Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA $[PROCESSO_VARA] VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, propor a presente
AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
contra a UNIÃO FEDERAL, por sua Procuradoria, pelas razões de fato e de direito que seguem.
Dos Fatos
A Autora é Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB) desde 23/06/1995 (doc. 02), com domicílio estabelecido na cidade de $[geral_informacao_generica], porém exercendo suas atividades em $[geral_informacao_generica].
Salienta-se que a Autora é natural daquela localidade, tendo inicialmente sido lotada em $[geral_informacao_generica], conseguindo a tão sonhada transferência para $[geral_informacao_generica] em janeiro de 1998, exercendo suas atividades na Agência da Receita Federal desta localidade durante 11 (onze) anos.
Com o advento da Lei nº. 11.457/07, foi alterada a denominação da “Secretaria da Receita Federal”, passando a ser “Secretaria da Receita Federal do Brasil” – ocorrendo, ainda, uma redistribuição dos quadros funcionais, conforme regulamentado pela Portaria RFB nº. 11.081/07 (doc. 03), que em seu art. 1º § 1º assim determinou:
“Art. 1o A movimentação de integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil (ARFB), do Plano de Classificação de Cargos (PCC), do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE) e dos servidores de que trata o art. 12 da Lei no 11.457, de l6 de março de 2007, decorrente da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), respeitado o disposto na Portaria SRF no 6.115, de 1o de dezembro de 2005, obedecerá às regras estabelecidas nesta Portaria.
§ 1o O exercício de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB) não poderá recair em Agência da Receita Federal do Brasil (ARF), salvo em situações excepcionais, devidamente justificadas pelo Superintendente e autorizadas pelo Secretário da Receita Federal do Brasil.
§ 2o Para os efeitos desta Portaria, movimentação compreende a alteração de lotação e de exercício, cumulativamente ou não.”
Conforme acima se aduz, restou estabelecido que o exercício do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil não poderia recair em Agência da Receita Federal do Brasil (ARF), salvo em situações excepcionais.
Neste contexto, a Autora, que trabalhava na Agência da Receita Federal de $[geral_informacao_generica] há 11 (onze) anos, foi transferida para a Delegacia da Receita Federal de $[geral_informacao_generica].
Porém, a portaria acima transcrita previa que em casos excepcionais poderia o servidor permanecer localizado em Agência da Receita Federal, situação que fez com que a Autora angariasse todas as justificativas necessárias para que permanecesse em $[geral_informacao_generica] (doc. 04), dentre elas:
Intensa atividade dos AFRFB na localidade;
Natureza do trabalho ser externa, não havendo prejuízo para a Administração Pública, em razão da facilidade de comunicação;
Estrutura familiar consolidada no município de $[geral_informacao_generica] desde 1998;
Inobstante as sucintas assertivas apresentadas, não foram suas justificativas aceitas, aos seguintes termos (doc. 04):
“De ordem do Sr. Superintendente, comunicamos que as justificativas apresentadas para permanência dos AFRFB nas agências de jurisdição não foram aceitas, portanto esta unidade deverá providenciar a localização dos mesmos na DRF/Santa Maria até o dia 31/12/07, conforme prevê a Portaria RFB 11.081/07.”
Assim, dentre as remoções realizadas tempestivamente, inclui-se a da Autora, que se deu por ocasião da Portaria nº. 81/2007 (doc. 05), aos seguintes termos:
“Localizar o(a) servidor(a) $[geral_informacao_generica], CARGO AUDITOR-FISCAL DA REC FEDERAL BRASIL, a partir de 31DEZ2007, no(a) DRF/STM/SECAO ORIENT ANALISE TRIBUTARIA.”
Note, Excelência, que tal movimentação da servidora se deu por simples manejo de pessoal, sem qualquer necessidade específica de serviço e desconsiderando a repercussão social de tais medidas.
Afinal, conforme se aduz da legislação que regulamente as atividades dos Auditores Fiscais (doc. 06), podem elas ser desenvolvidas tanto em agência como em delegacias – sem qualquer prejuízo à qualidade do serviço.
Inobstante tal fato, foi então a Autora localizada na Delegacia da Receita Federal de $[geral_informacao_generica] – muito embora resida desde 1998 em $[geral_informacao_generica], onde constituiu toda sua unidade família.
