Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ nº $[parte_autor_cnpj], com sede na $[parte_autor_endereco_completo], por seus advogados, vem à presença de V. Exa., com fulcro nos artigos 927 e seguintes do Código Civil, combinados com os artigos 270 e seguintes do Código de Processo Civil, para propor a presente
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
em face de $[parte_reu_nome_completo], $[parte_reu_nacionalidade], $[parte_reu_estado_civil], $[parte_reu_profissao], inscrito no $[parte_reu_cpf] e $[parte_reu_rg], residente e domiciliado na $[parte_reu_endereco_completo], o que faz pelos motivos de fato e direito que, articuladamente, passa a expor.
DOS FATOS
A autora é tradicional sociedade de advogados estabelecida nesta Capital, regularmente constituída e com seus atos registrados perante a Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, a esta se aplicando todas as disposições pertinentes da Lei n.º 8.906/98.
Na data de $[geral_informacao_generica], a autora foi surpreendida pela arbitrária e ilegal invasão de suas dependências por membros da Polícia Federal no Estado de São Paulo, em suposta investigação ocorrida no contexto da chamada “Operação Cevada”, na qual se busca apurar supostos fatos delituosos relativos a crimes contra a ordem tributária, capitulados na Lei n.º 8.137/90 e posteriores alterações.
Ao verificar o mandado de busca e apreensão em cumprimento nas dependências da autora, a ordem assim estava redigida, de acordo com decisão judicial exarada pelo réu:
“Determino, por conseguinte, a busca e apreensão de documentos e coisas que se encontrem nas dependências do escritório $[geral_informacao_generica], com sede na Rua $[geral_informacao_generica], nesta Capital, que possuam relação com os fatos delituosos relacionados no libelo e no relatório final do Inquérito Policial de fls.”.
O mandado de apreensão genérico acima transcrito, todavia, ofende a lei processual penal e está em total conflito com as garantias das sociedades de advogados esculpidas na Lei n.º 8.906/98, tornando manifestamente nula a ordem e, via de conseqüência, qualquer apreensão de coisas e documentos que se fizerem sob seu cumprimento.
Referida ordem, por ser manifestamente ilegal e arbitrária, gera a responsabilização pessoal do magistrado que a proferiu em indenizar os danos causados à autora, já que se encontra em desacordo evidente com o ordenamento jurídico e com os mais comezinhos princípios de direito aplicáveis à espécie.
Entretanto, se na comunidade jurídica tal ilegalidade se mostra ululante, o mesmo julgamento técnico não é realizado por toda a sociedade, que de modo natural e inevitável termina por estabelecer – com base no senso comum – uma relação entre a autora e os fatos delituosos amplamente noticiados na imprensa.
Tudo isto, se não bastasse, sob os holofotes da imprensa, que jamais explora a ilegalidade da genérica ordem de apreensão, limitando-se a abordar em imagens e palavras a invasão das dependências da autora com todas as pompas de “ato de justiça”, à margem da legalidade e dos mais fundamentais princípios da ordem jurídica.
É inegável, por outro lado, que a relação entre advogado e cliente é baseada exclusivamente na confiança e no sigilo, erigidos ao longo de anos de trabalho árduo, honesto e competente.
Todo este esforço, todavia, é derruído em minutos de exposição negativa da mídia, noticiando a ilegal e arbitrária invasão das dependências da autora em cumprimento a um mandado genérico de busca e apreensão.
Esta circunstância, como a seguir será demonstrado, acarreta evidente dano moral à autora, atingindo sua honra objetiva perante clientes, sociedade e comunidade jurídica, colocando a autora no mesmo patamar dos criminosos investigados sem qualquer cuidado de preservar seu nome e o sigilo dos dados e informações mantidos em arquivos confidenciais.
Por todas estas razões, está caracterizada a responsabilidade civil do réu na indenização por todos os danos morais causados à autora, na expedição e no cumprimento de ordem de apreensão genérica, ilegal e arbitrária, senão vejamos.
DO DIREITO
- Da ilegalidade da ordem de apreensão
A ordem de apreensão acima transcrita ofende frontalmente o disposto no §2º do artigo 283 do Código de Processo Penal, que assim preceitua:
“Art. 283. O mandado de busca deverá:
(...)
