Petição
AO JUÍZO DA [$[processo_vara] VARA CÍVEL DA COMARCA $[processo_comarca]
FERNANDO ALVES, brasileiro, casado, comerciante, inscrito no CPF/MF sob o nº 699.519.426-87 e portador do RG M-5.789.018 – SSP/MG, residente e domiciliado na Avenida Juscelino Kubistcheck, nº 2.105, Bairro Cidade Jardim, Ubá/MG, CEP 36.500-000, neste ato representado por seus advogados signatários, com escritório profissional na Rua São José, 406, Loja M, Galeria dos Viajantes, Centro, na cidade de Ubá/MG, e-mail: contato@talmasartori.com.br, vem, com respeito e acatamento, propor
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL
contra $[parte_reu_razao_social]., instituição financeira, inscrita no CNPJ/MF sob o nº $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_autor_endereco_completo], onde deverá ser citado e intimado para os atos do processo, consoante fundamentos de fato e de direito a seguir expostos:
Das intimações no DJE
Inicialmente, requer-se que todas as intimações relacionadas ao processo em referência sejam efetivadas no nome de seu patrono, Dr. $[advogado_nome_completo], inscrito na $[advogado_oab], sob pena de nulidade.
Dos fatos
Conforme autos n. $[geral_informacao_generica], cuja íntegra instrui estes autos, o réu ajuizou ação de busca e apreensão com pedido liminar contra o autor, apontando-o como suposto devedor de um financiamento de automóvel$[geral_informacao_generica], modelo$[geral_informacao_generica], ano$[geral_informacao_generica], cor: $[geral_informacao_generica], placa: $[geral_informacao_generica], Renavam $[geral_informacao_generica], chassi $[geral_informacao_generica].
O feito foi distribuído ao Juízo da $[geral_informacao_generica] Vara Cível da Comarca de $[geral_informacao_generica], tendo a respectiva magistrada titular indeferido a liminar pleiteada pelo demandado naquela oportunidade, sob o fundamento de que o banco não instruiu o processo com a indispensável notificação válida a constituir o autor em mora.
A decisão daquele Juízo foi objeto de agravo de instrumento distribuído à $[geral_informacao_generica] Câmara Cível do $[geral_informacao_generica], ao qual, igualmente, fora negada a liminar pretendida e, no mérito, negado provimento, confirmando-se a decisão monocrática.
Tendo tomado conhecimento daquela ação, e sendo de seu interesse se defender, o autor apresentou contestação com reconvenção à pretensão autoral, pretendendo a responsabilização do réu, em razão da não observância do dever jurídico de garantir-se a segurança das suas operações, ao permitir que terceiros contratassem financiamento de veículo valendo-se de dados pessoais do autor, o que ocasionou, inclusive, a inscrição indevida do nome deste em cadastro de inadimplentes.
O autor nada deve ao banco demandado, uma vez que jamais travou relação negocial com a referida instituição financeira.
Em verdade, o autor foi vítima de fraude envolvendo o acesso de estelionatários a seus dados pessoais, os quais os utilizaram para celebrar contrato de financiamento com o réu. Ou seja, o demandante nada deve ao demandado, pois não foi ele que contraiu a obrigação inscrita no contrato em questão. Via de consequência, não sendo devedor, seu nome jamais deveria ter sido inscrito em cadastro de inadimplentes.
O autor sequer conhece o veículo objeto do contrato de financiamento no qual constam seus dados, tampouco o outro veículo que o requerente menciona na inicial da ação de busca e apreensão cuja íntegra instrui estes autos.
Por óbvio, este fato será devidamente demonstrado, esclarecido e provado, especialmente através de prova técnica, consistente na realização de perícia grafotécnica que, por óbvio, deverá ser custeada pelo demandado, em observância ao Tema Repetitivo n. 1.061 do STJ, cuja tese firmada possui o seguinte enunciado: “Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)”.
Do direito
A moldura fática ora apresentada a este Juízo revela, de forma inequívoca, a sua submissão às normas do Código de Defesa do Consumidor, diploma este que impõe aos fornecedores o dever jurídico de segurança de produtos e serviços no mercado de consumo, a teor do disposto no seu art. 8º:
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Evidentemente, o vocábulo “segurança” inscrito na norma em referência deve ser entendido em seu sentido amplo, abrangendo também a segurança das transações bancárias, e com muito mais razão nos dias atuais, em que a internet tem fomentado os lucros dos fornecedores.