Note que a Autora mantém uma relação de união estável com o Sr.$[geral_informacao_generica] desde 04/07/1992 (doc. 07), contabilista estabelecido no município de $[geral_informacao_generica] durante praticamente toda sua carreira.
A duras custas, conseguiu adquirir seu imóvel próprio, à Rua $[geral_informacao_generica], Matrícula nº. $[geral_informacao_generica] do Cartório de Registro de Imóveis de $[geral_informacao_generica] (doc. 08), onde reside com toda sua família.
Sabe-se que tal situação é deveras complexa, uma vez que construiu uma vida inteira naquela localidade, sendo difícil deixar para trás sua casa e sua família.
Está saindo da cidade onde nasceu e criou suas raízes, lá estando durante os últimos 11 (onze) anos.
De fato, tal situação não poderia ser encarada com normalidade, até mesmo em razão de a União sequer ter justificado a necessidade de tal transferência.
E pior: está deixando seus dois filhos menores –$[geral_informacao_generica] de 11 anos (doc. 09), e $[geral_informacao_generica] de 15 anos (doc. 10).
Seu filho, $[geral_informacao_generica], é uma criança que sofre demais com a ausência da mãe, agravando seu já delicado quadro de saúde – pois diagnosticado com grave transtorno de ansiedade de separação.
Sobre tal situação, bem posiciona a Psicóloga $[geral_informacao_generica], inscrita ao CRP sob o nº.$[geral_informacao_generica] (doc. 11):
De acordo com o DSM-IV, L.A.U.Z, por ter desencadeado sintomas de “TRANSTORNO DE ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO”, devido à separação da figura de vinculação afetiva (materna). Esse tipo de transtorno segundo Range (2001), “trata-se de um sofrimento excessivo e recorrente frente à ocorrência ou previsão de afastamento de casa ou de figuras importantes de vinculação; ... a perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, acadêmico (ocupacional) ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.”
...
L.A.U.Z., atualmente com 11 anos de idade iniciou o tratamento psicológico no dia 04 de março de 2008, sendo que o mesmo ainda freqüenta semanalmente as sessões psicológicas.
..
L.A.U.Z, necessitou de acompanhamento psicológico, pois o mesmo começou a desencadear diversos sintomas como: medos, angústias, taquicardia, estados febris, pesadelos, estados depressivos, terror noturno, dificuldades escolares, perca de peso, constante estado de tristeza, baixo auto-estima, choros sem causa aparente, dores na região abdominal, diarréias, dores de cabeça, fadiga, e outros. Este quadro de sintomas chamou atenção dos pais percebendo que era necessário ajuda médica, onde o profissional da saúde os aconselhou a importância do auxílio de um profissional da psicologia, pois L.A.U.Z. poderia estar passando por um sofrimento de ordem emocional.
Conforme os dados e as características dos sintomas L.A.U.Z. estava apresentando transtorno de ansiedade de separação. Isto foi desencadeado a partir do momento que sua projenitora precisou se ausentar do seio familiar por motivo de trabalho e morar em outra cidade (Santa Maria-RS), bruscamente, esta situação de separação da figura materna da qual o mesmo tem uma forte ligação afetiva, causou um forte impacto conflitivo. Atualmente, L.A.U.Z. continua freqüentando as sessões psicológicas, tentando elaborar esta separação, mas com lentidão, pois toda a vez que sua projenitora se ausenta os sintomas ansiogênicos aparecem.” (grifo nosso)
E a filha $[geral_informacao_generica], de apenas 15 anos, está com fortes tendências depressivas, o que, segundo parecer médico, pode desenvolver-se para uma depressão profunda – situação, diga-se, que somente o retorno da mãe pode auxiliar.
Neste sentido é o que aponto o laudo da Psicóloga $[geral_informacao_generica], inscrita ao CRP sob o nº. $[geral_informacao_generica] (doc. 12):
Excelência, são duas crianças que estão sendo privadas do convívio materno, sabe-se lá por quais razões, vindo a desenvolver graves patologias psíquicas, ambos já somatizando e tendo sua higidez severamente prejudicada.
