Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE $[processo_comarca]/$[processo_uf]
TUTELA PROVISÓRIA
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_maioridade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], inscrito no CPF sob o nº $[parte_autor_cpf], RG nº $[parte_autor_rg], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo], por seus advogados in fine subscritos – procuração anexa, vêm, respeitosamente, perante V. Exa., com fulcro dos artigos 319 et seq, todos do Código de Processo Civil, combinados com o art. 14 e se seguintes, todos da Lei n° 9.099/95, propor a presente
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS
em face de $[parte_reu_razao_social], inscrita no CNPJ: $[parte_reu_cnpj], com sede na rua $[parte_reu_endereco_completo], pelas razões de fato e de direito doravante aduzidas:
I. DOS FATOS
O requerente é usuário da rede social Facebook, de propriedade da ré.
Ao longo dos seus vários anos de uso da plataforma, o autor desenvolveu atividade voltada à produção de conteúdo, arregimentando uma horda de seguidores.
Em sua conta pessoal se encontram vinculadas 3 páginas, de conteúdo de humor e religioso, a saber:
- $[geral_informacao_generica]
- $[geral_informacao_generica]
- $[geral_informacao_generica]
O perfil do autor contava, até então, com mais de 4.900 amigos. As suas páginas somavam mais de 105.000 (cento e cinco mil) seguidores.
O autor sempre teve profunda vinculação emocional com suas páginas e o conteúdo que produzia, que se afigurava verdadeiro liame de identidade e conexão com a comunidade que o seguia, incorporando significativa importância na sua vida e rotina, sobretudo à vista do incontável tempo e esforço que empreendeu no desenvolvimento dessa atividade.
Apesar, porém, de sempre zelar pelo cumprimento dos termos de uso da plataforma e nunca ter infringido quaisquer de suas disposições, foi o autor surpreendido, em $[geral_data_generica], com a desativação de sua conta:
A suspensão da conta do autor levou à desativação de suas páginas.
Diante da inopinada e arbitrária censura do réu, passou o autor a empreender verdadeira cruzada com o intuito de recuperar sua rede de seguidores e sua atividade.
Fê-lo, todavia, em vão.
O autor enviou uma série de contestações e e-mails questionando a decisão do réu (cópias anexas).
A única resposta do requerido, porém, foi vaga e inconclusiva:
Como se vê, a resposta se reporta a outras vias de contestação. Contudo, apesar de as ter exercido, o autor não logrou ter sua conta restabelecida, tampouco ver aclarada as razões, ainda ignoradas, que motivaram a decisão do provedor da aplicação.
Por não divisar solução diversa, vem perante este D. Juízo reclamar o que lhe compete.
II. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Dispõem os artigos 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor que é consumidor a pessoa física que utilize produto ou serviço como destinatário final, e fornecedor, pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, que desenvolva, entre outras, atividade de comercialização de produtos e prestação de serviços.
E, de fato, in casu, dúvida não há de que devidamente caracterizados o consumidor e o fornecedor, bem como a relação consumerista, fundada na vulnerabilidade, que atrai o microssistema protetivo.
Primeiro, porque o requerente, na condição de pessoa física e de consumidor final, era usuário, por anos, do serviço prestado por pessoa jurídica que explora profissionalmente a gestão da rede social.
E, no ponto, írrito é que o serviço seja gratuito ao usuário. Afinal, o CDC não estabelece a onerosidade como elemento fundante da relação de consumo e, ao contrário do que normalmente o réu costuma aventar, o serviço é fonte de lucros absurdos, na monta de mais de 85 bilhões de dólares em 2020 e, hoje, seu principal produto. Assim, inclusive, já decidiu a C. Superior Tribunal de Justiça, no Resp n° 1193764/SP, da lavra da Ministra NANCY ANDRIGHI .
Segundo, porque, a teor do art. 4°, I, do CDC, a vulnerabilidade é evidente.
Com efeito, a vulnerabilidade é conceito que, a um só tempo, caracteriza e justifica a relação de consumo, legitimando a aplicação do CDC.
No caso em apreço, nítido é que a relação mantida entre o autor, pessoa física, e o réu não é paritária.
