Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[processo_vara] VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], $[parte_autor_rg], $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo],por seus advogados in fine subscritos – procuração anexa, vêm, respeitosamente, perante V. Exa., com fulcro dos artigos 319 et seq, todos do Código de Processo Civil, propor a presente
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS
em face de $[parte_reu_razao_social], $[parte_reu_cnpj], pessoa jurídica de direito privado, com sede $[parte_reu_endereco_completo] pelas razões de fato e de direito doravante aduzidas:
I. DOS FATOS
O requerente foi usuário da rede social $[geral_informacao_generica], de propriedade da ré, ao longo de vários anos, tendo nela ingressado no início da ascensão da plataforma no país.
Ao longo dos seus vários anos de uso, o autor jamais utilizou sua conta para fins que violassem os Padrões da Comunidade.
A conta era empregada, sobretudo, para armazenar fotografias do autor e de sua família, e também para contato com amigos e familiares.
O requerente mantinha em sua conta milhares de fotografias, que retratavam seus vários anos de atividade, sua família, eventos diversos, inclusive fotos de seus filhos, de seu nascimento, aniversários e todo seu crescimento, ao longo dos anos.
Naturalmente, as fotos eram adicionadas a partir de HD’s de celulares ou computadores, que, todavia, se perderam ao longo do tempo, chegando a ponto de tais registros existirem, UNICAMENTE, na plataforma, que se tornou, para o autor, um acervo de memórias de valor emocional inestimável.
Recentemente, porém, ao tentar logar em sua conta, deparou com um aviso de suspensão de conta, por susposta infringência dos termos de uso.
Apesar, porém, de sempre zelar pelo cumprimento dos termos de uso da plataforma e nunca ter infringido quaisquer de suas disposições, foi o autor surpreendido, recentemente, com a desativação de sua conta:
Diante da inopinada e arbitrária censura do réu, passou o autor a empreender verdadeira cruzada com o intuito de recuperar sua rede de seguidores e sua atividade.
Fê-lo, todavia, em vão.
O autor enviou uma série de contestações e e-mails questionando a decisão do réu (cópias anexas).
As respostas, porém, foram vagas e inconclusivas. Em sua grande parte se reportam a outras vias de contestação. Contudo, apesar de as ter exercido, o autor não logrou ter sua conta restabelecida, tampouco ver aclarada as razões, ainda ignoradas, que motivaram a decisão do provedor da aplicação.
Por não divisar solução diversa, vem perante este D. Juízo reclamar o que lhe compete.
DO DIREITO
I. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Dispõem os artigos 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor que é consumidor a pessoa física que utilize produto ou serviço como destinatário final, e fornecedor, pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, que desenvolva, entre outras, atividade de comercialização de produtos e prestação de serviços.
E, de fato, in casu, dúvida não há de que devidamente caracterizados o consumidor e o fornecedor, bem como a relação consumerista, fundada na vulnerabilidade, que atrai o microssistema protetivo.
Primeiro, porque o requerente, na condição de pessoa física e de consumidor final, era usuário, por anos, do serviço prestado por pessoa jurídica que explora profissionalmente a gestão da rede social.
E, no ponto, írrito é que o serviço seja gratuito ao usuário. Afinal, o CDC não estabelece a onerosidade como elemento fundante da relação de consumo e, ao contrário do que normalmente o réu costuma aventar, o serviço é fonte de lucros absurdos, na monta de mais de 85 bilhões de dólares em 2020 e, hoje, seu principal produto. Assim, inclusive, já decidiu a C. Superior Tribunal de Justiça, no Resp n° 1193764/SP, da lavra da Ministra NANCY ANDRIGHI .
Segundo, porque, a teor do art. 4°, I, do CDC, a vulnerabilidade é evidente.
Com efeito, a vulnerabilidade é conceito que, a um só tempo, caracteriza e justifica a relação de consumo, legitimando a aplicação do CDC.
No caso em apreço, nítido é que a relação mantida entre o autor, pessoa física, e o réu não é paritária.
Isso porque é o autor técnica, econômica e juridicamente vulnerável, e disso faz prova os contratos de adesão a que está sujeito, sua reduzida autonomia de vontade na consolidação dos termos contratuais e sua sujeição econômica aos réus, que dispõem de poderio econômico para impor à relação os termos que lhe convêm, em detrimento do consumidor.
Assim, de rigor o reconhecimento da relação de consumo.
Além disso, em atenção à regra do art. 6°, VIII, do CDC, forçoso o reconhecimento da hipossuficiência do requerente e da verossimilhança de suas alegações para efeito de inversão do ônus da prova.
Afinal, não bastasse a vulnerabilidade que caracteriza a própria relação, certo é que a distribuição estática do ônus da prova acarretaria grave prejuízo à defesa dos direitos do requerente.