Tal situação preocupa por demais a servidora, que já sofre com hipertensão arterial sistêmica – doença que sabidamente causa enfarto quando a pessoa é submetida a estresse cosntante – tal como diagnosticado pelo Dr. Eduardo Radins, inscrito ao CRM sob o nº. $[geral_informacao_generica] (doc. 13):
“Atesto que $[geral_informacao_generica] é portadora de hipertensão arterial sistêmica, em uso de ... e angipress. Em tratamento nesta clínica desde 07.05.2008.” (grifo nosso)
Vendo agravado seu quadro de saúde, a Autora obriga-se a ausentar-se do trabalho por orientação médica – situação que não ocorria quando localizada em $[geral_informacao_generica], estando próxima de sua família.
O estresse sob o qual trabalho, sempre preocupada com seus filhos e distante para poder ajudá-los levou-a a consultar o Psiquiatra $[geral_informacao_generica], inscrito ao CRM sob o nº. $[geral_informacao_generica], que recomendou 10 (dez) dias de afastamento (doc. 14):
“Atesto que a Sra $[geral_informacao_generica] esteve sob meus cuidados profissionais hoje e em função do estado de saúde ... lhe façam ... 10 (dez) dias de resguardo domiciliar. Estamos aguardando exames para completar o laudo.”
À ocasião, foi diagnostica como portadora da CID F31.9:
CID 10 – F31.9 – Transtorno afetivo bipolar, não especificado.
Infelizmente, a Autora passou a somatizar o estresse enfrentando com a distância de casa, de seu marido e filhos, vindo a ter seu quadro clínico seriamente agravado.
Por certo, não está a servidora em suas plenas condições laborais, estando prejudicando a si e à sua família – e, conseqüentemente, à própria qualidade funcional à União.
Assim, requereu novamente sua remoção para a cidade de Santiago/RS, fazendo instaurar o processo administrativo nº. $[geral_informacao_generica] (doc. 15), que culminou pelo indeferimento de seu pleito, aos seguintes termos:
“Portanto, diante do exposto, proponho o indeferimento do pedido de remoção da servidora para a ARF/Santiago/RS.”
Salienta-se que pela natureza funcional dos AFRFB (doc. 06), a Autora pode exercer suas atividades na localidade pretendida – tal como o fez desde janeiro de 1998.
Não há, assim, impeditivos técnicos para a transferência pretendida – salvo excessivos rigorismos e formalismos que maculam a atividade estatal, impondo-os em relevo ante a preceitos magnos do Estado Democrático de Direito.
Mister, assim, intervenha o Poder Judiciário para resguardar do direito da Autora, amparado ao art. 226 e 227 da Constituição Federal de 1988, ao art. 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente e ao mais farto e pertinente entendimento jurisprudencial.
Do Direito
Inicialmente, cumpre asseverar que a remoção ocorreu sem qualquer justificativa, nem sequer o interesse da própria União foi argüido de modo a embasar tal ato.
Sem dúvidas, a situação familiar da Autora – bem maior a ser tutelado pelo Estado – enquadra-se na ressalva prevista ao art. 1º § 2º da Portaria RFB nº. 11.081/07 (doc. 03):
“Art. 1o A movimentação de integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil (ARFB), do Plano de Classificação de Cargos (PCC), do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE) e dos servidores de que trata o art. 12 da Lei no 11.457, de l6 de março de 2007, decorrente da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), respeitado o disposto na Portaria SRF no 6.115, de 1o de dezembro de 2005, obedecerá às regras estabelecidas nesta Portaria.
§ 1o O exercício de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB) não poderá recair em Agência da Receita Federal do Brasil (ARF), salvo em situações excepcionais, devidamente justificadas pelo Superintendente e autorizadas pelo Secretário da Receita Federal do Brasil.”
E o caso em tela enquadra-se em tal situação excepcional, pois olvidou-se a União de considerar seus preceitos maiores, albergados constitucionalmente, tal como a proteção à família – o qual deve ser preservado acima de qualquer entrave burocrático ou administrativo.
Ademais, não se pode imaginar as razões pelas quais, de uma hora para outra, a Autora não mais pode desenvolver suas atividades na cidade onde exerceu durante 11 (onze) anos!
E assim ocorreu deixando para trás dois filhos menores, já somatizando a ausência materna.
