Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO $[processo_vara] JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA de $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], $[parte_autor_rg], $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo],por seus advogados in fine subscritos – procuração anexa, vêm, respeitosamente, perante V. Exa., com fulcro dos artigos 319 et seq, todos do Código de Processo Civil, combinados com o art. 6°, incisos VII e VIII, do Código de Defesa do Consumidor propor a presente
AÇÃO RESCISÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES
em face de$[parte_reu_razao_social], $[parte_reu_cnpj], pessoa jurídica de direito privado, com sede $[parte_reu_endereco_completo] pelas razões de fato e de direito doravante aduzidas:
I. DOS FATOS
A ré é empresa que, entre outras atividades, presta cursos profissionalizantes.
A autora, em meados de 2019, contratou um dos cursos ofertados (contrato anexo), no valor de R$ 1.290,00, quitando-o integralmente, de forma antecipada e à vista.
Por motivos pessoais, porém, após assistir uma aula – das 16 contratadas -, a requerente desistiu do curso.
Em razão disso, a ré expediu um Termo de Crédito (anexo), declarando a existência de crédito, no valor do curso, em favor da autora, para utilização em outro curso da instituição.
Sucede que, com a superveniência da pandema da covid-19, a autora ficou desempregada e, em consequência da fragilização de sua situação econômica, constatou que o curso profissionalizante não mais era oportuno e era mais urgente resgatar o investimento, para o fim de garantir sua subsistência.
A instituição, porém, embora não tenha prestado os serviços contratados, negou-se a restituir qualquer valor adiantado.
Todas as tentativas de diálogo e acordo foram infrutíferas e a ré manteve-se irredutível.
Ante a impasse, e por não divisar solução diversa, vem a autora a juíza reclamar o que lhe cabe, conforme se passa a expor.
DO DIREITO
II. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Dispõem os artigos 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor que é consumidor a pessoa física que utilize produto ou serviço como destinatário final, e fornecedor, pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, que desenvolva, entre outras, atividade de comercialização de produtos e prestação de serviços.
E, de fato, in casu, dúvida não há de que devidamente caracterizados o consumidor e o fornecedor, bem como a relação consumerista, fundada na vulnerabilidade, que atrai o microssistema protetivo.
Primeiro, porque a requerente contratou o serviço educacional, ora caracterizado como a prestação das aulas do curso profissionalizante, oferecido por pessoa jurídica, de forma profissional e organizada.
Segundo, porque, a teor do art. 4°, I, do CDC, a vulnerabilidade é evidente.
Com efeito, a vulnerabilidade é conceito que, a um só tempo, caracteriza e justifica a relação de consumo, legitimando a aplicação do CDC.
No caso em apreço, nítido é que a relação mantida entre a autora, pessoa física, e a ré não é paritária.
Isso porque é a autora técnica, econômica e juridicamente vulnerável, e disso faz prova o contrato de adesão a que está sujeita, sua reduzida autonomia de vontade na consolidação dos termos contratuais e sua sujeição econômica à ré, que, inclusive, dela se vale para cobrar antecipadamente o valor do curso, resguardando-se a prerrogativa de conduzir, unilateralmente, a relação jurídica.
Assim, de rigor o reconhecimento da relação de consumo.
Além disso, em atenção à regra do art. 6, VIII, do CDC, forçoso o reconhecimento da hipossuficiência da requerente e da verossimilhança de suas alegações para efeito de inversão do ônus da prova.
Afinal, não bastasse a vulnerabilidade que caracteriza a própria relação, certo é que a distribuição estática do ônus da prova acarretaria grave prejuízo à defesa dos direitos da requerente.
Isso porque a ré mantém registros de seus serviços, inclusive os relativos à requerente e a ela é muito mais fácil fazer prova contra a autora, justamente com uso desses dados, do que essa, que não têm acesso a tais registros ou aos meandros da prestação do serviço provar os fatos constitutivos de sua pretensão.
E, como cediço, não é outra a mens legis do art. 6, VIII, do CDC: garantir a defesa dos direitos do consumidor, reequilibrando a relação processual por meio da inversão do ônus da prova, se, no caso concreto, não tem condições de produzir as provas deles constitutivas.
Deste modo, requer-se o reconhecimento da relação de consumo e a aplicação da regra da inversão do ônus da prova, forte no art. 6°, VIII, do CDC.
III. DA RECONSTITUIÇÃO DO STATUS QUO ANTE: SERVIÇOS NÃO PRESTADOS PELA REQUERIDA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
No que toca à extinção do contrato, com efeito, a anteceder análise de suposta inexecução contratual, convém discorrer que a relação jurídica não se desenvolveu e os serviços, que são o efetivo objeto da avença, jamais foram prestados.
Disso exsurge que a execução do contrato não se iniciou. Assim sendo, e na medida em que não há a contraprestação contratada, os valores que a ré cobrou antecipadamente constituem verdadeiro enriquecimento ilícito.
E, quanto a isso, estabelece o art. 884 do Código Civil o seguinte:
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Não bastasse, complementa o art. 885, do mesmo diploma, que é devida a restituição não somente quando inexistir causa que o justifique, mas também se esta deixou de existir.
E, com efeito, embora a previsão das aulas a serem ministradas justificassem o pagamento, a partir no momento que as partes entenderam que mais era possível presta-las, a causa do enriquecimento, que era a celebração da avença, deixou de existir, sendo forçosa a devolução integral do montante dispendido pela autora.
A propósito, assim já se decidiu o E. Tribunal de Justiça bandeirante:
EXECUÇÃO - Cheque orindo de pagamento de reserva de matrícula - Desistência - Sustação do título de crédito - Possibilidade - Cláusula que prevê a perda da "pré-matrícula" na hipótese de não confirmação da matrícula definitiva na data prevista - Abusividade - Inexistência de contraprestação de serviços pela instituição de ensino a justificar a pretensão - Desistência que não ocasionou prejuízos - Sentença mantida - Recurso improvido.(TJSP; Apelação Cível 0078186-04.2004.8.26.0000; Relator (a): Candido Alem; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 3ª VC F Reg Penha de França; Data do Julgamento: 09/08/2011; Data de Registro: 31/08/2011)
Ação monitoria fundada em cheque prescrito. Contrato d? prestação de serviços educacionais. Título emitido em f/agumen/o da matricula. Desistência manifestada pelo aluno. Inexigibilidade da obrigação bem reconhecida. Honorários advocativios - causa de pequeno valor - Estimativa que deve se jazer com observância no disposto nos §§ 3" e 4" do arl. 20 do CPC. Recurso jyarctulmenie provido. (TJSP; Apelação Com Revisão 0093980-36.2002.8.26.0000; Relator (a): Carlos von Adamek; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado B; Foro de Jacareí - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 22/08/2005; Data de Registro: 19/10/2005)
Ademais, dispõe o item 5 da Portaria n° 03, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que é considerada abusiva, à vista das garantias e vedações do CDC, disposição contratual que imponha “o pagamento antecipado referente a períodos superiores a 30 dias pela prestação de serviços educacionais ou similares”, uma vez que exigem do consumidor pagamento referente a prestação de …