Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], $[parte_autor_rg], $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo],por seus advogados in fine subscritos – procuração anexa, vêm, respeitosamente, perante V. Exa., com fulcro dos artigos 319 et seq, todos do Código de Processo Civil, combinados com o art. 6°, incisos VII e VIII, do Código de Defesa do Consumidor propor a presente
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE E INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS
em face de $[parte_reu_razao_social], $[parte_reu_cnpj], pessoa jurídica de direito privado, com sede $[parte_reu_endereco_completo] pelas razões de fato e de direito doravante aduzidas:
I. DOS FATOS
A autora é aluna da associação-ré, então matriculada no curso de Psicologia, Unidade Campus $[geral_informacao_generica], Turno Noturno.
No final do ano de 2019, quando concluía o sétimo semestre, a autora dirigiu-se à faculdade para realizar a “AV2”, prova que integrava todas as disciplinas cursadas no período e cuja nota serve de parâmetro para aprovação e progressão de curso.
À ocasião, a autora precisava de uma mera nota 2 na avaliação, uma vez que suas notas anteriores haviam sido elevadas.
Ocorre que, malgrado tenha finalizado a prova em conformidade com as instruções dadas pelos professores, a autora não conseguiu confirmar o envio das respostas pelo sistema, em razão do que acredita ter sido uma oscilação no sinal da rede de internet, fornecida pela instituição.
Apesar das sucessivas tentativas, o sistema não aceitou o envio e a autora dirigiu-se à professora Rosa, responsável pela aplicação do certame, explicando o ocorrido.
Diante da aluna, então, a professora recebeu a prova física e comprometeu-se a anotar sua tentativa de confirmação eletrônica da avaliação, para ulterior comunicação à coordenação do curso, liberando a autora do certame.
Para sua surpresa, porém, ao diligenciar no sistema, a autora constatou que não havia qualquer nota atribuída e que, pior, constava nos registros como se a requerente nunca tivesse realizado a avaliação.
Diante disso, e desesperada para obter a nota que precisava para efetuar a rematrícula e merecidamente progredir no curso, a autora empreendeu verdadeira e incansável cruzada junto aos inumeráveis departamentos da universidade, comunicou coordenadores, professores e funcionários de diversos setores, pessoalmente, por telefone, por email, por sistema, ao longo de meses.
Após várias tentativas frustradas ainda em 2019, a autora acabou paralisada no curso. À época, estava grávida e toda a situação lhe gerou profunda angústia e sofrimento, que atingiram a máxima profundidade ao perder a criança que gestacionava, logo após os fatos.
Neste ano de 2020, a autora retomou os contatos, no intuito de, enfim, solver a controvérsia e progredir no seu curso.
A informação que obteve, porém, é que sua prova havia sido extraviada e que não podiam lhe atribuir nota. Pior: que não poderia refazer a avaliação, que seria reprovada em todas as disciplinas e perderia o semestre. Inconformada, a autora protestou:
Nada disso, porém, surtiu efeito e a direção do curso mantivera a posição de que reprovaria a autoria.
Como se pouco fosse, em razão dos vários meses empreendidos na tentativa de resolver o imbróglio, a autora passou a constar no sistema como “desistente”, perdendo acesso aos sistemas da faculdade e impossibilitando a própria rematrícula e demais procedimentos necessários para dar prosseguimento ao curso.
Ante a impasse, e por não divisar solução diversa, vem a autora a juíza reclamar o que lhe cabe, conforme se passa a expor.
II . DO DIREITO
DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Dispõem os artigos 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor que é consumidor a pessoa física que utilize produto ou serviço como destinatário final, e fornecedor, pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, que desenvolva, entre outras, atividade de comercialização de produtos e prestação de serviços.
E, de fato, in casu, dúvida não há de que devidamente caracterizados o consumidor e o fornecedor, bem como a relação consumerista, fundada na vulnerabilidade, que atrai o microssistema protetivo.
Primeiro, porque a requerente contratou o serviço educacional, ora caracterizado como a prestação das aulas do curso superior, oferecido por pessoa jurídica, de forma profissional e organizada.
Segundo, porque, a teor do art. 4°, I, do CDC, a vulnerabilidade é evidente.
