Alegações Finais | Crime de Trânsito | Ausência de Ofensa | Réu apresenta alegações finais em ação penal em razão da entrega de veículo à pessoa não habilitada, a qual não ofereceu nenhum risco durante a condução.
Entregar veículo a quem não pode dirigir gera crime mesmo sem acidente?
Sim. A acusação pelo crime previsto no art. 310 do CTB não exige, para sua configuração, que tenha ocorrido um acidente ou que haja uma vítima concreta.
Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
O simples ato de permitir, confiar ou entregar a direção a quem não está habilitado ou encontra-se incapaz para dirigir já configura o crime, conforme o tipo penal definido.
No momento da denúncia, o Ministério Público pode basear a imputação apenas no comportamento omissivo ou comissivo do proprietário do veículo, bastando que os fatos narrados demonstrem a violação ao dever objetivo de cuidado.
O código penal, em conjunto com a legislação especial de trânsito, dá suporte para que a infração se caracterize com fulcro na simples entrega irregular do veículo, sem a necessidade de resultado naturalístico (acidente ou lesão).
Assim, o advogado precisa agir com técnica, buscando na análise dos autos inconsistências na descrição dos fatos, e impugnar eventuais excessos da peça acusatória que extrapolem os limites do tipo penal, especialmente quando a acusação tentar ampliar o alcance do crime sem base jurídica sólida.
A ausência de habilitação do condutor pode ser presumida apenas por boletim de ocorrência?
Não. No processo penal, a ausência de habilitação do condutor não pode ser presumida de maneira genérica ou baseada unicamente em boletim de ocorrência. É indispensável prova material idônea, como documento oficial que comprove a condição de não habilitado, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência.
Sem a juntada aos autos de prova documental oficial, a defesa deve, nas alegações finais por memoriais, atacar de forma incisiva a falta de suporte probatório mínimo, requerendo a absolvição do réu.
O próprio Tribunal de Justiça do RS reforçou essa necessidade:
APELAÇÃO-CRIME. DELITO DE TRÂNSITO. ENTREGAR CONTROLE DO VEÍCULO A PESSOA NÃO HABILITADA. ART. 310 DO CTB. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. O crime previsto no art. 310 do CTB demanda comprovação documental oficial da circunstância jurídica "não habilitado", elementar do tipo, que não se supre por prova testemunhal ou referência genérica em boletim de ocorrência. A inexistência de prova material de que o condutor autorizado pelo réu a conduzir fosse efetivamente desabilitado inviabiliza um juízo condenatório. Impositiva a absolvição do denunciado.
(Apelação Criminal, Nº 50013631620198210064, Turma Recursal Criminal, TJRS, Relator: Luis Gustavo Zanella Piccinin, Julgado em: 04-03-2024)
Em matéria penal, atenção total à falta de provas aptas é essencial para construir a resposta sólida e afastar a pretensão condenatória.
Qual a competência para julgar crime de entregar veículo a pessoa não habilitada?
A competência para julgar o crime previsto no artigo 310 do CTB é das Turmas Recursais, e não do Tribunal de Justiça em câmara criminal, por se tratar de infração de menor potencial ofensivo.
O critério objetivo é a pena máxima prevista — que, não ultrapassando dois anos, atrai a competência da justiça pública sob o rito da Lei nº 9.099/95.
Esse entendimento foi confirmado em caso recente:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. LEI 9.503/97. CTB. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ART. 310. COMPETÊNCIA DA TURMA RECURSAL. O crime do art. 310 do CTB é de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/1995, uma vez que a pena máxima prevista em lei não ultrapassa os dois anos. Em se tratando de delito de menor potencial ofensivo, é caso de declinar da competência para as Turmas Recursais. COMPETÊNCIA DECLINADA.
(Conflito de Jurisdição, Nº 50040157720248217000, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em: 21-03-2024)
Assim, para fins de interposição de recursos e instrução do mérito, a defesa deve atentar para o rito simplificado, prazos específicos e regras próprias aplicáveis às Turmas Recursais.
É possível afastar a culpa do proprietário que entregou o volante a pessoa não habilitada?
Sim, desde que a defesa demonstre a ausência de culpa direta e objetiva do réu na prática do delito. Nem toda entrega do volante configura crime: é preciso que a pessoa autorizada, além de não ser habilitada, represente risco à segurança no trânsito.
Sob a ótica do direito penal, cabe ao advogado apontar:
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Que não houve situação de risco;
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Que o condutor inabilitado possuía capacidade técnica prática;
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Que o trânsito na via pública estava deserto ou de baixo fluxo.
A tese se fortalece ainda mais se, no inquérito policial, não houver elementos que demonstrem o potencial lesivo do comportamento.
Essa diferenciação prática é fundamental para construir razões defensivas robustas e buscar a absolvição no âmbito do código de processo penal.
Quando a influência de álcool pode afastar a imputação de crime de trânsito?
A influência de álcool no trânsito, para caracterizar o crime do artigo 306 do CTB, exige concentração mínima comprovada ou demonstração inequívoca da alteração da capacidade psicomotora:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Se a substância psicoativa não impactou a dirigibilidade de forma relevante, o simples resultado de etilômetro (se inferior ao limite legal) não configura crime, apenas infração administrativa prevista na lei seca (Lei nº 12.760).
Nesses casos, a defesa deve focar nas seguintes avaliações:
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Contestação da cadeia de custódia da prova;
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Impugnação dos métodos utilizados no teste de álcool por litro de sangue;
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Ausência de sinais de alteração psicomotora relatados no auto de constatação.
É crucial trabalhar bem os memoriais finais, reforçando o fato de que sem alteração relevante da capacidade de conduzir, o crime se descaracteriza, por ausência dos elementos exigidos em lei, e a absolvição se impõe por força do art 5º, inciso LIV, da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
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