Isso porque é o autor técnica, econômica e juridicamente vulnerável, e disso faz prova os contratos de adesão a que está sujeito, sua reduzida autonomia de vontade na consolidação dos termos contratuais e sua sujeição econômica aos réus, que dispõem de poderio econômico para impor à relação os termos que lhe convêm, em detrimento do consumidor.
Assim, de rigor o reconhecimento da relação de consumo.
Além disso, em atenção à regra do art. 6°, VIII, do CDC, forçoso o reconhecimento da hipossuficiência do requerente e da verossimilhança de suas alegações para efeito de inversão do ônus da prova.
Afinal, não bastasse a vulnerabilidade que caracteriza a própria relação, certo é que a distribuição estática do ônus da prova acarretaria grave prejuízo à defesa dos direitos do requerente.
Isso porque os réus mantêm registros de seus serviços e atividade, inclusive os relativos ao requerente, de sorte que lhes é muito mais fácil fazer prova contra o autor, justamente com uso desses dados, do que esse, que não tem acesso a tais registros ou aos meandros da prestação do serviço, provar os fatos constitutivos de sua pretensão.
E, como cediço, não é outra a mens legis do art. 6, VIII, do CDC: garantir a defesa dos direitos do consumidor, reequilibrando a relação processual por meio da inversão do ônus da prova, se, no caso concreto, não tem condições de produzir as provas deles constitutivas.
Deste modo, requer-se o reconhecimento da relação de consumo e a aplicação da regra da inversão do ônus da prova, forte no art. 6°, VIII, do CDC.
III. DA VIOLAÇÃO DOS TERMOS DE USO POR PARTE DA RÉ
De plano, da análise dos termos de uso concebidos para regulamentar a relação entre a ré e o usuário, vê-se que a previsão para suspensão do acesso deste somente se pode dar nas estritas hipóteses que estabelece ou por outro justo motivo, mas não há uma autorização genérica que permita ao Facebook excomunga-lo sem motivo.
Nada obstante, dos termos de uso constam rol taxativo de proibições, como, verbi gratia, violação de imagem, fraudes, ofensas, violação de direitos humanos, entre outros, contudo, não se vislumbra, de largada, a proscrição que possa ter sido violada pelo requerente.
E, na mesma medida em que o réu tanto se aferra aos termos de uso para justificar suas posições, não se pode olvidar que detém aqueles verdadeira natureza contratual, que também obriga o provedor da aplicação. Deste modo, tal como o usuário está obrigado a se utilizar da plataforma respeitando as regras impostas pelo réu, este está obrigado a oferecer o serviço ao usuário que não viola as regras da comunidade, sob pena de incorrer em verdadeira discriminação ou censura.
Assim, interpretando-se o termo a contrario sensu, o que se percebe é que, afora as lá hipóteses elencadas, não há margem para exclusão do usuário de forma arbitrária, mesmo porque inexiste uma autorização genérica para o aplicativo suspender o usuário sem motivo.
A intepretação lógica do regulamento induz a conclusão de que a suspensão, se razoável possa reputar-se, é possível se incorre o usuário em algumas das proibições dos termos de uso, o que não ocorreu.
Assim, em cumprimento aos próprios termos de uso, se a suspensão se deu sem que haja efetivo uso indevido da conta, a medida é inadmissível.
Daí porque não é exagerado conjecturar que há um dever, por parte da ré, de limitar a sanção à configuração de um justo motivo.
Disso decorre que, a rigor, a causa da suspensão jamais ocorreu e, na falta de uma autorização genérica para suspensão arbitrária dos usuários, a sanção imposta pela ré é de todo insustentável.
IV. DA AUSÊNCIA DE DEFESA: VIOLAÇÃO AO DIREITO DE INFORMAÇÃO
Como já relatado, a suspensão se deu de forma súbita, sem prévia ciência do usuário, qualquer esclarecimento quanto à atividade supostamente irregular, a fim de oportunizar a correção de eventuais infringências, tampouco prazo para justificação.
Além disso, apesar dos apelos do requerente, cujas mensagens foram algures colacionadas, a ré não aclarou, efetivamente, qual a natureza da atividade que justificou a medida, sua frequência, horário, duração, localização ou qualquer informação que lhe permitisse justificar-se ou opor-se fundamentadamente à medida.