Com efeito, a vulnerabilidade é conceito que, a um só tempo, caracteriza e justifica a relação de consumo, legitimando a aplicação do CDC.
No caso em apreço, nítido é que a relação mantida entre a autora, pessoa física, e a ré não é paritária.
Isso porque é a autora técnica, econômica e juridicamente vulnerável, e disso faz prova o contrato de adesão a que está sujeita, sua reduzida autonomia de vontade na consolidação dos termos contratuais e sua sujeição econômica à ré, que, inclusive, dela se vale para cobrar antecipadamente o valor do curso, resguardando-se a prerrogativa de conduzir, unilateralmente, a relação jurídica.
Assim, de rigor o reconhecimento da relação de consumo.
Além disso, em atenção à regra do art. 6, VIII, do CDC, forçoso o reconhecimento da hipossuficiência da requerente e da verossimilhança de suas alegações para efeito de inversão do ônus da prova.
Afinal, não bastasse a vulnerabilidade que caracteriza a própria relação, certo é que a distribuição estática do ônus da prova acarretaria grave prejuízo à defesa dos direitos da requerente.
Isso porque a ré mantém registros de seus serviços, inclusive os relativos à requerente e a ela é muito mais fácil fazer prova contra a autora, justamente com uso desses dados, do que essa, que não têm acesso a tais registros ou aos meandros da prestação do serviço provar os fatos constitutivos de sua pretensão.
E, como cediço, não é outra a mens legis do art. 6, VIII, do CDC: garantir a defesa dos direitos do consumidor, reequilibrando a relação processual por meio da inversão do ônus da prova, se, no caso concreto, não tem condições de produzir as provas deles constitutivas.
Deste modo, requer-se o reconhecimento da relação de consumo e a aplicação da regra da inversão do ônus da prova, forte no art. 6°, VIII, do CDC.
DA REALIZAÇÃO DA PROVA PELO ALUNO
Como já narrado, a autora, no dia avaliação, compareceu na unidade da instituição responsável por aplica-la e respondeu às perguntas formuladas.
Ao tentar enviar as respostas pelo sistema, porém, em razão de falhas no acesso, não conseguiu concluir o procedimento e procurou a professora encarregada da aplicação, que instruiu a aluna a entregar a cópia física das respostas, liberando-a para deixar o local.
Tais fatos foram afirmados pela própria autora nos e-mails que mandou para a instituição:
Nas suas respostas, porém, a escola em nenhum momento nega a realização do exame.
Sua resposta é que não foi localizada a informação sobre a avaliação. Quanto ao envio pelo sistema, a ausência de informação não é de se surpreender, afinal, a autora não conseguiu concluir o procedimento pelo sistema.
No caso, porém, a autora somente deixou o local de prova porque a professora $[geral_informacao_generica] se comprometeu a anotar o nome da aluna e comunicar à direção que ela tentara enviar a prova pelo sistema, recebendo a cópia física.
Inclusive, a autora tornou a abordar os fatos em email enviado à própria professora $[geral_informacao_generica]. Veja-se:
$[geral_informacao_generica]
A professora, porém, não logrou esclarecer os fatos, tampouco negou que tenha recebido as provas:
Ora, há de se convir, se a professora não tivesse recebido as provas, tê-lo-ia dito. A professora, porém, consente – e, portanto, corrobora – a versão da autora, que não também não foi refutada pela direção do curso, como se vê dos inclusos e-mails.
Isso demonstra, portanto, de forma assaz convincente, que a autora realizou a avaliação e colocou as respostas sob a guarda da instituição, que as extraviou.
Não bastasse, a autora ASSINOU A LISTA DE PRESENÇA no dia da avaliação, o que comprova que esteve no local com o fim único de realizar a avaliação, não sendo razoável cogitar-se que o tivesse deixado sem prestar o certame.
Se assim o é, e é incontroverso que a autora não conseguiu enviar a prova pelo sistema, bastante claro é que entregou a versão física da avaliação; do contrário, não teria deixado o local.
Disso resulta que é a instituição quem mantinha a prova sob sua guarda, por intermédio de seus funcionários, sejam professores, coordenadores ou membros da secretaria, e, por sua exclusiva culpa e desídia, deixou de registra-la no sistema, impedindo o progresso do aluno.
