Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE $[PROCESSO_COMARCA] $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, propor a presente
AÇÃO RESCISÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES
em face de $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo]pelas razões de fato e de direito doravante aduzidas:
DOS FATOS
Em fevereiro de 2019, a autora, que é de Minas Gerais, locou imóvel com fins residenciais, nesta Cidade, haja vista sua necessidade, à época, de residir nas imediações de seu local de trabalho.
De acordo com o contrato anexo, a locação teria prazo de 30 meses, a se encerrar em 06/08/2021, e o valor do aluguel corresponderia a R$ 2.500,00, aplicando-se-lhe, no mais, as disposições comuns à espécie.
Sucede que, em 2020, eclodiu a pandemia da Covid-19, que, já em março, impôs restrições ao deslocamento social e, sobretudo, ao funcionamento das indústrias, comércios e empresas prestadoras de serviços.
A vida da autora foi profundamente impactada.
Em razão das restrições sanitárias impostas pelo governo e às recomendações das autoridades responsáveis, foi a autora colocada em regime de home office, vindo a enfrentar redução salarial e aumento das despesas cotidianas, causadas, como é de se esperar, pelo novo paradigma laboral.
Por essas razões, a autora, que não conseguia mais arcar com o alto custo de vida do Estado de São Paulo e, em particular, da cidade de Campinas, viu-se forçada a regressar à sua cidade natal, em Minas Gerais, onde podia residir junto de sua família, reajustando sua realidade à conjuntura pandêmica.
A ré, locadora do imóvel, chegou a conceder módica redução do aluguel – que, mesmo numa análise perfunctória, mostra-se relativamente elevado, sobretudo quando proposto para remunerar uso de bem que esteve, em grande parte do tempo, desocupado, por razões alheias à vontade da locatária. Ainda assim, porém, com o passar de alguns meses, sem reversão do estado de coisas, alternativa não restou senão pedir, em novembro de 2020, a devolução do imóvel, que havia desocupado meses antes.
Apesar da desocupação do imóvel, porém, que já havia ocorrido há meses, a ré passou a procrastinar o desfecho da relação contratual, forçando a cobrança dos aluguéis e encargos que vieram a se vencer nos meses subsequentes, até, finalmente, dar a relação por extinta – e apenas por força das múltiplas cobranças da autora, que enviou inúmeros e-mails e mensagens solicitando a liquidação dos haveres - no início deste ano, com cobrança de multa contratual e uma séries de encargos indevidos.
Conquanto discordasse dos valores cobrados, a fim de evitar maiores prejuízos, foi o valor pago em favor da ré.
A fim, porém, de revisar a execução contratual e os encargos rescisórios, à luz da legislação e jurisprudências aplicáveis, vem a autora, perante este D. Juízo, reclamar o que de direito, como segue.
DO DIREITO
II. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Dispõem os artigos 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor que é consumidor a pessoa física que utilize produto ou serviço como destinatário final, e fornecedor, pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, que desenvolva, entre outras, atividade de comercialização de produtos e prestação de serviços.
E, de fato, in casu, dúvida não há de que devidamente caracterizados o consumidor e o fornecedor, bem como a relação consumerista, fundada na vulnerabilidade, que atrai o microssistema protetivo.
Primeiro, porque a requerente contratou, na condição de destinatária final, o serviço de locação imobiliária, prestado e explorado profissionalmente pela ré, o que, aliás, se denota, de plano, de sua própria razão social.
Segundo, porque, a teor do art. 4°, I, do CDC, a vulnerabilidade é evidente.
Com efeito, a vulnerabilidade é conceito que, a um só tempo, caracteriza e justifica a relação de consumo, legitimando a aplicação do CDC.
No caso em apreço, nítido é que a relação mantida entre a autora, pessoa física, e a ré não é paritária.
Isso porque é a autora técnica, econômica e juridicamente vulnerável, e disso faz prova o contrato de adesão a que está sujeita, sua reduzida autonomia de vontade na consolidação dos termos contratuais e sua sujeição econômica à ré, que, inclusive, dela se vale para procrastinar o desfecho da relação, multiplicando os encargos contratuais, em que pese a interrupção precoce da execução contratual.
Assim, de rigor o reconhecimento da relação de consumo.
Além disso, em atenção à regra do art. 6, VIII, do CDC, forçoso o reconhecimento da hipossuficiência da requerente e da verossimilhança de suas alegações para efeito de inversão do ônus da prova.
