Petição
AO JUÍZO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA $[processo_comarca]
$[parte_autor_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº $[parte_autor_cnpj], estabelecida na cidade de $[parte_autor_endereco_completo], , por seus procuradores signatários, e-mail: $[advogado_email], vem, com respeito e acatamento, ante a presença de V. Exa. propor
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO C/C DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL
contra [$[parte_autor_razao_social]], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº $[parte_reu_cnpj], estabelecida na $[parte_reu_endereco_completo], pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
Das publicações
Requer-se que todas as publicações relacionadas ao presente processo sejam efetivadas em nome do patrono da requerida, $[advogado_nome_completo], inscrito na $[advogado_oab], todos com escritório profissional nesta cidade, no endereço declinado no preâmbulo desta peça, sob pena de nulidade.
Dos fatos
Em $[geral_data_generica] a demandante e a demandada celebraram contrato cujo objeto consiste nos “serviços de captação de obras nos municípios de:$[geral_informacao_generica], sem responsabilidade de conseguir trabalhos ou serviços, comprometendo-se, exclusivamente, a fornecer informações de obras em andamento nas regiões acima descritas”.
Ocorre que, após iniciar a utilização dos serviços descritos no referido contrato, a requerente passou a ser questionada pelas pessoas contatadas sobre como obteve acesso aos respectivos dados para o envio de ofertas, inclusive recebendo ameaças de denúncia e processos judiciais.
Em contato direto com a requerida para manifestar sua intenção de rescindir o contrato – já que o serviço prestado se apresenta potencialmente danoso aos negócios da autora -, aquela lhe informou que o contrato poderia ser rescindido, porém com o pagamento de multa proporcional ao tempo restante para o cumprimento do prazo contratual.
Embora o contrato celebrado informe que não garante à demandante a concretização de negócios na área abrangida, o serviço lhe traz potenciais prejuízos, pois, com a entrada em vigor da Lei nº 13.708/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), é grande e real o risco de as pessoas com quem a demandante entrou em contato – bem como aquelas eventualmente contatadas futuramente - ingressarem com ação judicial com base na referida lei, o que, afinal, pode fazer com que a parte autora tenha que arcar com indenizações, além de custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência.
O contexto acima exposto leva a demandante a presumir que a demandada compartilha dados pessoais de pessoas que possuem obras em andamento, sem atender à finalidade do tratamento dos dados, isto é, descumprindo o disposto no inciso I do art. 6º da LGPD[1], bem como sem o consentimento de seus titulares, ou seja, em descumprimento ao disposto no inciso I do art. 7º da LGPD.[2] Do contrário, não haveria reclamação, pois as pessoas contatadas pela parte autora para a oferta de seus produtos estariam cientes de que eventuais parceiros da requerida poderiam entrar em contato para a realização de oferta de móveis.
Por certo, se não houve consentimento do titular para o tratamento de seus dados pessoais, e se referidos dados são compartilhados para finalidade estranha àquela que se destina, a demandada jamais poderia ter compartilhado esses dados. Com absoluta razão, os respectivos titulares que não concordaram com o compartilhamento de seus dados poderão, efetivamente, ingressar com ação judicial contra aqueles que estejam utilizando os referidos dados, especialmente para obterem compensação pecuniária por desvio produtivo, pois ninguém deseja ser incomodado com ofertas indesejáveis.[3]
Corrobora o que foi dito o que consta na Política de Privacidade e LGPD da demandada, destacando-se os seguintes trechos:
“Quais são os dados tratados e comercializados pela Conecta Obras?
Tratamos as informações que são legalmente obtidas em órgãos oficiais, tais como: Cartórios de Protestos, Juntas Comerciais, Cartórios Distribuidores Judiciais, publicações nos Diários Oficiais, Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos do Banco Central do Brasil - BACEN, com as instituições financeiras, com as empresas parceiras e com os próprios consumidores.
Para que finalidades a Conecta Obras compartilha os dados?
