Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, propor a presente
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXISTÊNCIA CONTRATUAL C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
com esteio nos artigos 319 e 320 do CPC, em face $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo], pelas razões a seguir aduzidas:
1. PRELIMINARMENTE
1.1 DA JUSTIÇA GRATUITA
Inicialmente roga a parte autora pelos benefícios da gratuidade da justiça, eis que é pessoa comprovadamente pobre, conforme art. 98 e 99 do CPC e conforme declaração de pobreza que segue anexa, bem como há de se observar as próprias condições em que os termos desta demanda são apresentados.
Assim, por não possuir condições de arcar com custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do sustento próprio, bem como o de sua família, faz jus ao benefício da gratuidade da justiça, nos termos da Lei 1.060/50.
1.2. DA PRIORIDADE NA TRAMITAÇÃO
Conforme documentos pessoais da parte autora anexados à Inicial, esta conta hoje com 63 anos de idade, fazendo, por isso, jus ao benefício da prioridade na tramitação de procedimentos judiciais, nos termos do art. 1.048, inciso I do Código de Processo Civil e art. 71 do Estatuto do Idoso.
2. DAS CONSIDERAÇÕES FÁTICAS
2.1. SÍNTESE FÁTICA
A parte demandante é APOSENATADO pelo INSS, percebendo mensalmente a importância de um salário mínimo, sua única fonte de renda. Entretanto, fora surpreendido com a realização de um empréstimo em seu benefício previdenciário (Nº 612140613) datado de 14.02.2020, no valor e R$ 3.000,00 (três mil reais). O autor desconhece a origem do suposto empréstimo.
A parte autora jamais solicitou tal empréstimo, e estranha e desconhecida foi a forma como o banco requerido realizou o empréstimo em seu nome, por isso buscou informações na agência, contudo, nada foi lhe informado.
Urge salientar que em virtude da própria condição pessoal da parte autora, que é idosa e analfabeta, não tomou conhecimento da forma como foi feito o negócio, e as parcelas vem sendo descontadas (R$ 84,90), porém, por ser SEMI-ANALFABETO, e ter outros descontos, não sabe ao certo o valor líquido a receber a título de aposentadoria, e com a confusão nos valores, não percebeu que teria também especificamente o referido empréstimo, só podendo constatar que fora através de fraude.
Diante da inércia do banco requerido, posto não ter prestado qualquer informação do suposto contrato que enseja os descontos, infere-se que a malfadada negociação foi gerada exclusivamente pelo requerido e assim, deixa claro que não existe o contrato ou, se existe, não foi formulado pela autora. E nesta última hipótese, caso venha a ser exibido neste processo contrato, é INVÁLIDO.
Portanto, não pode o(a) Requerente ser responsabilizado por algo que foge inteiramente da sua obrigação, motivo pelo qual se faz necessário o ajuizamento da presente ação para que a Requerida suspenda os descontos efetuados na aposentadoria da parte Autora, bem como seja declarado nulo/inexistente o suposto contrato de empréstimo consignado e restituído os valores já descontados, em DOBRO, sendo condenado ainda, aos danos morais sofridos, uma vez que vem passando por diversas necessidades e constrangimentos na tentativa de solução da capciosa contratação.
Vislumbra-se pelo enredo fático exposto que parte autora fora vítima de execrável ato ilícito perpetrado pela parte adversa.
2.2. DA INEXISTÊNCIA DE CONTRATO / FRAUDE CONTRATUAL
Excelência, não é forçoso ressaltar que estamos diante de uma relação típica de consumo, hipótese em que o ônus da prova deve ser invertido, cabendo, assim, ao Banco provar a existência do contrato e que o mesmo foi celebrado com todas as observâncias das formalidades legais nos casos de contratação com analfabetos, tais como representação/assistência de procurador constituído através de procuração pública ou, assinatura a rogo, e testemunhas do círculo de convivência do contratante e, se for o caso, seu registro em cartório. Analisando o caso em tela, verifica-se que nada disso ocorre.
Conhecida prática abusiva dos bancos e financeiras cada vez mais comum no país, mediante esquema de concessão de empréstimos consignados a aposentados e pensionistas sem o prévio requerimento do consumidor, que se dá basicamente por duas razões: a falta de controle e rigores de segurança dos bancos (compliance) na concessão de empréstimos e a ocorrência de fraudes realizadas por meio de documentos falsos, extraviados ou por engenharia social.
