Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA]/$[PROCESSO_UF]
Processo nº $[processo_numero_cnj]
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], $[parte_autor_cpf], $[parte_autor_rg], residente e domiciliada a rua $[parte_autor_endereco_completo], por seu advogado infra-assinado, devidamente constituído no instrumento procuratório já acostado aos autos, com escritório profissional situado à $[advogado_endereco], onde recebe notificações e intimações vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, dentro do prazo legal, apresentar
CONTESTAÇÃO
à Ação Civil Publica por improbidade administrativa, proposta por pelo Ilustre representante do Ministério Público Estadual, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
I- SÍNTESE PROCESSUAL
O requerido foi notificado para apresentar contestação por ter supostamente praticado a conduta descrita na norma legal prevista no art. 11 da Lei de nº 8.249/92, conforme narrou a petição inicial.
II- DOS FATOS
As alegações aduzidas pelo Ministério Público Estadual noticiam que o requerido supostamente tenha praticado ato de improbidade administrativa quando no exercício do seu mandato de prefeito Municipal no exercício de 2012, imputando-lhe a pratica de atos administrativos tipificados na Lei de nº 8.249/92 . O parquet alega que a prática de improbidade administrativa se deu por despesas contraídas nos últimos oito meses do mandato e pelo orçamento superdimensionado.
Para configurar ato de improbidade, alega que o requerido não efetuou o pagamento dos servidores municipais referente aos salários do mês de dezembro/2012 ( 50% dos vencimentos), porque tinha contraído vultosa despesas nos oitos últimos meses do mandato, assim, provocando prejuízo à execução orçamentária do Município.
O Ilustre representante do Ministério Publico Estadual alega ainda, que o demandado estimou uma receita para o exercício de 2012 de forma incompatível e não guardando parâmetros com aquela efetivamente arrecadada nos últimos três exercícios.
Portanto, a conduta do requerido de assumir obrigação de despesas sem correspondente disponibilidade de caixa nos dois últimos quadrimestres do mandato, consubstanciou fragrante violação ao principio da legalidade, possibilitando a subsunção da conduta do demandado ao disposto do art. 11 da Lei de nº 8.249/92.
Em que pese a manifestação do parquet, o demandante aduz sem provas concretas, entorpecido apenas por suas próprias compreensões advindas de seu juízo de valor, ou por informações prestadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará- TCM referente ao Processo de Prestação de Contas de Governo da qual o processo tramita sem transitar em julgado, podendo, as informações serem esclarecidas com o exercício do contraditório e da ampla defesa.
No entanto, os fatos aventados na inicial, em desfavor do demandado, não condiz totalmente com a verdade dos atos praticados pelo requerido no exercício da sua função publica, nem se pode confirmar as aduções em razão de infundado indício.
III- DO DIREITO
III.1- PRELIMINARMENTE- ILEGITIMIDADE DA PARTE PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA PRESENTE AÇÃO
O requerido é parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação.
Isso porque, no comando da Administração Municipal de Ipaumirim não atuou o Chefe do Poder Executivo como ordenador de despesas, ficando os denominados ATOS DE GESTÃO sob a incumbência de seu secretariado municipal, em decorrência do "Modelo de Desconcentração administrativa" .
Por consequência, no período que esteve à frente da administração do Município, ficam sob a incumbência do Prefeito Municipal de $[processo_cidade] apenas aquelas questões voltadas à POLÍTICA GOVERNAMENTAL, ao passo que a prática dos atos de ordenação de despesa propriamente ditos restou incumbida aos administradores das Secretarias e Fundos Municipais.
Ocorre que, apesar de NÃO TER SIDO EVIDENCIADO NA DENÚNCIA QUALQUER INDÍCIO de que o Sr. $[parte_autor_nome_completo] tenha ORDENADO/AUTORIZADO as DESPESAS em questão, AINDA ASSIM o mesmo foi arrolado como responsável pelas supostas práticas irregulares apontadas na peça delatória.
Dessa forma, deve ser reconhecida não apenas a inexistência de qualquer participação do Chefe do Executivo nas supostas irregularidades relatadas, como também e, principalmente, que a atuação do mesmo deteve-se a execução dos ATOS DE GOVERNO.