Por fim, note-se que a autora precisava de uma nota assaz módica na avaliação – aproximadamente, 2 pontos dos 10 que seriam atribuídos. Óbvio é, portanto, que não teria porque desistir da avaliação ou empregar qualquer ardil para contorna-la. Muito pelo contrário, a competência demonstrada pela autora em suas notas anteriores evidencia que seu progresso era praticamente certo e não havia razão para coloca-lo em xeque.
RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO PELAS FERRAMENTAS DISPONIBILIZADAS AO ALUNO
Atualmente, cada vez mais comum tem sido o desenvolvimento de sistemas e ferramentas para prestação do serviço educacional, inclusive para fins de avaliação.
A responsabilidade da instituição pela integridade, eficácia e disponibilidade dessas ferramentas, porém, é absoluta e não pode ser imputada ao aluno.
Isso porque, diferentemente de um material de aula, por exemplo, que é mantido sob a guarda do aluno, as ferramentas do sistema da instituição são gerenciados e mantidos, exclusivamente, pela mesma, não tendo o aluno qualquer controle sobre o funcionamento do mecanismo.
Por outro lado, também é incontroversa a responsabilidade da instituição sobre os documentos entregues aos seus cuidados, como as provas, documentação pessoal, histórico, entre outros.
Quanto a isso, a jurisprudência do TJSP é unívoca:
Estabelecimento de ensino. Ação de indenização por danos materiais e morais. Sentença de procedência. Apelo do réu. Instituição de ensino que extraviou os documentos da aluna, deixando de efetuar sua matrícula, impossibilitando-a de frequentar o curso de graduação. Financiamento junto ao Banco do Brasil que era pago normalmente ao estabelecimento de ensino réu, sem a respectiva contraprestação ao aluno. Aluna que teve frustrado o seu plano de desenvolver-se profissionalmente, por longo período de tempo. Mesmo estando responsável pelo ônus de um financiamento estudantil, não podia estudar, em razão da desídia da ré. Quantum indenizatório fixado em R$ 15.000,00, de acordo com os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, evitando-se o enriquecimento sem causa, bem assim com critérios educativos e sancionatórios, desestimulando novas práticas lesivas. Desacolhida a pretendida redução. Sentença mantida. Apelo desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1005450-95.2014.8.26.0007; Relator (a): Carlos Dias Motta; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VII - Itaquera - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/09/2017; Data de Registro: 15/09/2017)
Ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por dano moral - Prestação de serviços educacionais – Sendo desnecessária a dilação probatória, o julgamento antecipado não caracteriza cerceamento de defesa - Relação de consumo - Inversão do ônus da prova – Extravio dos documentos acadêmicos da autora - Demora excessiva e injustificada na expedição do diploma – Dano moral caracterizado. - Dano moral, exatamente porque moral, não se demonstra nem se comprova, mas se afere, resultando por si da ação ou omissão culposa, in re ipsa, porque se traduz em dor, física ou psicológica, em constrangimento, em sentimento de reprovação, em lesão e ofensa ao conceito social, à honra, à dignidade. - O arbitramento da indenização moral há de considerar a real finalidade do reparo, a de satisfazer ao lesado, tanto quanto possível, e a de servir de desestímulo, ou de inibição, para que se abstenha o lesante de novas práticas do gênero. Em contrapartida, a reparação não deve gerar o enriquecimento da vítima, tendo em vista sua natureza compensatória. - Antecipação de tutela cumprida em tempo razoável, o que permitia o afastamento da multa pelo descumprimento do prazo fixado - Pedido indenizatório procedente - Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1006694-95.2014.8.26.0577; Relator (a): Silvia Rocha; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/06/2016; Data de Registro: 01/06/2016)
Para além das particulares do contrato de prestação de serviços educacionais, a matéria se resolve pela simples lógica de distribuição de responsabilidade de acordo com a guarda do objeto. Assim como nas regras de transmissão de obrigações, os riscos da coisa correm à conta de quem a detém.
Pois bem. No caso, a responsabilidade a ser deslindada paira sobre dois objetos: a rede de internet do estabelecimento e a guarda da prova física.
Como se sabe, as instituições detêm liberdade para devolver seus métodos de ensino e avaliação, desde que o conteúdo dos cursos esteja em conformidade com as diretrizes do MEC.