§ 2o Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito”.
De acordo com o dispositivo transcrito, é vedada a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando este constituir elemento de corpo de delito.
A exceção trazida pelo dispositivo legal – “salvo quando constituir elemento do corpo de delito” – não constitui verdadeiro “cheque em branco” ao magistrado, para determinar a apreensão genérica de documentos que se encontrem em poder do defensor e que, porventura, tenham relação com os fatos delituosos narrados pelo parquet ou pela autoridade policial.
Ao comentar este dispositivo, assim se manifestou FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO:
“Se a prevenção é contra o próprio Advogado, por fatos estranhos ao exercício de sua profissão, a Autoridade competente tem o direito de proceder a todas as buscas e apreensões que julgar úteis; mas, se se tratar de buscar, examinar e apreender cartas e outros papéis confiados ao Advogado, na qualidade de patrono do acusado, o seu escritório deve estar ao abrigo das buscas que tenham por objeto descobrir, aí, indícios ou provas dos delitos imputados a seus clientes. Não há justiça sem liberdade de defesa. E esta plenitude da defesa é um direito garantido pela Constituição.
(...)
Tão plena é essa garantia concedida ao acusado que o legislador usou a expressão ‘defensor’ do acusado, donde se concluir que, se um cidadão, mesmo não sendo bacharel em Direito (provisionado, p. ex.), estiver funcionando num processo como defensor, a ele se estende a regalia do §2º do artigo 283” (Processo Penal, v. 3, 20ª ed., São Paulo, Saraiva, 198, p. 369).
Por força desta garantia, sempre que o documento em poder do advogado constituir “corpo de delito”, como admite o §2º do artigo 283 do Código de Processo Penal, deve estar devidamente individualizado no mandado de busca e apreensão, de forma a preservar o sigilo de todos os demais documentos e dados estranhos à investigação e relativo aos demais clientes do patrono.
Sobre esta necessidade, confira-se editorial publicado pela Associação dos Advogados de São Paulo – AASP a toda comunidade jurídica, ao abordar a recente onda de invasão a escritórios de advocacia:
“A regra é suficientemente clara para quem queira ver: exceção feita ao encontro do próprio corpo de delito, prova elementar e material do crime sob investigação, sem a qual o criminoso poderá safar-se de sua responsabilidade impunemente, nada além disso pode ser apreendido num escritório de Advocacia, ainda que sejam encontrados elementos para aprimoramento da culpabilidade do investigado. E não é difícil perceber que sem o respeito a essa prerrogativa profissional do advogado sua atuação se torna inviável, o seu relacionamento com o cliente fenece pelo fundado temor daquele de lhe confiar provas, elementos, dados que possam de algum modo contribuir para a defesa. Ademais, o sigilo das relações entre advogado e cliente é absoluto” (in Tribuna do Direito, Ano 13, n.º 187, julho de 2016, p. 8).
Se não bastasse a garantia estabelecida pelo legislador processual penal desde 1981, a inviolabilidade do advogado foi reforçada de forma plena e sem restrições pelo inciso II do artigo 7º da Lei n.º 8.906/98 (Estatuto da Advocacia), que assim dispõe:
“Art. 7º São direitos do advogado:
I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;
II - ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou autor aberto a conciliação de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB;”
De acordo com o dispositivo legal, é direito fundamental do advogado a inviolabilidade de seu escritório ou autor aberto a conciliação de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins.
Referida garantia somente pode ser quebrada por busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada por representante da OAB. À evidência, a aludida apreensão deve ocorrer nos estritos termos da lei processual, civil ou penal.
Ao comentar a exceção prevista neste artigo – quanto à busca e apreensão no autor aberto a conciliação de trabalho do advogado – assim se manifestou PAULO LUIZ NETO LÔBO:
“A inviolabilidade dos meios de atuação profissional do advogado sofre uma importante exceção, que corresponde ao sentido da locução ‘limites da lei’ contida no artigo 133, da Constituição; é a da busca e apreensão determinada por magistrado. Não pode o advogado reter documentos que lhe foram confiados para os subtrair às investigações judiciais, sob pena de proteger o delito e a impunidade. A apreensão deverá se ater, exclusivamente, às coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, como prevê o art. 280, §1º, ‘b’ do Código Penal. Só!