Ou seja, em NÃO SE VISLUMBRANDO, no presente caso, a prática (ice ATOS DE GESTÃO por parte do Sr. $[parte_autor_nome_completo], este NÃO PODE SER INSTADO A RESPONDER POR EVENTUAIS IMPROPRIEDADES, UMA VEZ QUE NÃO DEU CAUSA.
Do exposto, impende salientar que a melhor interpretação a respeito do ato de prestar contas é aquela segundo a qual este constitui uma OBRIGAÇÃO DE FAZER DE CARÁTER PERSONALÍSSIMO, o que significa dizer que, AFORA O GESTOR QUE ORDENA AS DESPESAS, NINGUÉM MAIS PODE ASSUMIR O DEVER DE PRESTAR CONTAS DE ALGO QUE NÃO CONHECE.
Inclusive, os Tribunais Superiores pátrios já consolidaram entendimento no sentido ora defendido, ao tratarem de ações envolvendo prestações de contas, conforme pode ser verificado no seguinte pronunciamento do colendo Superior Tribunal de Justiça, verbis:
Ação de prestação de contas. Falecimento do réu. Mandado outorgado e revogado antes da morte do mandatário. A obrigação de prestar contas decorrente de mandato outorgado e revogado antes da morte do mandatário não se transmite aos herdeiros[...](Ac. unân. da 3° T. do STJ, no RESP 345952/PR, j. em 18.06.2002. rel. Carlos Alberto Menezes Direito).
Ressalte-se que a ausência de responsabilidade do Chefe do Executivo, nesses casos não constitui matéria estranha à jurisprudência pátria, como se observa nos seguintes arestos, ex vi:
Processo: MS 20030020028452 DF
Relator(a): VASQUEZ CRUXÊN
Julgamento: 25/11/2003
Órgão Julgador: Conselho Especial
Publicação: DJU 22/06/2004 Pág.: 72
Ementa: ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - CANCELAMENTO DE AUXÍLIO-TRANSPORTE DE POLICIAIS CIVIS RESIDENTES FORA DO DISTRITO FEDERAL - ILEGALIDADE - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO, POR FALTA DE LEI FEDERAL CONCESSIVA DO BENEFICI0 - ILEGITIMIDADEPASSIVA DO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL - ATO DO CHEFE DE POLiCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. SE O ATO DE AUTORIDADE GUERREADO NÃO FOI LABORADO PELO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, MAS SIM POR AUTORIDADE ADMINISTRATIVA OUTRA QUE O EXAROU POR FORÇA DA DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA, A LEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DO MANDAMUS É DESTA E NÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO LOCAL. (gritado)
Já no que tange especificamente à jurisprudência desta consagrada Corte de Contas, insta trazer à baila os seguintes arestos, diante da similitude da matéria, ipsis litteris:
PROCESSO N.° 14850/01
Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte
Interessado: Manoel Salviano Sobrinho
Relator: Cons. Pedro Ângelo
ACÓRDÃO N.° 4594/10
Ementa: Incidente de nulidade absoluta. Prefeitura de Juazeiro do Norte - Exercício de 1994. [...] ILEGITIMIDADE PASSIVA CARACTERIZADA, porque comprovado que o ex-Prefeito não assinou o ato de contrafação do servidor público. Decisão do Pleno-TCM pelo conhecimento do pleito e RECONHECIMENTO DE NULIDADE ABSOLUTA DO PROCESSO, POR ILEGITIMIDADE PASSIVA DO EX-PREFEITO. (grifado)
PROCESSO N.° 1994.JNO.TCE.3964/07
Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte
Interessado: Manoel Salviano Sobrinho
Relator: Conselheiro Francisco de Paula Rocha Aguiar
ACÓRDÃO N.° 4592/2010 RAZÕES DO VOTO: RESTOU CONFIGURADO EQUÍVOCO NA INDICAÇÃO DO RESPONSÁVEL, O QUAL FICOU PASSÍVEL DE ANULAÇÃO O ACÓRDÃO RECORRIDO VOTO a) PELA NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DA CITAÇÃO DO SR. MANOEL SALVIANO SOBRINHO, POR SUA ILEGITIMIDADE PASSIVA [...]. (grifado)
Por fim, urge asseverar que o entendimento de que o ex- Prefeito Municipal de Ipaumirim deve responder pelos atos ora analisados contraria frontalmente o PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INTRANSMISSIBILIDADE DA PENA, encampado pela Constituição Federal de 1988, que veda a responsabilização de alguém por atos praticados por terceiros.
