Petição
EXMO(A). SR(A). DR(A). JUIZ(A) DE DIREITO DA $[processo_vara] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[processo_comarca] - $[processo_uf]
Processo nº. $[processo_numero_cnj]
$[parte_autor_nome_completo], já devidamente qualificado aos autos em epígrafe, vem à presença de Vossa Excelência, por seus procuradores infra assinados, apresentar a presente
CONTESTAÇÃO
Aos fatos narrados à exordial pelo $[parte_reu_razao_social], pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
Em apertada síntese, o Ministério Público acusa o então Prefeito $[geral_informacao_generica] de ter suas contas reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, em diversos atos, quais sejam:
a) Terceirização irregular de serviços, ao contratar os agentes comunitários de saúde;
b) Despesas diversas com a EBCT;
c) Acréscimos financeiros sobre o pagamento intempestivo da contribuição previdenciária;
d) Acréscimos financeiros sobre o pagamento intempestivo de energia elétrica;
e) Uso inadequado de adiantamento de numerário;
f) Despesa sem legitimidade em pesquisa de opinião;
g) Excesso de despesas com pessoal.
O Parquet faz conciso petitório, unicamente indicando os pontos arguidos pelo TCE, sem, no entanto, dedicar-se à conexão entre tais fatos e a suposta improbidade administrativa.
Outra vez, resta confortável em seu assento, lançando mais um processo judicial sem a devida prudência – entendendo que todo e qualquer ato administrativo que não concorde, ou que sofra de qualquer mácula, ainda que mínima, seja admitido como ato de improbidade administrativa.
Seria saudável verificar quantos atos de tal estirpe o próprio Ministério Público também pratica...
Tal confusão, Excelência, deve cessar.
É dever do Parquet promover uma análise percuciente de cada ponto, de forma a zelar pela devida diferenciação entre meras irregularidades, ilegalidades, e atos de improbidade administrativa – institutos com conceitos jurídicos bastante distintos.
Ao Ministério Público compete provar o que alega – no caso, a suposta má fé, e o efetivo dano ao erário.
Mas assim, repita-se, não logrou fazer.
Trata-se, na prática, de dever expresso ao art. 333 inc. I do Código de Processo Civil, do qual não pode o Parquet afastar-se, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA, POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, CONTRA EX-PREFEITO. RECURSO ESPECIAL. REPARAÇÃO DE DANOS AO ERÁRIO. PRETENSÃO DE NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC NÃO-CONHECIDA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DIVERSOS PRECEITOS LEGAIS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282/STF E 211/STJ.
1. ... 2. ... 3. ... 4. ... 5. ...
6. O artigo 333, I, do CPC resta violado nas hipóteses em que a ação de improbidade por dano ao erário impõe ao réu o ônus de comprovar que não houve prejuízo, com ilegal inversão do onus probandi.
7. ... 8. ... 9. ... 10. Recurso especial provido.
(REsp 763.941/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2007, DJ 30/08/2007, p. 216)
Afinal, é temerário admitir que o simples fato de ser o Réu Prefeito Municipal enseja sua absoluta e irrestrita responsabilidade.
Ademais, ao se falar de improbidade administrativa, as primeiras linhas de toda e qualquer doutrina são no sentido de que não se pode banalizar a novel legislação, afinal, qualquer mera presunção de lesividade irá gerar o enriquecimento ilícito do Poder Público.
Parte-se, assim, do conceito bem definido à doutrina de Maria Silvia Zanella Di Pietro:
“Mesmo quando o ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto.”
Repita-se, Excelência, que o Parquet não logrou demonstrar a nem a má fé, nem o ânimo em lesar os cofres públicos supostamente praticado pelo então Prefeito.
O que fez, na verdade, foi presumir tais predicados, esquivando-se de seu dever de investigar e analisar de forma imparcial a conduta do Réu, em atitude diametralmente oposta à indicada pela doutrina de doutrina de Mauro Roberto Gomes de Mattos:
“A lei de improbidade administrativa não permite que se presuma o dano, visto que para sua configuração, é necessário o efetivo prejuízo do erário vinculado ao exercício da função pública (nexo de causalidade).”
Na ocasião do julgamento de basilar precedente (Apelação Cível Nº 70027551191) – o qual firmou orientação em nossa Egrégia Corte – a Desa. Relatora Maria Isabel de Azevedo e Souza determinou de forma expressa o dever no Ministério Público comprovar o dano ao erário para responsabilizar o administrador público por improbidade, vejamos:
“Quanto à responsabilização por ato de improbidade com fundamento no artigo 11 da Lei nº 8.429/92, a prática de ato ímprobo, na modalidade de violação a princípio, exige a prova do dolo do agente público. É insuficiente a prova da ilegalidade, já que nem todo ato ilegal constitui ato de improbidade.
Nesse sentido, os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, de que é exemplo o acórdão preferido no Resp nº 940.629/DF, Primeira Turma, Relator Min. Teori Albino Zavascki, DJ 04.09.2008, de seguinte ementa:”
Mauro Roberto Gomes de Mattos, já acima citado, traça específicas linhas sobre tal situação, in verbis:
“É necessário que haja, para o enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, o dolo e a apropriação do patrimônio público, pois ela não pune o agente público desastrado e sim o desonesto.
Pensar de modo diferente é vulgarizar a norma.”