Isso porque os réus mantêm registros de seus serviços e atividade, inclusive os relativos ao requerente, de sorte que lhes é muito mais fácil fazer prova contra o autor, justamente com uso desses dados, do que esse, que não tem acesso a tais registros ou aos meandros da prestação do serviço, provar os fatos constitutivos de sua pretensão.
E, como cediço, não é outra a mens legis do art. 6, VIII, do CDC: garantir a defesa dos direitos do consumidor, reequilibrando a relação processual por meio da inversão do ônus da prova, se, no caso concreto, não tem condições de produzir as provas deles constitutivas.
Deste modo, requer-se o reconhecimento da relação de consumo e a aplicação da regra da inversão do ônus da prova, forte no art. 6°, VIII, do CDC.
II. DA VIOLAÇÃO DOS TERMOS DE USO POR PARTE DA RÉ
De plano, da análise dos termos de uso concebidos para regulamentar a relação entre a ré e o usuário, vê-se que a previsão para suspensão do acesso deste somente se pode dar nas estritas hipóteses que estabelece ou por outro justo motivo, mas não há uma autorização genérica que permita ao Facebook excomunga-lo sem motivo.
Nada obstante, dos termos de uso constam rol taxativo de proibições, como, verbi gratia, violação de imagem, fraudes, ofensas, violação de direitos humanos, entre outros, contudo, não se vislumbra, de largada, a proscrição que possa ter sido violada pelo requerente.
E, na mesma medida em que o réu tanto se aferra aos termos de uso para justificar suas posições, não se pode olvidar que detém aqueles verdadeira natureza contratual, que também obriga o provedor da aplicação. Deste modo, tal como o usuário está obrigado a se utilizar da plataforma respeitando as regras impostas pelo réu, este está obrigado a oferecer o serviço ao usuário que não viola as regras da comunidade, sob pena de incorrer em verdadeira discriminação ou censura.
Assim, interpretando-se o termo a contrario sensu, o que se percebe é que, afora as lá hipóteses elencadas, não há margem para exclusão do usuário de forma arbitrária, mesmo porque inexiste uma autorização genérica para o aplicativo suspender o usuário sem motivo.
A intepretação lógica do regulamento induz a conclusão de que a suspensão, se razoável possa reputar-se, é possível se incorre o usuário em algumas das proibições dos termos de uso, o que não ocorreu.
Assim, em cumprimento aos próprios termos de uso, se a suspensão se deu sem que haja efetivo uso indevido da conta, a medida é inadmissível.
Daí porque não é exagerado conjecturar que há um dever, por parte da ré, de limitar a sanção à configuração de um justo motivo.
Disso decorre que, a rigor, a causa da suspensão jamais ocorreu e, na falta de uma autorização genérica para suspensão arbitrária dos usuários, a sanção imposta pela ré é de todo insustentável.
Outro aspecto a ser considerado é que a rede social tem por desiderato, desde sua concepção, armazenar o conteúdo produzido pelos usuários, sobretudo as fotos que adicionam aos seus perfis, que constituem verdadeiro acervo emocional e, efetivamente, um elemento da imagem e da dignidade das pessoas.
Ora, se esse é o propósito do serviço, não pode provedor, de forma inopinada, simplesmente privar o usuário de acessar suas imagens e conteúdos, ou de se comunicar com seus contatos, porque se aproveita, justamente, da confiança que usuário deposita na plataforma para realizar tal tipo de atividade.
A rigor, tem o réu, por meio de seus termos de uso, verdadeiro compromisso de zelar pela integridade dos registros e conteúdos da atividade do usuários, que é o que lhes permite pavimentarem suas relações pessoais e com outros usuários.
Daí porque, ao excomungar o autor da plataforma, o provedor rompe com a expectativa e confiança depositada pelo usuário, que jamais infringiu qualquer disposição dos termos de uso, e via a rede social como uma interface de suas relações pessoais e, sobretudo, de suas memórias.
III. DA AUSÊNCIA DE DEFESA: VIOLAÇÃO AO DIREITO DE INFORMAÇÃO
Como já relatado, a suspensão se deu de forma súbita, sem prévia ciência do usuário, qualquer esclarecimento quanto à atividade supostamente irregular, a fim de oportunizar a correção de eventuais infringências, tampouco prazo para justificação.
Além disso, apesar dos apelos do requerente, cujas mensagens foram algures colacionadas, a ré não aclarou, efetivamente, qual a natureza da atividade que justificou a medida, sua frequência, horário, duração, localização ou qualquer informação que lhe permitisse justificar-se ou opor-se fundamentadamente à medida.
E, convenha-se, não pode a ré recusar-se a apreciar o apelo do requerente, ao argumento de que os critérios para suspensão são suficientemente rigorosos e a decisão, definitiva.