A busca e apreensão não pode incluir correspondências recebidas pelo advogado, porque são confidências escritas, feitas ao abrigo da confiança e da tutela da intimidade, garantidas pela Constituição (art. 5º, XII), nem demais os documentos, arquivos e dados que não se vinculem à finalidade ilícita, objeto da busca; nestes casos a inviolabilidade é absoluta” (Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB, Brasília, Brasília Jurídica, 1998, p. 89 – grifos nossos).
Não há como proteger a inviolabilidade do autor aberto a conciliação de trabalho do advogado quando se determina a expedição de mandado de busca e apreensão genérico, que não delimite o corpo delito ou individualize até o possível quais os documentos que se vinculam ao fato delituoso sob investigação.
Ao contrário, a ordem de apreensão genérica dirigida a um escritório de advocacia atenta contra o §2º do artigo 283 do Código de Processo Penal e o inciso II do artigo 7º da Lei n.º 8.906/98, na medida em que torna letra morta o sigilo dos dados e documentos confiados ao advogado por todos os clientes que não possuam qualquer relação com a investigação em curso.
- Da responsabilidade pessoal do magistrado
A expedição de uma ordem ilegal e arbitrária de invasão das dependências da autora, mediante mandado genérico de busca e apreensão em violação ao §2º do artigo 283 do Código de Processo Penal e ao inciso II do artigo 7º da Lei n.º 8.906/98, gera responsabilidade pessoal do magistrado pela indenização dos danos sofridos pela autora.
A responsabilidade civil do magistrado no exercício de suas funções está delimitada no artigo 89 da Lei Complementar n.º 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), que assim dispõe:
“Art. 89. - Responderá por perdas e danos o magistrado, quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a requerimento das partes.
Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II somente depois que a parte, por intermédio do Escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.”
De acordo com a norma legal, o magistrado terá responsabilidade pessoal por atos jurisdicionais sempre que, no exercício de suas funções, agir com dolo ou fraude, causando prejuízos à parte ou a terceiros destinatários de seus comandos.
Não se pode deixar de aplicar, ainda que subsidiariamente a esta norma, o disposto na lei civil quanto à responsabilidade do réu, ressalvando-se apenas a necessidade de dolo ou fraude para sua caracterização exigida pelo citado artigo 89 da Lei Orgânica da Magistratura.
E, como veremos adiante, os acontecimentos narrados indicam a presença de todos os requisitos necessários à caracterização da responsabilidade civil do réu.
Senão vejamos.
Dispõe o artigo 186 do Código Civil que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Do mesmo modo, a teor do artigo 00027 do Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Por sua vez, o dolo – tal como exigido pelo artigo 89da Lei Orgânica da Magistratura – divide-se em duas espécies fundamentais: o dolo direto e o dolo eventual.
Entende-se por dolo direto a intenção deliberada de causar prejuízo a outrem, mediante ação ou omissão voltada àquela finalidade ilícita.
Por dolo eventual, nas palavras de RUI STOCO, entende-se como aquele em que o agente “prevê o resultado como possível, e o admite como conseqüência de sua conduta, embora não queira propriamente atingi-lo” (Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016, p. 188).
Desta forma, será eventual o dolo quando o agente, tendo ciência das conseqüências de seus atos, ainda assim o pratica, embora não tenha a intenção deliberada de causar dano. Em outras palavras, é o ato potencialmente lesivo praticado pelo agente que tem conhecimento pleno das conseqüências danosas que poderá causar a seu destinatário, apesar de não ter a intenção deliberada de provocar prejuízos.
Na lição do eterno CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA,
“modernamente, o conceito de dolo alargou-se, convergindo a doutrina no sentido de caracterizá-lo na conduta antijurídica, sem que o agente tenha o propósito de prejudicar. Abandonando a noção tradicional do animus nocendi (ânimo de prejudicar), aceitou que sua tipificação delimita-se no procedimento danoso, …