Não é de hoje que pessoas simples como a parte autora, com parca escolaridade, idade avançada e analfabeta costumam ser alvo de FRAUDES por parte de indivíduos que se dizem representantes dessas Instituições Financeiras, por serem hipossuficientes em excelência, tornam-se fáceis de ludibriar, e por vezes acabam apostando suas digitais em papéis sem ter noção do conteúdo de tais documentos, ou seja, sem ter a real noção do contratado por este ato. Se já não bastasse serem vitimas de fraudes, ainda sofrem com as ilegalidades perpetradas pelas Instituições Financeiras.
Sendo assim, ainda que tivesse havido a formalização de contrato comprovada pelo Banco – o que não houve - sem tais formalidades, em decorrência de sua responsabilidade objetiva e a inversão do ônus da prova, a sua nulidade seria medida que se impõe. Nesse caso é bem mais grave, pois inexistente o contrato.
Mesmo que cópia do suposto contrato e do comprovante de depósito (em favor da parte autora) do valor objeto do mesmo venha a ser anexado pelo requerido, isso não implica a realização do negócio jurídico, uma vez que é preciso manifestação de vontade válida e formal de ambas as partes, o que não aconteceu.
Caso o requerido anexe o comprovante de depósito do contrato objeto desta, importante destacar que a vontade de contratar apenas existiu com relação à Instituição Financeira, que até poderá ter depositado o valor na conta da parte autora, mas não aconteceu por parte desta, uma vez que não se procedeu da forma determinada pela norma jurídica, expressa nos normativos de regência do instituto, verdadeira prática abusiva!
Importante ressaltar que, tendo em vista as condições pessoais do(a) Requerente, em caso de contratação, além de a legislação pátria exigir o registro público, deve o contrato atender a sua função social, e aos princípios da boa fé objetiva, da vulnerabilidade da parte hipossuficiente a fim de evitar onerosidade excessiva e enriquecimento sem causa.
Em se tratando de pessoa ANALFABETA, a colocação de impressão digital não é assinatura, logo, é preciso que se adote as medidas determinadas para sua validade. Vejamos a inteligência que extraímos dos artigos 104, III, 166, IV, 215 e 595, ambos do Código Civil, e art. 221, § 1º da Lei nº 6.015/73. Aliás, não poderia ser diferente.
Por outro lado, o ANALFABETO FUNCIONAL que não sabe ler também é parte hipossuficiente e deve ter assistência devida no ato de contratação. Não se pode aceitar como iguais o ALFABETIZADO e a pessoa que assina seu nome, pois comumente, pessoas analfabetas em nossa sociedade foram induzidas a “assinar seu nome”, muitas sequer sabem ler! Sobretudo na Zona Rural, onde existem pessoas com origem humilde, que durante toda a vida labutaram na agricultura, nunca foram à escola, e hoje, aposentados e idosos, sabendo repetir o desenho de seu nome, verdadeiros analfabetos funcionais não podem ter o ônus de conhecer um contrato, quiçá saber interpretá-lo. Nota: “São chamados de analfabetos funcionais os indivíduos que, embora saibam reconhecer letras e números, são incapazes de compreender textos simples, bem como realizar operações matemáticas mais elaboradas. ”
Por dedução lógica, aqueles que não têm escolaridade, porém, assinam seu nome com muita dificuldade, especialmente os aposentados por agricultura que não tiveram acesso à Educação, são presas fáceis de empresas que realizam contrato, fazem o aposentado assinar um documento sem testemunhas e depois utilizam o mesmo documento para outras finalidades. E a partir daí se inicia as fraudes. É tão patente, que muitos bancos negociam cessão de crédito para dificultar ainda mais a descoberta dos responsáveis pelas fraudes!
Certo, portanto, que a realização de negócio jurídico com analfabeto merece cuidados e o cumprimento de certas formalidades, sob pena de não se considerar, eficaz e válido pela ausência de manifestação de vontade.
4. ANÁLISE DA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
4.1. DO CONTRATO DE ADESÃO
Assim dispõe o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Vale destacar que, atualmente, a maioria dos contratos de consumo é de "adesão". Consequentemente, o Banco/Financeira se prevalece da condição social da parte contratante e da sua hipossuficiência, lhe impondo, sem informar-lhe dos riscos e das cláusulas contratuais abusivas. Vejamos o que dispõe os §§ 3° e 4° do Art. 54 do CDC:
Art. 54 (...)
§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
Grifei.