A) Do direito de informação
De plano, porque a teor do artigo 6°, III, do CDC, e também como corolário da própria boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do CC, é obrigação do fornecedor franquear TODA informação pertinente ao serviço.
E isso compreende, por óbvio, não somente a informação necessária à contratação do serviço , mas toda informação que seja relevante no desenvolvimento da relação contratual.
Por evidente, não há dúvida de que é sobremaneira relevante a informação referente aos motivos ensejadores de cessação do serviço, inclusive com apresentação dos registros com base em que a decisão foi tomada, se o caso, e os deveres do consumidor, previstos nos termos de uso, que entende a ré terem sido violados.
Isso porque, além da informação ser um fim em si mesma, já que sana um defeito do mercado (a assimetria informacional), é ela pressuposto do devido exercício de defesa do consumidor, seja perante o próprio fornecedor, o PROCON ou o Judiciário, máxime quando há extinção unilateral do contrato, como no presente caso.
Mais do que isso, ainda, a informação permite a consumidor antecipar-se e preparar-se para o fim da relação jurídica, protegendo-se de suas consequências e evitando que seja surpreendido com a súbita negação de prestação de serviço.
Outrossim, o desligamento do usuário é medida assaz radical. É de se exigir da ré que, em casos tais, ao menos o informasse acerca da existência de atividade indevida em sua conta, o que atenderia ao princípio da probidade e boa-fé contratual (art. 422, Código Civil), bem como ao dever de lealdade e transparência do fornecedor.
Ainda nesse sentido, a Lei n° 12.965/14 dispõe que é obrigação do provedor comunicar ao usuário os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário (art. 20, parágrafo único).
B) Da igualdade
Ademais, é direito do consumidor a “igualdade nas contratações” (art. 6°, II), consectário normativo do princípio da isonomia.
Posto o dispositivo sob uma interpretação teleológica e sistêmica, e, sobretudo, à luz da eficácia vertical dos direitos fundamentais, é de se concluir que a observância da isonomia (prevista também no art. 5°, caput, da Constituição) é imperiosa não somente no início da relação contratual, mas ao longo de todo seu desenvolvimento, se for continuada ou diferida, e, inclusive, na sua extinção.
Com efeito, embora assista à empresa direito de, justificadamente, encerrar o serviço, não pode fazê-lo por razões discriminatórias.
E, em consonância com o que se discorreu acerca do direito à informação, a cessação injustificada do serviço é indício de que teve motivos arbitrários, discriminando o requerente dos demais contratantes do serviço, seja por aspectos pessoais, pelo teor de suas postagens ou outros próprios ao universo do serviço.
Tal como qualquer outro consumidor, tem o requerente direito a saber os motivos da sua exclusão do aplicativo e o de nela permanecer, se não caracterizada qualquer violação aos termos de uso.
c) devido processo legal, contraditório e ampla defesa: eficácia horizontal dos direitos fundamentais e aplicação também em âmbito privado
Na forma do art. 5°, inciso LV, da Constituição, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Trata-se, com efeito, de postulados mais comumente vinculados ao âmbito de atuação do Poder Judiciário e procedimentos de repartições públicas.
A rigor, porém, a densidade normativa desses preceitos transcende a estreita órbita do processo judicial e, direito fundamental que é, projeta-se, como garantia, sobre todo e qualquer procedimento cognitivo e sancionatório, ainda que travado entre particulares.
De igual modo, dispõe a Constituição, em seu art. 5°, inciso LIV, que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
O conceito de liberdade há de ser interpretado de forma ampla, não se limitando à liberdade de locomoção, mas também abrangendo a de expressão, a de credo, a de patrimônio, a contratual, artística, e todas as demais protegidas pela ordem jurídica; de forma similar, o conceito de bens também se elastece, transcendendo a dogmática civilista e atingindo bens incorpóreos, imateriais, intangíveis e a própria integridade física e psíquica, a honra a imagem e a dignidade.
À vista da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, o devido processo legal torna-se, portanto, condição para aplicação de qualquer medida em detrimento da contraparte, que lhe atinja o patrimônio, suas liberdades, honra, dignidade ou qualquer outro atributo da personalidade, direito ou garantia.
O Supremo Tribunal Federal, no RE n° 158.215/RS, Relatado pelo E. Min. Marco Aurelio, decidindo acerca da necessidade de observância do devido processo legal na hipótese de exclusão de cooperado, assentou a premissa de eficácia horizontal dos princípios processuais constitucionais, in verbis:
DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa.
Conforme excerto do brilhante voto do E. Relator, “a exaltação dos ânimos não é de molde a afastar a incidência do preceito constitucional assegurador da plenitude da defesa nos processos em geral. Mais do que nunca, diante do clima reinante, incumbia à Cooperativa, uma vez instaurado o processo, …