Também vale destacar que as instituições financeiras se submetem às normas do CDC, conforme já sumulado pelo STJ:
Súmula 297 do STJ. “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”
Adiante, no art. 14, o CDC estabelece a responsabilidade civil objetiva do fornecedor por fato do serviço:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Evidentemente, no presente caso houve fato do serviço, isto é, um acidente de consumo que resultou em violação da esfera jurídica do autor, tornando-o vítima do evento, atraindo, assim, a incidência do art. 17 do CDC, já que se encontra na condição de consumidor por equiparação:
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Na esteira da jurisprudência, está sumulado pelo STJ:
Súmula 479/STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
Portanto, fraudes praticadas por terceiros envolvendo operações bancárias não admitem excludente de responsabilidade da respectiva instituição financeira, uma vez que não são fatos estranhos à atividade desenvolvida pelo banco, e por isso integram o risco da atividade, que é a teoria justificadora da responsabilidade civil objetiva do fornecedor, instituída pelo Código de Defesa do Consumidor. Sobre o tema, confira-se a lição de GARCIA:
“O fortuito interno é fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, relacionando-se com os riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor. Assim, conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, seriam exemplos de fortuito interno, o estouro de um pneu do ônibus, o incêndio do veículo, o mal súbito do motorista, etc., já que não obstante acontecimentos imprevisíveis, estão ligados à organização do negócio explorado pelo fornecedor. No fortuito interno, o fornecedor responderá pelos danos ocorridos (ou seja, não é excludente de responsabilidade). Já o fortuito externo é também o fato imprevisível e inevitável, mas estranho à organização do negócio, não guardando nenhuma ligação com a atividade negocial do fornecedor. No fortuito externo, justamente por ser estranho à organização do negócio, o fornecedor não responderá pelo danos sofridos pelo consumidor (ou seja, será excludente de responsabilidade).” (GARCIA, Leonardo. Código de Defesa do Consumidor: Doutrina e Jurisprudência para Utilização Profissional. 2ª ed. Salvador: Juspodivn, 2020, pp. 267-268)
Pelo exposto, sendo inegável que o banco autor aceitou a documentação que lhe foi apresentada por terceiro, sem conferir que a pessoa que a apresentou se tratava do demandante, este, naturalmente, não deve responder por débito algum perante o autor.
Da inexistência da contratação
O ordenamento jurídico brasileiro adota, quanto aos elementos estruturais do negócio jurídico, a teoria de Pontes de Miranda, denominada Escada Ponteana, segundo a qual o negócio jurídico possui três planos: (i) plano de existência; (ii) plano de validade e (iii) plano de eficácia.
Ao se analisar a conduta do réu, as denúncias e os supostos contratos, logo no primeiro plano, veremos que sequer houve o preenchimento dos requisitos necessários para a existência do negócio jurídico.
No plano da existência, os elementos mínimos/essenciais, (i) parte, (ii) vontade, (iii) objeto e (iv) forma, devem estar presentes. Sobre esses elementos a doutrina assim dispõe:
“Constituem, portanto, o suporte fático do negócio jurídico (pressupostos de existência).
Nesse plano, surgem apenas substantivos, sem qualquer qualificação, ou seja, substantivos sem adjetivos. Esses substantivos são:
- Partes;
- Vontade;
- Objeto;
- Forma.”
Não havendo algum desses elementos, o negócio jurídico é inexistente (‘um nada para o direito).” (TARTUCE, Flávio Manual de direito civil : volume único / Flávio Tartuce. – 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p 205)
Na lição de PONTES DE MIRANDA:
“Para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se de validade ou invalidade a respeito do que não existe. A questão da existência é uma questão prévia. Somente depois de se afirmar que existe é possível pensar-se em validade ou invalidade.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, t. IV, § 357, p. 7).
Verifica-se, assim, que de acordo com a teoria da inexistência do negócio jurídico se não houver a presença do elemento “vontade”, o negócio jurídico sequer existiu no mundo jurídico.
Nesse ponto, sequer há que se falar em nulidade, posto que para se chegar ao plano de validade ou eficácia é necessário que negócio celebrado passe pelos elementos essenciais do negócio jurídico para primeiro existir.
Do direito a compensação por dano moral
Inegável o abalo moral ocasionado ao autor pela falha do serviço prestado pelo réu, tratando-se, no caso, de dano in re ipsa.