Afinal, não bastasse a vulnerabilidade que caracteriza a própria relação, certo é que a distribuição estática do ônus da prova acarretaria grave prejuízo à defesa dos direitos da requerente.
Isso porque a ré mantém registros de seus serviços, inclusive os relativos à requerente e a ela é muito mais fácil fazer prova contra a autora, justamente com uso desses dados, do que essa, que não têm acesso a tais registros ou aos meandros da prestação do serviço provar os fatos constitutivos de sua pretensão.
E, como cediço, não é outra a mens legis do art. 6, VIII, do CDC: garantir a defesa dos direitos do consumidor, reequilibrando a relação processual por meio da inversão do ônus da prova, se, no caso concreto, não tem condições de produzir as provas deles constitutivas.
Deste modo, requer-se o reconhecimento da relação de consumo e a aplicação da regra da inversão do ônus da prova, forte no art. 6°, VIII, do CDC.
III. DO FORO
No que concerne à competência deste D. Juízo para conhecimento do litígio, convém ressaltar que, embora tenha a ré sede no município de Itu/SP e a autora, residência em Minas Gerais, ora exercita a cláusula de foro, que elege o presente como dirimente das eventuais controvérsias, combinado com o foro de situação da coisa, previsto no art. 58, II, da Lei n° 8.245/91.
IV. DA RESOLUÇÃO POR INEXECUÇÃO INVOLUNTÁRIA
Da teoria da imprevisão: a pandemia.
Como já narrado e de conhecimento geral, no início de 2020, irrompeu a pandemia da Covid-19.
Em razão disso, a autora passou a enfrentar risco de reduções salariais e incremento de despesas correntes.
Foi colocada em home office e não teve opção senão retornar à sua cidade natal, onde o custo de vida era significativamente menor.
Também menor era o risco de contágio, que assolava a requerente, temerosa por sua integridade física. Isso porque, de acordo com dados oficiais , o Estado de São Paulo ostenta mais que o triplo de óbitos, cuja causa mortis é a Covid-19, registrados em solo mineiro. A cidade de Campinas/SP, por sua vez, tem número seis vezes maior de casos notificados do que a de Itaúna/MG .
É evidente, portanto, que o regresso da autora à sua cidade natal era mais do que um reajuste de gastos, mas uma necessidade sanitária, visando seu bem-estar e a manutenção de sua vida.
Diante de toda essa conjuntura, acabou alijada, por fatores imprevisíveis, inelutáveis, e a ela não imputáveis, da possibilidade de dar continuidade ao vínculo contratual.
À luz do brocardo rebus sic stantbus, a teoria da imprevisão se assenta no pressuposto de que, como bem sintetiza Gonçalves , fatores externos podem gerar, quando da execução da avença, uma situação diversa da que existia no momento da celebração, onerando excessivamente o devedor.
Referido princípio, de origem medieval, foi incorporado no Código Civil em seu art. 478, pelo qual, nos contratos de execução continuada ou diferida, “se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato”.
No mesmo sentido, o art. 6, V, do Código de Defesa do Consumidor, assegura ao consumidor a proteção contra prestações desproporcionais, em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
In casu, quando da celebração da avença – de execução diferida –, a conjuntura fática que a permeou se assentava num binômio necessidade-capacidade, caracterizado, de um lado, pela necessidade de manter residência próxima ao local de trabalho presencial e, doutro, capacidade de arcar com os custos do imóvel, que depende das condições regulares de operação da empresa-empregadora e de seu mercado de consumo, as quais foram profundamente afetadas a partir de março/2020.
Sucede que, ante a superveniência da crise sanitária gerada pela Covid-19, e por força das notórias restrições que dela advieram, a requerente se viu em situação diametralmente oposta àquela em que firmou o contrato, vendo-se diante da necessidade de primar pela preservação de sua saúde e da restrição da capacidade econômica de manter-se no distrito laboral.
Em razão do isolamento social, as perspectivas de geração de renda foram drasticamente reduzidas, por razões absolutamente alheias às partes, e a situação da requerente, que nunca foi de opulência, se fragilizou.
Ante a gravidade das circunstâncias em que se encontra, evidente é que o contrato se tornou excessivamente oneroso à autora, não se lhe podendo exigir o pagamento de multa e encargos por descumprimento contratual, como se voluntário fosse ou como se tivesse concorrido para as circunstâncias que motivaram a extinção da relação.
