavos), referente aos valores pagos com correção monetária a partir do desembolso e juros de mora a partir da citação, mais 2% de multa indenizatória no importe de R$ 1.452,12 (um mil, quatrocentos e cinquenta e dois reais e doze centavos), com correção monetária a partir do efetivo prejuízo e juros de mora a contar da citação.
II.2.1 – DO PEDIDO EM ORDEM SUSIDIÁRIA – RETENÇÃO PARCIAL DOS VALORES PAGOS
O Código de Processo Civil autoriza que a parte formule pedido de ordem subsidiária, de modo que, caso o juiz não acolha o pedido anterior, que possa conhecer do posterior. In verbis:
Art. 326. É lícito formular mais de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, quando não acolher o anterior.
Caso não seja o entendimento de Vossa Excelência, de que a Ré a única culpada pela resolução contratual, os Requerentes pugnam pela retenção parcial das parcelas pagas, mas jamais hão de concordar com a retenção integral dos valores, mesmo que inesperadamente o Juízo entenda que os Requerentes, apesar de tudo, foram responsáveis pela resolução.
Contudo, conforme já explanado e com base na ampla jurisprudência brasileira, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de compra e venda de imóveis em que a unidade imobiliária for destinada a uso próprio do adquirente ou de sua família.
O contrato celebrado entre as partes é de adesão, já que os Requerentes não tiveram a mínima oportunidade de discutir as cláusulas contratuais, especialmente no que se refere à multa contratual.
O CDC conceitua o contrato de adesão em seu art. 54:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Assim, em nenhum momento os Requerentes tiveram a oportunidade de manifestar a sua discordância em relação ao percentual da multa por resolução contratual.
De qualquer forma, o Código Consumerista determina em seu art.47 que “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
Pois bem. Analisando-se detidamente o contrato de compra e venda, verifica-se a Requerida, valendo-se da hipossuficiência dos consumidores, fixaram multas completamente desarrazoadas em caso de resolução contratual.
De forma muito simples, caso os Requerentes sejam responsáveis pela resolução, seria aplicada uma multa de 25% em desfavor dos consumidores; por outro lado, se fosse a Requerida a responsável pelo resolução contratual, seria aplicado apenas a ínfima e vergonhosa multa de 2%.
Vejamos como constou no contrato, nas condições gerais:
CULPA DOS CONSUMIDORES
25% dos valores efetivamente pagos
6.5 – No caso de rescisão motivada por inadimplência, ou por solicitação do COMPRADOR, ainda que adimplente, será apurada a quantia paga pelo comprador, devidamente atualizada pelo índice previsto neste contrato, e dela será descontado o percentual equivalente a 25% (vinte e cinco por cento), referente aos custos administrativos, além de despesas com a venda, comprovadamente suportadas pela VENDEDORA, bem como perdas e danos decorrentes da rescisão motivada exclusivamente pelo comprador (não se consideram nos …