Tratamos os dados que entendemos serem os mínimos necessários para as seguintes finalidades:
• Para identificarmos perfis de consumo e de crédito para auxiliar os nossos clientes e parceiros a qualificarem melhores ofertas de crédito
• Para identificarmos perfis de consumo e de crédito e qualificarmos as nossas ofertas de marketing e/ou para auxiliar nossos clientes e parceiros; o envio de nosso marketing qualificado e/ou para auxiliar o de nossos clientes e parceiros, e de seus respectivos grupos econômicos e sucessores, poderemos utilizar os dados de forma apartada e/ou combinada com informações obtidas junto aos nossos clientes, parceiros e/ou fornecedores que tenham obtido dados em observância à legislação aplicável, em especial à Lei nº 13.709/2018 e suas alterações posteriores;
• Para fins estatísticos e análises
• Para atualização de dados cadastrais em nosso banco de dados, de nossos clientes e parceiros, e de seus respectivos grupos econômicos e sucessores;”
Veja-se, Exa., que a própria demandada assume em sua política de tratamento de dados que realiza o tratamento destes em desacordo com a finalidade à qual se destinam. É óbvio que dados pessoais constantes em Cartórios de Protestos, Juntas Comerciais, Cartórios Distribuidores Judiciais, publicações nos Diários Oficiais, Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos do Banco Central do Brasil – BACEN não se destinam ao compartilhamento para fins comerciais. As informações constantes em banco de dados público, com absoluta certeza, têm finalidade de atender ao interesse público, e não ao interesse privado.
Registre-se que o interesse de agir da demandante está plenamente demonstrado, uma vez que tentou resolução amigável junto à demandada através de tratativas por e-mail e também notificando-a extrajudicialmente (docs. anexos), porém a demandada se recusa a desfazer o negócio, insistindo que age licitamente, inclusive tendo levado a protesto os boletos que não foram quitados pela demandante, exatamente por entender que, uma vez que o negócio jurídico contém objeto ilícito, deixou de remunerar a demandada.
Findando o tópico, fica evidente o direito da demandante à indenização por dano material, no valor correspondente às$[geral_informacao_generica] parcelas pagas à demandada nos meses de $[geral_informacao_generica], cada uma no valor de $[geral_informacao_generica], totalizando-se $[geral_informacao_generica], que deverá ser atualizada até a data do efetivo pagamento.
Do direito
Da violação à LGPD
A LGPD somente dispensa o consentimento para o compartilhamento de dados com terceiros nas seguintes situações:
Quando os dados forem indispensáveis para o controlador cumprir obrigações legais ou regulatórias;
Quando o tratamento compartilhado de dados for necessário para a execução de políticas públicas;
Para que os órgãos de pesquisa possam realizar estudos, sempre observando a anonimização de dados pessoais sensíveis;
Para o exercício regular de direitos, incluindo contrato e processo judicial, administrativo e arbitral;
Em caso de proteção da vida ou segurança física do titular dos dados, ou de terceiros;
Para tutela de saúde, em procedimentos que devem ser realizados por profissionais ou serviços de saúde/autoridade sanitária;
Para garantir que o titular dos dados esteja seguro e prevenido de fraudes, sempre observando o direito à informação e transparência garantido pela lei (exceto em casos onde a proteção dos dados seja fundamental para garantir direitos e liberdades).
Com efeito, é evidente que o compartilhamento de informações pessoais registradas em bancos de dados públicos pela demandada não se enquadra em nenhuma hipótese legal que dispensa o consentimento dos respectivos titulares, uma vez que utiliza esses dados para finalidade comercial, portanto diversa daquelas às quais se destinam.
O contrato celebrado entre as partes não informa como a requerida realiza a prospecção de potenciais clientes, tampouco se estes consentem com o compartilhamento de seus dados a fornecedores no mercado de consumo.
A declaração de nulidade do contrato juntado aos autos, com o consequente cancelamento dos protestos de títulos efetivados pela requerida, sem qualquer ônus para a demandante, é efeito jurídico lógico a ser produzido, uma vez que o contrato em questão não atende aos requisitos de validade do negócio jurídico estatuídos pelo art. 104 do Código Civil[4], especificamente o inciso II do referido dispositivo, que dispõe sobre a licitude do objeto do negócio.
Sendo assim, a partir do momento em que a demandada elege como objeto do seu negócio o compartilhamento de dados pessoais para oferece-los a terceiros (seus clientes), em desacordo com a lei (LGPD), fica clara a ilicitude do objeto.
A respeito da finalidade às quais os dados pessoais se destinam, a doutrina assim se posiciona:
"O princípio da finalidade determina que a atividade de tratamento de dados deverá obedecer a propósitos legítimos, explícitos e devidamente informados ao titular – independentemente de ser coletado com base no consentimento ou não –, vedando a possibilidade de tratamento posterior que desvirtue o fim almejado." (CELANO, Paula; ESPERATO, Vivian. Capítulo I. Disposições Preliminares In: FEIGELSON, Bruno; BECKER, Daniel. Comentários à Lei Geral de Proteção de Dados: Lei 13.709/2018. São Paulo …