Sucede que, num Estado Democrático de Direito, a toda liberdade corresponde uma responsabilidade.
Daí porque é condição do exercício da liberdade acadêmica a observância dos propósitos que justificam a prestação do serviço, bem como o respeito aos preceitos éticos que amparam a ordem jurídica, como a isonomia, a proteção da imagem, a segurança da saúde e do patrimônio.
Assim o sendo, malgrado se assegure tal sorte de liberdade, é a instituição obrigada a estabelecer critérios de ensino e avaliação que assegurem plenas e paritárias condições de aprendizado, que garantam a segurança da saúde e patrimônio do aluno, que não gerem desigualdades ou injustiças, e que, tanto quanto possível, permitam seu desenvolvimento e progresso intelectual, conduzindo à capacitação e inserção no mercado de trabalho.
A instituição, portanto, responde por qualquer prejuízo que causar ao aluno, sobretudo quando em razão de falha de funcionamento dos métodos de ensino e avaliação, porque a liberdade – que exerce ao concebê-los – é meio para o propósito e a essência do serviço educacional.
Diante disso, convém se assentar, de plano, a premissa de que é a instituição responsável pelo funcionamento operacional da avaliação, de modo a assegurar ao aluno que a ela tenha o devido acesso, que possa praticar as atividades propostas, que tenha o direito a saber sua nota, bem como uma avaliação imparcial e justa.
Todas as ferramentas, instrumentos e sistemas concebidos para realizar a avaliação são de exclusiva responsabilidade da instituição. No ponto, convém discorrer que não se pretende responsabilizar a instituição pelo funcionamento da caneta do aluno ou pela seu estado emocional quando do certamente, que são elementos incontroláveis – aliás, expressamente afastados da responsabilidade da instituição no contrato anexo – e provindos do aluno.
Se, porém, no método de avaliação concebido pela instituição, é o aluno obrigado a prestar a prova dentro do estabelecimento, envia-la pelo sistema da faculdade, com a rede de wifi por ela disponibilizada, e com uma contrafé física, entregue ao professor, responde a instituição pela pleno funcionamento desses sistemas e pela guarda dos documentos e informações dele decorrentes.
Afinal, no contrato, não tem o aluno qualquer margem de liberdade para acordar os termos de sua avaliação, tampouco provê quaisquer dos instrumentos para tanto utilizados, não sendo lógico que o risco inerente ao funcionamento desses instrumentos lhe seja imputado.
No caso dos autos, a autora fez o que lhe competia e o que foi orientada a fazer. Compareceu no estabelecimento, fez o exame, porém, ao tentar envia-lo pelo sistema, não logrou concluir a operação, em razão de falha de funcionamento do equipamento.
Ora, a falha não é imputável à autora, que nada contribuiu para o evento. É, a rigor, consequência de negligência da ré na manutenção do sistema.
Diante do imbróglio, procurou quem representa a instituição dentro da sala de aula: o professor. Foi pela professora Rosa instruída a entregar sua via física, o que fez, e liberada para deixar o local.
Ante tal quadro, o que se vê é que as obrigações atribuídas à autora foram devidamente cumpridas. A responsabilidade pela manutenção do sistema e pela guarda prova da física, porém, é da instituição.
Isso implica que os riscos decorrentes do uso de seus critérios e ferramentas avaliativas corre à sua conta. Se, por erro no sistema ou falha na guarda da avaliação, a autora acabou privada de sua nota, a instituição deve arcar com o custo de aplicar nova avaliação ou, na impossibilidade, de aprovar o aluno e permitir sua progressão.
Por outro lado, não pode a instituição dizer, como disse em resposta a um dos e-mails, que a autora assumiu o risco de perder a nota ao deixar o local de prova, uma vez que foi instruída a fazê-lo pela própria professora, que representa a faculdade dentro da sala de aula.
Se, portanto, atuou em erro, fê-lo porque induzida pela própria faculdade, que não pode lhe opor a assunção de tal risco.
DO FATO DO SERVIÇO: FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EDUCIONAL
Quanto ao fato do serviço, dispõe o art. 14, caput e §1°, do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
Referido preceito guarda profunda conexão com os direitos básicos do consumidor, elencados …