Com efeito, quando da celebração da avença, não era exigível da autora que antevisse e se precavesse do risco de disseminação de uma enfermidade infecciosa provida de tanta letalidade. E naturalmente, o valor da locação e as obrigações contratuais, inclusive a de pagar a cláusula penal, podem ser havidas como regulares em condições regulares de contratação. Não o são, porém, quando a vontade da contratante é profundamente restringida pela necessidade, premente, de zelar pela sua integridade física e financeira, em razão de eventos que jamais pudera prever.
Por outro lado, porém, tratando-se de contrato de adesão e trato sucessivo, a ré assumiu o risco de as obrigações se tornarem excessivamente onerosas, já que a cláusula rebus sic stantbus é implícita à avença.
Assim, a pandemia coloca a autora em situação de desvantagem absolutamente excessiva, já que não fruiu do imóvel locado e acabou espoliada de valor da cláusula penal da locação.
Como aduz Gonçalves (2015, p. 195), a teoria da imprevisão pode ser fundamento tanto da resolução por inexecução involuntária, quanto da revisão contratual. Esse último caso, porém, depende de que remanesça interesse no adimplemento, ainda que parcial, do contrato. Na espécie, porém, não há mais possibilidade ou interesse de manutenção da execução contratual, já que a própria circunstância extraordinária e imprevisível catalisou a extinção da avença.
Oportuno gizar, ainda, que não é necessário, para aplicação da teoria, haver impossibilidade absoluta de cumprimento do contrato, bastando que o obstáculo imprevisto tenha afetado a exequibilidade (contratual, não processual) do acordo, relativamente aos meios e condições pactuadas. Trocando em miúdos, é dizer que eventual possibilidade de se cumprir o objeto contratual por outros meios ou sob outras condições não impede a invocação da cláusula rebus sic stantbus com fins resolutórios.
Outrossim, à luz do Resp 447.336, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria, de costumeiro primor, da Eminente Min. Nancy Andrighi, desimporta o lapso temporal existente entre a ocorrência do evento e a postulação em juízo, que pode ser, inclusive, posterior à cessação das próprias circunstâncias que impediam a execução contratual.
Tecidas essas considerações, há que se notar que, no caso de inexecução involuntária, não há infringência contratual, nem atribuição de culpa, exsurgindo a necessidade de se restabelecer o statuos quo ante, o que implica, ipso facto, no afastamento da cláusula penal.
Afinal, a incidência da cláusula penal depende, a teor do art. 408 do Código Civil, do descumprimento culposo de obrigação contratual ou incursão em mora.
Assim, a cobrança da multa é desfecho que se mostra irrazoável, sobretudo porque imputa, unicamente, à autora o prejuízo decorrente das circunstâncias extraordinárias que inviabilizaram a execução do contrato.
Outrossim, à vista da presumida vulnerabilidade da autora, forçoso reconhecer, é de todo imoral e violadora da própria boa-fé contratual (art. 422, CC) que seja a ré – que detém superioridade econômica – remunerada integralmente por serviços que jamais prestou, enquanto a autora, por fatos que não lhe são imputáveis, é privada tanto da fruição do bem, quanto do valor desembolsado para arcar com a locação e para rescindi-la.
De rigor, portanto, seja declarada a resolução por inexecução involuntária do contrato, determinando-se à ré que restitua o montante pago, pela autora, a título da cláusula penal, no valor de R$ 2.166,59, conforme comprovante anexo, acrescidos dos consectários legais.
V. DA REVISÃO DOS CÁLCULOS RESCISÓRIOS
Na remota hipótese de não se admitir a resolução do contrato por aplicação da teoria da imprevisão, o que se admite apenas por amor ao debate, de rigor sejam revisados os cálculos da ré, determinando-se-lhe a restituição dos encargos e prestações indevidas, conforma doravante demonstrado.
V.I. Da base de cálculo da multa rescisória: “aluguel vigente”
Consoante a cláusula sétima do contrato anexo, a multa contratual corresponde a “03 (três) vezes sobre o aluguel mensal vigente na época da infração”.
Conforme comprovam os inclusos documentos, em agosto de 2020, a autora, já tentava obter uma resilição bilateral do contrato, diante das circunstâncias. Em resposta, porém, o que fez a ré foi ofertar um módico desconto sobre o aluguel.
Com referida dedução, quando da suposta infração contratual, que deu ensejo à cobrança da multa contratual, o aluguel vigente era, em verdade, …