E, convenha-se, não pode a ré recusar-se a apreciar o apelo do requerente, ao argumento de que os critérios para suspensão são suficientemente rigorosos e a decisão, definitiva.
A) Do direito de informação
De plano, porque a teor do artigo 6°, III, do CDC, e também como corolário da própria boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do CC, é obrigação do fornecedor franquear TODA informação pertinente ao serviço.
E isso compreende, por óbvio, não somente a informação necessária à contratação do serviço , mas toda informação que seja relevante no desenvolvimento da relação contratual.
Por evidente, não há dúvida de que é sobremaneira relevante a informação referente aos motivos ensejadores de cessação do serviço, inclusive com apresentação dos registros com base em que a decisão foi tomada, se o caso, e os deveres do consumidor, previstos nos termos de uso, que entende a ré terem sido violados.
Isso porque, além da informação ser um fim em si mesma, já que sana um defeito do mercado (a assimetria informacional), é ela pressuposto do devido exercício de defesa do consumidor, seja perante o próprio fornecedor, o PROCON ou o Judiciário, máxime quando há extinção unilateral do contrato, como no presente caso.
Mais do que isso, ainda, a informação permite a consumidor antecipar-se e preparar-se para o fim da relação jurídica, protegendo-se de suas consequências e evitando que seja surpreendido com a súbita negação de prestação de serviço.
Outrossim, o desligamento do usuário é medida assaz radical. É de se exigir da ré que, em casos tais, ao menos o informasse acerca da existência de atividade indevida em sua conta, o que atenderia ao princípio da probidade e boa-fé contratual (art. 422, Código Civil), bem como ao dever de lealdade e transparência do fornecedor.
Ainda nesse sentido, a Lei n° 12.965/14 dispõe que é obrigação do provedor comunicar ao usuário os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário (art. 20, parágrafo único).
B) Da igualdade
Ademais, é direito do consumidor a “igualdade nas contratações” (art. 6°, II), consectário normativo do princípio da isonomia.
Posto o dispositivo sob uma interpretação teleológica e sistêmica, e, sobretudo, à luz da eficácia vertical dos direitos fundamentais, é de se concluir que a observância da isonomia (prevista também no art. 5°, caput, da Constituição) é imperiosa não somente no início da relação contratual, mas ao longo de todo seu desenvolvimento, se for continuada ou diferida, e, inclusive, na sua extinção.
Com efeito, embora assista à empresa direito de, justificadamente, encerrar o serviço, não pode fazê-lo por razões discriminatórias.
E, em consonância com o que se discorreu acerca do direito à informação, a cessação injustificada do serviço é indício de que teve motivos arbitrários, discriminando o requerente dos demais contratantes do serviço, seja por aspectos pessoais, pelo teor de suas postagens ou outros próprios ao universo do serviço.
Tal como qualquer outro consumidor, tem o requerente direito a saber os motivos da sua exclusão do aplicativo e o de nela permanecer, se não caracterizada qualquer violação aos termos de uso.
C) Da negativa de prestação do serviço
Não bastasse, a suspensão do requerente caracteriza, também, prática abusiva.
Isso porque, ex vi do disposto no art. 39, II e IX, CDC, não é dado ao fornecedor recursar-se, injustificadamente, a prestar os serviços que oferece à coletividade. In verbis:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
Não bastasse, como já mencionado, os termos de uso enfeixam não somente obrigações do usuário e direitos da plataforma. O regulamento consagra a obrigação de prestar o serviço lá contemplado se não caracterizadas as hipóteses de suspensão.
É um compromisso da ré.
Pelo que se colhe dos fatos, porém, a ré, efetivamente, nega-se a prestar o serviço ao requerente, embora regularmente cadastrados e em dia com suas obrigações, e o faz sem justo motivo.
Uma, porque não revelou os motivos da cessação.
Duas, porque os próprios termos de usam não respaldam a suspensão, como já se discorreu.
Deste modo, tem-se o suficiente para caracterização da prática abusiva, vedada pelo estatuto consumerista, já que a recusa à prestação do serviço é de todo injustificada.
V. DA BOA-FÉ OBJETIVA, RAZOABILIDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
Por fim, colhe-se da conduta da ré grave violação…