No entanto, a ilegalidade reside nesse ponto. Como um ANALFABETO ou mesmo o ANALFABETO FUNCIONAL irá ler ou interpretar um contrato de adesão? Nesse caso deve haver alguém HABILITADO, constituído por instrumento público que faça a leitura e interpretação do referido contrato, evitando-se a lesão ao patrimônio financeiro da parte Autora. Quando não há o preenchimento dos requisitos para a formalização do contrato de adesão por analfabeto, as cláusulas serão consideradas nulas de pleno direito. Senão vejamos:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
Grifo.
Desta forma, não resta dúvida de que o contrato firmado pelas partes é nulo de pleno direito, tendo em vista a ausência de requisito fundamental à formulação do referido contrato, conforme será demonstrado adiante.
4.2. DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
Com o advento da Lei nº 10.820/03, posteriormente modificada pela Lei nº 10.953/04 e, finalmente aperfeiçoada pela Lei 13.172/15, foi institucionalizado no ordenamento jurídico e no cenário econômico nacional a figura do empréstimo por retenção e consignado em benefícios de renda mínima, pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
O objetivo fundamental das referidas leis foi facilitar a obtenção de empréstimos por parte dos segurados da Previdência Social, diminuindo o risco da operação para as entidades credoras e, por conseguinte, também reduzindo as taxas de juros praticadas para esse nicho específico de consumidores do mercado financeiro.
Anualmente, bilhões de reais são movimentados pelas Instituições Financeiras autorizadas a operar o sistema, gerando vantajosos lucros, que se constitui, na atualidade, a mais importante carteira de crédito para muitas instituições financeiras, inclusive Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil S/A.
Assim, pelas facilidades encontradas pelas instituições bancárias na operação desse mecanismo de concessão de crédito, abre-se margem para inúmeras ilegalidades que vêm sendo cometidas por algumas Instituições Financeiras credenciadas, especialmente por aquelas que se utilizam de CORRESPONDENTES ou AGENTES BANCÁRIOS, como são popularmente conhecidos, prejudicando de forma irreparável os consumidores que, via de regra, são pessoas de idade avançada, analfabetos ou analfabetos funcionais. Estes últimos até conseguem “desenhar” o nome, porém não sabem ler, além de não compreenderem a real dimensão de um contrato de empréstimo bancário - quando o assinam - resultando nas mais injustas, variadas e absurdas clausulas contratuais. Isso, repita-se, quando contrato expresso existe, autorizando consignações diretas nos parcos proventos dos beneficiários da Previdência.
Assim, importante ressaltar que, além de versar acerca de contratação inexistente, esta exordial também discorre sobre ilegalidades efetivadas pela Requerida – se por acaso a instituição financeira, mesmo a destempo, venha a apresentar qualquer contrato -, razão pela qual a partir deste tópico será analisada a aplicação de institutos aplicáveis às situações jurídicas. Portanto, dentre as várias situações existentes no contexto acima narrado, estão às:
1- vítimas que até podem ter firmado contrato de empréstimo, mas receberam aquém do contratado;
2 - são surpreendidos com a existência de outros empréstimos que nunca fizeram, se deparando com a existência de bancos credores dos quais nunca ouviram falar, de valores supostamente recebidos, que de fato nunca receberam, apesar de terem ou estarem suportando os descontos;
3 - ausência de registro em Cartório (Procuração Pública) ou assinatura de procurador devidamente constituído para formalizar tal negócio, sob pena de ser o mesmo tido por irregular, nos termos dos arts. 104, III, 166, IV, 215, 595, todos do CC vigente, e
4 - valores transferidos unilateralmente por Instituição Financeira sem a existência de manifestação expressa do Requerente.
4.3. DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Necessário se faz esclarecer que o presente caso é regido pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, posto que a relação estabelecida entre as partes é de natureza consumerista. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já pacificou tal entendimento em súmula 297, ao determinar que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Por outro lado, também, averígua-se que incide sobre estas a responsabilidade civil objetiva, ou seja, independentemente de culpa, pois se enquadram no conceito de fornecedoras e pode ser responsabilizada por eventuais danos perpetrados em face dos consumidores.
Neste diapasão, ressalta-se que o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria da responsabilidade objetiva, bastando ao consumidor comprovar o dano e o nexo de causalidade para que haja obrigação do prestador de serviço de reparar todos os danos sofridos:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Grifei.
Neste passo, cumpre ressaltar que inquestionável é a responsabilidade objetiva da instituição aqui demandada, vez que, não respeitando a legislação consumerista, atribuiu à parte autora negócio jurídico que jamais contraiu.
O Requerido agiu de má-fé “criando” empréstimo não contratado ou – no mínimo - assumindo o risco da contratação intentada por algum agente que lhe presta serviço, que de posse dos dados do Requerente, “fabricou” …