Requer-se, portanto, a imediata extinção desse processo sem julgamento de mérito com relação ao requerido que ora se manifestam, que é parte absolutamente ilegítima para figurar no pólo passivo desta demanda, nos termos do art. 267, VI do CPC.
III.2- SUSPENSÃO DO PROCESSO
O Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM-CE), é uma instituição responsável pelo exercício do controle externo sobre as Contas de Governo do município e a Gestão Fiscal dos Poderes Executivo e Legislativo, o Parecer Prévio disciplinado no art. 78 da Constituição Estadual Cearense de 1989 e art. 1° da Lei Orgânica do TCM-CE, tem natureza opinativa das contas prestadas pelos Prefeitos Municipais, recomendando a aprovação ou desaprovação das Contas Anuais de Governo, constituindo uma modalidade jurídica especial e autônoma, não vinculante, mas indispensável ao processo, em face de compor a parte preliminar do julgamento político exercido pelo Poder Legislativo Municipal.
Nessa esteira, as Contas de Governo de 2012, da responsabilidade do acusado está sobre analise dessa Egrégia Corte de Contas. Qualquer informação técnico-contábeis, jurídicas, financeiras e econômicas, bem como os instrumentos de planejamento, os resultados da execução orçamentária, financeira e patrimonial, acostados aos autos advindos do TCM não são terminativas, ou seja, a Prestação de Contas ainda pende de julgamento no Tribunal de Contas.
Portanto, Exa., as informações trazidas pelo ilustre representante do Ministério Público aos autos são iniciais, podendo ser modificadas conforme o exercício do contraditório e da ampla defesa do acusado perante o Tribunal de Contas dos Municípios, dependendo de um prévio esgotamento na esfera administrava.
Sendo a Corte de Contas o órgão competente para apreciar as contas de gestores municipais e composto de corpo técnico gabaritado, a análise do objeto da denúncia feito pelo parquet deve ser feita pelo Tribunal, visto que o suposto crime imputado ao acusado é complexo, exigindo um órgão especializado.
Nesse diapasão, resta requer a suspensão do feito até análise terminativas das Contas pelo Tribunal de contas, para evitar danos irreparáveis e por ser medida da mais lidima justiça, nos termos do art. 265, IV, “a” do CPC.
III.3- DO MÉRITO- DA NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO DOLO PARA A CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Com muito brilho, o ilustre Procurador da República, Celso Antônio Três , que deveria ser seguido por vários promotores que atuam no Estado do Ceará e que insistem na propositura de ações temerárias e absurdas como a dos presentes autos, seguindo a corrente jurisprudencial dominante, deixou grafado que simples ilegalidades não caracterizam improbidade: “Simples ilegalidade não caracteriza improbidade. Há desvios normativos que, sem lesar o interesse da res pública, não contém desonestidade, v.g., Prefeito que, desatendendo destinação orçamentária, desloca alguns recursos de turismo à Secretaria de Saúde. Acolheu esse raciocínio, mesmo que implicitamente, o Egrégio TRF/1ª Região, analisando imputação de mútuos bancários outorgados sem as garantias de rigor quitadas, contudo, no prazo legal (Ap. Cível 96.01.5356-0/DF, 4ª Turma, Rel.ª Eliana Calmon, DJ 18.5.97, p. 64072 – MS nº 96.01.04841-3/GO, 2ª Seção, REl. Fernando Gonçalves, DJ de 2.12.1996, p. 92.677). Igualmente, ao aferirem-se outras condutas, a exemplo da doação a entidades assistenciais, desobediência a normas adjetivas, secundárias, na liberação de verbas (art. 10, III e XI, da Lei nº 8.429/92), cumpre constatar não apenas a forma de infração, mas também o conteúdo de improbidade essencial à tipicidade punível.”