Não há dúvidas que, dentre tal idiossincrasia e a proteção à família, esta deve prevalecer, consoante aduzem os arts. 226 e 227 da Constituição Federal de 1988:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (grifo nosso)
Neste sentido, sempre lúcido é o ensinamento do jurista Ives Gandra Martins:
“Nenhuma sociedade pode viver sem valorizar a família. E esta depende, fundamentalmente, da vivência de valores.
Pinto Ferreira ensina: "A família é uma célula social, tem uma importância básica na estrutura da sociedade, é a própria base da sociedade. Diversas teorias explicativas da origem do Estado salientam inclusive que tal unidade política resulta apenas de uma associação ou ampliação da família. Ela recebe uma proteção especial do Estado, pois com o seu amparo se aperfeiçoa e se aprimora a própria instituição política. O homem quando nasce é de imediato membro de uma família e pertence à unidade política de importância que é o Estado. Para efeito de proteção do Estado a família é entendida mesmo com um sentido mais amplo na Constituição de 1988".” (grifo nosso)
Há, assim, que se ter em mente a função precípua do Estado – como protetor de seus valores e princípios basilares – dentre eles a família.
Acerca de tal função bem aduz o ilustre Des. Federal Sílvio Dobrowolski, em artigo publicado à Revista Doutrina TRF:
“É de fácil compreensão que a convivência de um casal é necessidade básica para a manutenção da entidade familiar, que é a sede principal de relações afetivas interindividuais privilegiada pela norma constitucional, em vista da sua importância como célula nuclear da própria sociedade nacional.
...
Assim, mesmo se não houvesse dispositivo legal sobre a possibilidade de remoção de servidores públicos para preservação do convívio familiar, cumpriria aos órgãos estatais autorizar o deslocamento necessário para concretizar o encargo da "especial proteção do Estado".
A falta de interesse da Administração com a remoção do servidor em nada interfere com o cabimento da pretensão. É que prevalece o interesse público de proteção ao grupo familiar, princípio constitucionalmente selecionado para ser realizado mediante ação estatal. Neste sentido, a orientação do Colendo Supremo Tribunal Federal, como se vê na ementa do Mandado de Segurança 21.893-DF, nos termos seguintes:
"Diante da impossibilidade de serem conciliados como se tem na espécie, os interesses da Administração Pública, quanto à observância da lotação atribuída em lei para seus órgãos, com os da manutenção da unidade da família, é possível, com base no art. 36 da Lei nº 8.112/1990, a remoção do servidor-impetrante para o órgão sediado na localidade onde já se encontra lotada a sua companheira, independentemente da existência de vagas." (grifo nosso)
Importante, ainda, trazer o preciso posicionamento do Des. Federal Valdemar Capeletti, que, quando do julgamento do Agravo de Instrumento n°. 2004.04.01.018258-0, assim entendeu:
“Penso que amparada a situação fática posta pelo princípio constitucional insculpido no art. 226 da Lei Maior, que confere especial proteção à unidade familiar, ainda que envolva tal situação deslocamento de cônjuge, decorrente de nomeação em virtude de aprovação em concurso público.
De outra banda, creio que a expressão "deslocado no interesse da Administração", inserta na alínea "a", inciso III, § único, do art. 36, da Lei nº 8.112/90, que cuida da remoção de servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro, não reporta a tal ou qual espécie jurídica de provimento ou remoção, de forma a excluir as demais. A afastar a hipótese de primeira investidura em cargo ou função pública seria de se deduzir que a lei só está a proteger os casais servidores em que um dos membros foi sujeito a um específico modo de remoção. Não creio seja essa a inteligência a ser extraída do art. 36 da Lei nº 8.112/90, em evidente choque com os arts. 226 e 227 da Constituição Federal.” (grifo nosso)
Ao mesmo sentido, traz-se o voto de lavra da eminente Des. Federal Silvia Goraieb, que por ocasião do julgamento da Apelação Cível n°. 2004.71.0016799-8 já pontualmente se manifestou:
“A família, como instituição a ser protegida pelo Estado, é algo a ser preservado. Por outro lado, dúvidas não restam que maior prejuízo teria a União em manter distantes dois funcionários, que por razões emocionais não renderiam o …