Toda a argumentação acima vem ao fito de deixar claro que a Lei de Improbidade Administrativa não corre atrás de ilegalidades ou de irregularidade – busca, sim, punir o gestor público que age com má fé, com a intenção de fraude, e que, de forma inequívoca, cause prejuízo ao erário – conforme uníssona exegese do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, I, DA LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
1. "O objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto, não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a culpa e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público." (Mauro Roberto Gomes de Mattos, em "O Limite da Improbidade Administrativa", Edit. América Jurídica, 2ª ed. pp. 7 e 8).
2. "A finalidade da lei de improbidade administrativa é punir o administrador desonesto" (Alexandre de Moraes, in "Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional", Atlas, 2002, p. 2.611).
3. "De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado" (REsp 213.994-0/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU de 27.9.1999).
4. "A Lei nº 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9); b) em que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade pública" (REsp nº 480.387/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T, DJU de 24.5.2004, p. 162).
5. O recorrente sancionou lei aprovada pela Câmara Municipal que denominou prédio público com nome de pessoas vivas.
6. Inexistência de qualquer acusação de que o recorrente tenha enriquecido ilicitamente em decorrência do ato administrativo que lhe é apontado como praticado.
7. Ausência de comprovação de lesão ao patrimônio público.
8. Não configuração do tipo definido no art. 11, I, da Lei nº 8.429 de 1992.
9. Pena de suspensão de direitos políticos por quatro anos, sem nenhuma fundamentação.
10. Ilegalidade que, se existir, não configura ato de improbidade administrativa.
11. Recurso especial provido.
(REsp 758639/PB, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/03/2006, DJ 15/05/2006 p. 171)
Repita-se que não restou minimamente comprovado o dolo em lesar o erário público, nem tampouco o enriquecimento ilícito do então Prefeito com os tópicos apresentados pelo Ministério Público – não se configurando, assim, a tipicidade das previsões trazidas à Lei de Improbidade Administrativa.
Os valores aplicados – mesmo na hipótese de serem frutos de erros administrativos – nem lesaram o erário público, nem tampouco geraram o indevido enriquecimento do Réu, tanto que o Tribunal de Contas do Estado afastou a exigência de qualquer devolução de quantias aos cofres públicos.
Porém, por apego ao debate, far-se-á o que o Ministério Público não fez à exordial: analisar todos os pontos de acusação, demonstrando-se de forma inequívoca não se tratar de atos ímprobos, conforme se passa a expor.
a) Da terceirização irregular de serviços, ao contratar os agentes comunitários de saúde
Primeiramente, o Ministério Público demonstra grave desconhecimento da legislação pátria, ou, pior, talvez tenha alçado mão de uma cópia sem qualquer critério dos apontamentos do TCE.
Toda a contratação dos Agentes Comunitários de Saúde foi precedida de amplo processo seletivo – cujas cópias desde já requer seja diligenciado junto ao Município de $[geral_informacao_generica] - por óbvio, o Réu delas não dispõe.
Tais contratações sempre ocorreram seguindo as plenas orientações vigentes – porém, não se pode ignorar que a temática é deveras complexa, tanto que foi fruto de emenda constitucional específica para regulamentar a contratação da categoria dos agendes de saúde, alterando o art. 198 da Constituição Federa de 1998, que assim passou a dispor:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
...
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. .(Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006)
E, para regulamentar tais atividades, a Lei nº. 11.350/06 assim determinou:
Art. 9o A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Parágrafo único. Caberá aos órgãos ou entes da administração direta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios certificar, em cada caso, a existência de anterior processo de seleção pública, para efeito da dispensa referida no parágrafo único do art. 2o da Emenda Constitucional no 51, de 14 de fevereiro de 2006, considerando-se como tal aquele que tenha sido realizado com observância dos princípios referidos no caput.
Ou seja: a contratação era feita por processo de seleção simplificado, diretamente pelo Município ou por intermédio de instituições privadas.
Mas, sempre, a seleção seguiu os ritos legais, conforme se aduz da declaração da 4ª Coordenadoria Regional de Saúde asseverando a legalidade dos processos seletivos, ao seguinte sentido:
“Declaramos para os devidos fins, que todos os Agentes Comunitários de Saúde que ingressaram em equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) na região de abrangência desta 4ªCRS-SES/RS, obrigatoriamente, de acordo com a Portaria nº. 1886/GM de 1997 e Resolução nº. 297/2001-CIB/RS, participaram de um processo seletivo. O referido era composto de: prova escrita, análise de currículo, entrevista individual e entrevista coletiva, sendo executado pela Coordenação Regional do PACS/PSF até junho/2002. Os suplentes tinham validade por dois anos. Os documentos referentes aos processos seletivos, feitos até então, foram descartados por já ter expirado o prazo de validade. Após junho/2002, a responsabilidade de realização dos processos seletivos passou para os municípios, bem como a guarda dos documentos. Esta 4ªCRS-SES/RS tem a obrigação de assessorar e garantir o cumprimento da Portaria e da Resolução, acima referidas”.
Documento este que igualmente deverá ser diligenciado junto à 4ª Coordenadoria Regional de Saúde.
E assim foi sempre cumprido, seguindo as orientações legais vigentes à época da contratação dos serviços, cuja atividade somente veio a ser criada pela Emenda Constitucional nº. 51/06, regulamentada pela Lei nº. 11.350/06.
Agora, não …