A seguir, arremata:
“Note-se que nem mesmo a existência do dano é suficiente à improbidade. Para a simples reparação da agressão ao patrimônio público, expressamente, a Constituição da República, art. 129, III, preconiza a ação civil pública (STJ, REc. Esp. 226863/GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 04.09.2000, p. 123). Com a máxima vênia, sem razão, o Egrégio TRF/1ª Região, ao decidir o contrário (Ap. Cível 1997.01.00.062956-1/MT, 4ª Turma, RElª. Minª. Eliana Calmon, DJ de 25.05.1998, p. 407). Com razão, contudo, ao definir pela legitimidade do parquet Federal em ajuizar ação civil pública contra o Estado por malversação de recursos orçamentários repassados pela União (TRF – 1ª Região, 3ª Turma, AG 96.01.17232-7/MA, Rel. Juiz Wilson Alves de Souza, DJ de 19.12.2000, p. 31). Enfatize-se, pois, na esteira do Mestre Teori Zavascki, Professor da UFRS, atual presidente do Egrégio TRF-4ª Região (Agravo de Instrumento nº 1999.0401081901-7/RS, Ap. Cível 91.04.13275-0), que a ação de improbidade não se confunde com a civil pública. Têm fundamentos constitucionais, legais, bem assim objetos distintos. Embora também contemple o ressarcimento da lesão à res publica, em essência, a demanda de improbidade é punitiva. A ação civil pública não. É reparatória. Distinção essa de que não consta a aplicação subsidiária de uma norma e outra, v.g., inquérito civil e arquivamento pelo Conselho Superior quanto à improbidade.”
Em nenhum momento restou provado que o ex-gestor exerceu conduta dolosa ou, pelo menos culposa, nas alegações do objeto da presente ação, sendo, pois, oportuna é a afirmação de José Nilo de Castro: “Irregularidades formais não se equiparam aos comportamentos desonestos capazes de revelar a prática de atos de improbidade administrativa, assim como a ausência de autorização de abertura de crédito suplementar, provando-se que os recursos foram gastos no interesse da Administração Pública. Irregularidade meramente formal que se tem invocado para a rejeição das contas é a que se refere à falta de empenho prévio.” (CASTRO, José Nilo de, Julgamentos das contas municipais, 3ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, p. 44.)
Na espécie, não se logrou êxito em comprovar, ainda que de forma indiciária, o dolo e/ou a vontade de lesar o erário com a dispensa de licitação que foi realizada.
Dispõe a Lei 8.429/92 no seu preâmbulo que a sua finalidade é tratar das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
A Lei nº 8.429/92 estabelece as hipóteses que configuram atos de improbidade administrativa, dividindo-os em atos que importam enriquecimento ilícito (artigo 9º), que causam prejuízo ao erário (artigo 10) e que atentam contra os princípios da administração pública (artigo 11), dispondo o caput de mencionados artigos, e os incisos desse artigo 11, in verbis:
"Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente";
"Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente";
"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço".
Na espécie não se verifica, ainda, a conduta do Ex-Gestor que eventualmente teria causado o prejuízo, posto que não houve, efetivamente, dano. Neste sentido, oportuno lembrar que Fábio Medina Osório sustenta que os tipos configuradores da improbidade administrativa exigem o elemento subjetivo, inadmitindo-se a responsabilidade objetiva, como se extrai na espécie.
Não se pode dissociar o ato ímprobo do processo de adequação típica e do reconhecimento da culpabilidade constitucional, aquela da qual o dolo e a culpa derivam diretamente. A responsabilidade subjetiva, no bojo do tipo proibitivo, é inerente à improbidade administrativa, sendo exigíveis o dolo ou a culpa grave...Isso se dá, como já dissemos à exaustão, por força dos textos constitucionais que consagram responsabilidades subjetivas dos agentes públicos em geral, nas ações regressivas, e que contemplam o devido processo legal, a proporcionalidade, a legalidade e a interdição à arbitrariedade dos Poderes Públicos no desempenho de suas funções sancionatórias. Portanto, a improbidade administrativa envolve, modo necessário, a prática de condutas gravemente culposas ou dolosas, inadmitindo responsabilidade objetiva. Sem tais peculiaridades, a conduta não pode se enquadrar na enfermidade que se pretende diagnosticar. (OSÒRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. P. 291)
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 480.387-SP, decidiu, de forma irrepreensível, o tema em comento, consoante ementa abaixo transcrita:
EMENTA: AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR PÚBLICO.