Quem não resulta suficientemente abalado frente à inscrição indevida de seu nome em rol de devedores, quando a realidade é que o autor nada deve ao réu?!
O abalo é induvidoso, pois violou-se a dignidade da demandante, e, sendo assim, é justo que o réu seja condenado a compensá-la pelo prejuízo experimentado.
Registre-se que o entendimento sedimentado na jurisprudência do STJ há mais de duas décadas é no sentido de que basta a inscrição indevida nos órgãos de proteção ao crédito para que o dano moral esteja caracterizado. Veja-se:
“O banco que promove a indevida inscrição de devedor no SPC e em outros bancos de dados responde pela reparação do dano moral que decorre dessa inscrição. A exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular. Já a indenização pelo dano material depende de prova de sua existência, a ser produzida ainda no processo de conhecimento, recurso conhecido e provido em parte.” (STJ, Resp 51158/DF, Rel. Ruy Rosado Aguiar, J. 27.3.95)
“(…) A jurisprudência do STJ é firme e consolidada no sentido de que o dano moral, oriundo de inscrição ou manutenção indevida em cadastro de inadimplentes ou protesto indevido, prescinde de prova, configurando-se in re ipsa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato”. (REsp 1707577/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 07/12/2017, DJe 19/12/2017)
Por sua vez, confira-se, por todos, o entendimento do TJMG:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INSCRIÇÃO EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - VALOR – FIXAÇÃO. - A responsabilidade dos fornecedores, segundo o CDC (art. 14), é objetiva. Portanto, independentemente da culpa dos fornecedores, eles respondem pelos danos causados aos consumidores, em razão de defeitos nos serviços que prestam. - O dano moral, pela inscrição ou manutenção indevida do nome do consumidor em cadastro de devedores inadimplentes, segundo jurisprudência dominante, é presumido (in re ipsa). - A fixação do quantum do dano moral deve se ater: (1) à capacidade/possibilidade daquele que vai indenizar, já que não pode ser levado à ruína; (2) suficiência àquele que é indenizado, pela satisfação da compensação pelos danos sofridos. (TJMG - Apelação Cível 1.0439.15.001760-6/001, Relator(a): Des.(a) Ramom Tácio , 16ª Câmara Cível, julgamento em 12/09/2018, publicação da súmula em 21/09/2018).
Quanto à necessidade de comunicação da anotação ao consumidor, assim se pronuncia o STJ:
“A ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seu nome em cadastros de proteção ao crédito, prevista no art. 43, § 2º do CDC, enseja o direito à compensação por danos morais, salvo quando preexista inscrição desabonadora regularmente realizada.” (STJ, AgRg no REsp 1165394/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 19/06/2012)
Diga-se, por pertinente, que, hodiernamente, o dano moral não mais é entendido somente em sentido estrito, isto é, como ofensa a atributos da personalidade (honra, imagem, privacidade, intimidade etc.), mas em sentido amplo, como violação à dignidade da pessoa humana em seu aspecto mais abrangente. Assim, sequer é necessária a identificação de sentimentos humanos desagradáveis, conforme verbete do enunciado nº 445, aprovado na V Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em parceria com o Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos desagradáveis como dor ou sofrimento”. (Disponível em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/366. Acesso em 22/04/2021).
Observe-se que, em casos semelhantes, o tribunal mineiro tem mantido ou fixado o quantum compensatório por dano moral em $[geral_informacao_generica] atendendo-se à dupla função dessa espécie de reparação civil (compensatória e punitiva).
Prosseguindo – e já se adiantando que, provavelmente, o requerido argumentará em suas defesa que o caso dos autos não passa de mero aborrecimento cotidiano -, ao contrário do que vem sendo assentado na jurisprudência, registre-se que aborrecimento há quando, por exemplo, a expectativa de alguém é frustrada por acontecimentos imprevisíveis ou inevitáveis ou porque, afinal, a vontade dos envolvidos em um negócio não convergiu, quando a ida a uma festa é impedida porque está chovendo forte, quando não é conveniente frequentar determinados ambientes porque há alguma epidemia na cidade, quando o pneu do carro fura a caminho do trabalho; quando ficamos doentes; quando uma torneira velha pinga insistentemente... Enfim, somente se pode falar em aborrecimento quando sua causa é …