1. A Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa.
2. Destarte, para que ocorra o ato de improbidade disciplinado pela referida norma, é mister o alcance de um dos bens jurídicos acima referidos e tutelados pela norma especial.
3. No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese das regras nele insertas, porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa.
4. In casu, evidencia-se que os atos praticados pelos agentes públicos, consubstanciados na alienação de remédios ao Município vizinho em estado de calamidade, sem prévia autorização legal, descaracterizam a improbidade strictu senso, uma vez que ausentes o enriquecimento ilícito dos agentes municipais e a lesividade ao erário. A conduta fática não configura a improbidade.
5. É que comprovou-se nos autos que os recorrentes, agentes políticos da Prefeitura de Diadema, agiram de boa-fé na tentativa de ajudar o município vizinho de Avanhandava a solucionar um problema iminente de saúde pública gerado por contaminação na merenda escolar, que culminou no surto epidêmico de diarréia na população carente e que o estado de calamidade pública dispensa a prática de formalidades licitatórias que venha a colocar em risco a vida, a integridade das pessoas, bens e serviços, ante o retardamento da prestação necessária.
6. É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não restou comprovado nos autospelas informações disponíveis no acórdão recorrido, calcadas, inclusive, nas conclusões da Comissão de Inquérito.
(...)
11. Recursos especiais providos. (STJ; REsp 480.387-SP; Primeira Turma; Rel. Min. Luiz Fux; Julg. 16.03.2004; Publ. 24.05.2004) (grifo nosso)
Com efeito, percebe-se que a figura do dolo é imprescindível para a caracterização da improbidade administrativa, posto que ímprobo é aquele que teve a vontade ou a intenção de causar lesão ou prejuízo ao erário público, bem como aos princípios constitucionais que norteiam a Administração.
No mesmo sentido, há, ainda, outras decisões emanadas do Superior Tribunal de Justiça, no qual se entendeu que o objetivo da lei é o de punir o administrador público desonesto, não o inábil, de forma que se faz presente a necessidade do dolo ou culpa.
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MERA IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DISTINÇÃO ENTRE JUÍZO DE IMPROBIDADE DA CONDUTA E JUÍZO DE DOSIMETRIA DA SANÇÃO. 1. Hipótese em que o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou Ação Civil Pública contra o Chefe de Gabinete do Município de Vacaria/RS, por ter utilizado veículo de propriedade municipal e força de trabalho de três membros da Guarda Municipal para transportar utensílios e bens particulares. 2. Não se deve trivializar a Lei da Improbidade Administrativa, seja porque a severidade das punições nela previstas recomenda cautela e equilíbrio na sua aplicação, seja porque os remédios jurídicos para as desconformidades entre o ideal e o real da Administração brasileira não se resumem às sanções impostas ao administrador, tanto mais quando nosso ordenamento atribui ao juiz, pela ferramenta da Ação Civil Pública, amplos e genéricos poderes de editar provimentos mandamentais de regularização do funcionamento das atividades do Estado. 3. A implementação judicial da Lei da Improbidade Administrativa segue uma espécie de silogismo - concretizado em dois momentos, distintos e consecutivos, da sentença ou acórdão - que deságua no dispositivo final de condenação: o juízo de improbidade da conduta (= premissa maior) e o juízo de dosimetria da sanção (= premissa menor). 4. Para que o defeito de uma conduta seja considerado mera irregularidade administrativa, exige-se valoração nos planos quantitativo e qualitativo, com atenção especial para os bens jurídicos tutelados pela Constituição, pela Lei da Improbidade Administrativa, pela Lei das Licitações, pela Lei da Responsabilidade Fiscal e por outras normas aplicáveis à espécie. …