Servidão de Passagem no Código Civil
Atualizado 15/04/2025
6 min. de leitura
A servidão de passagem é um instituto do direito real de grande relevância no direito civil brasileiro, pois possibilita o acesso à via pública ou a recursos essenciais, mesmo que em detrimento de outros direitos como a posse e a propriedade.
Especialmente em áreas rurais do Brasil, é comum a presença da servidão de passagem, sendo essencial que o advogado compreenda todos os aspectos legais relacionados à sua constituição e efeitos práticos.
Neste artigo, vamos entender melhor esse instituto, diferenciando-o de outros direitos reais sobre o imóvel e explicando como estabelecer uma servidão de passagem conforme a legislação vigente.
Boa leitura!
O que é servidão de passagem?
A servidão de passagem é um direito real que permite o uso de parte do imóvel de outra pessoa, para fins de circulação ou instalação de infraestrutura.
Na prática, trata-se da obrigação que o proprietário do imóvel serviente possui de suportar a passagem de pessoas, animais ou veículos, ou ainda, autorizar o uso para utilidades como cabos, dutos e outras estruturas.
Esse direito é comumente exercido quando o imóvel dominante não possui acesso direto a vias públicas, permitindo assim a circulação até a rua, ao acesso à água, ou servindo para facilitar a locomoção e a logística de atividades agrícolas ou residenciais.
Em que casos ocorre a servidão de passagem?
A servidão de passagem pode ser constituída por diferentes formas: por acordo entre os proprietários, disposição testamentária, usucapião ou decisão judicial.
Quando se dá por convenção, o proprietário do imóvel serviente concede ao imóvel vizinho — denominado dominante — o direito de uso da passagem.
Nessas hipóteses, não há obrigação de concessão, pois o uso tem caráter de comodidade, como ocorre quando se busca um trajeto mais curto ou uma rota que facilite o manejo de animais.
Um exemplo prático ocorre quando há necessidade de passagem para instalação de rede elétrica, sendo o proprietário obrigado a permitir a circulação da concessionária para inspeções e manutenção da servidão.
Independentemente da finalidade, é essencial que o acordo seja formalizado por escritura pública e devidamente registrado na matrícula dos dois imóveis no registro de imóveis competente. Isso garante a validade e proteção legal da servidão constituída.
A servidão por acordo pode ser gratuita ou onerosa, conforme as partes ajustarem. É perfeitamente possível, por exemplo, estabelecer pagamento para permitir a passagem.
Outra possibilidade ocorre por testamento, caso o proprietário disponha expressamente sobre a instituição da servidão em favor de alguém.
Já na hipótese de servidão de passagem por usucapião, ela deve atender aos seus requisitos, a saber: posse contínua, inconteste e pacífica, com o conhecimento do proprietário, pelo prazo de 20 (vinte) anos caso não haja um documento, e por 10 (dez) anos, na hipótese de haver (um contrato, por exemplo).
Por fim, a servidão de passagem também pode ser obtida por decisão judicial, após um processo judicial em que se exige a servidão de passagem no imóvel vizinho, o que só pode ocorrer em situações extremas, e não por mera comodidade.
Aqui, o propriedade depende da servidão de passagem para exercer seu pleno direito sobre o imóvel - sendo o que ocorre quando este é o único acesso a via pública, ou à água (nascente de um rio, açude, etc).
Este tipo de servidão também é chamado de passagem forçada.
Em qualquer das modalidades, a passagem é uma ferramenta de solução jurídica para casos em que o imóvel necessita de acesso para exercício regular de direitos fundamentais relacionados à propriedade e à convivência civil.
Como regularizar uma servidão de passagem?
Para regularizar uma servidão de passagem, é necessário estabelecer uma servidão de passagem por meio de acordo entre os proprietários dos imóveis envolvidos, detalhando os termos da servidão: extensão, finalidade, limitações e formas de uso.
Esse direito deve ser registrada no registro de imóveis competente, garantindo sua validade e proteção legal perante terceiros.
A regularização exige atenção a todos os aspectos legais, incluindo a comprovação da necessidade e a delimitação da área afetada sobre um imóvel alheio.
E, quando não há acordo, a saída é judicial - sendo preciso lembrar que o direito de passagem forçada é um direito de um imóvel que esteja encravado entre outros, sendo importante garantir que todos os aspectos legais sejam cumpridos para que ele tenha o devido acesso às vias públicas e também aos serviços públicos essenciais - como água e energia elétrica.
Qual a previsão da servidão de passagem no Código Civil?
A servidão de passagem está prevista no Artigo 1.378 e seguintes do Código Civil Brasileiro, que assim a conceitua:
Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.
Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos.
Sua regulamentação é feita nos Artigos 1.378 a 1.389 do Código Civil.
Como funciona a servidão de passagem?
A servidão de passagem de passagem só pode ser utilizada por seu proprietário e para o fim a que se destina.
Ou seja, ele não pode utilizar a servidão para outras finalidades, nem tampouco ceder tal direito - o qual sempre irá acompanhar o imóvel dominante.
Vejamos o dispositivo legal que trata de tal assunto:
Art. 1.385. Restringir-se-á o exercício da servidão às necessidades do prédio dominante, evitando-se, quanto possível, agravar o encargo ao prédio serviente.
§1º Constituída para certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro.
Além disso, o titular da servidão é responsável por todas as obras e despesas inerentes ao seu uso e manutenção.
Enquanto existir, o dono do prédio serviente não pode impedir ou dificultar o uso da servidão de passagem, conforme dispõe o Artigo 1.383 do Código Civil:
Art. 1.383. O dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o exercício legítimo da servidão.
Qual a diferença entre servidão de passagem e direito de passagem?
A principal distinção está na natureza jurídica de cada instituto.
A servidão de passagem é um direito real sobre o imóvel, atribuído a um titular específico e dependente de formalidades legais para sua constituição, como escritura pública e registro no registro de imóveis competente.
Já o direito de passagem não está vinculado à posse ou à propriedade, mas sim à necessidade pontual de transitar por determinado local, como ocorre em intervenções técnicas — a exemplo da passagem deve ser autorizada para manutenção de redes elétricas, hidráulicas ou de esgoto.
Enquanto a servidão de passagem pode ser perpétua, onerosa ou gratuita, e demanda formalização para sua existência e eficácia erga omnes, o direito de passagem é informal, temporário e limitado à circunstância específica, não exigindo averbação na matrícula nem conferindo direito de uso prolongado do bem. Trata-se, portanto, de um uso transitório e funcional, sem os atributos de um direito real que permite permanência ou oposição a terceiros.
Qual a diferença entre o direito de passagem forçada e servidão de passagem?
A passagem forçada, prevista no Artigo 1.285 do Código Civil, é um direito concedido aos proprietários de imóveis que estejam sem acesso a via pública, nascente ou porto, impedindo o uso pleno de seu bem.
Normalmente ela é concedida judicialmente, mediante pagamento de indenização ao proprietário do imóvel que sofre a passagem.
Na prática, temos que servidão e passagem forçada são termos interligados, podendo afirmar que esta é um subtipo daquela, assegurado por lei em situações específicas e podendo ser objeto de ordem judicial para ser viabilizada.
O teor do Artigo 1.285 nos auxilia a entender melhor este conceito e sua aplicação:
Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
§1º Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.
§2º Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.
§3º Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.
Quais são os tipos de servidão?
No Brasil, a servidão pode ser classificada de diversas formas, sendo as principais: servidão predial, em que o benefício recai sobre outro imóvel; servidão pessoal, voltada ao interesse de uma pessoa física ou jurídica; e servidões legais, como a passagem é uma ferramenta imposta por lei para assegurar acesso à via pública.
Existe ainda a servidão administrativa, utilizada para instalações de infraestrutura, como redes elétricas ou de saneamento, que se impõem sobre o imóvel de outrem.
Onde registrar a servidão de passagem de um imóvel?
A servidão de passagem deve, obrigatoriamente, ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis, nas matrículas de ambos os imóveis.
Como funciona a indenização do proprietário do imóvel dominante sobre servidão de passagem das linhas de transmissão de energia?
Nessas situações, a servidão deve ser instituída por ato jurídico válido, preferencialmente por escritura pública.
O proprietário do imóvel serviente, que deve suportar a passagem, tem direito à indenização proporcional ao impacto causado.
Como se trata de um direito real que permite à concessionária utilizar a propriedade para passagem de linhas, essa limitação deve respeitar o direito de uso do imóvel e prever, se necessário, a manutenção da servidão.
A indenização inclui danos emergentes e eventuais limitações de uso econômico da área afetada.
A servidão de passagem é uma via pública?
A servidão de passagem não é uma via pública, pois ela serve apenas para o uso de seu titular, dentro dos termos e condições nos quais foi concedida.
Com isso, ela não pode utilizada por qualquer pessoa, sendo, ainda, de responsabilidade do titular zelar por sua manutenção.
A servidão de passagem como via pública é chamada de servidão administrativa - sendo constituída pelo Poder Público em prol de toda a sociedade.
Neste caso, deve-se seguir o rito da desapropriação, previsto no Decreto-Lei nº. 3.365/41, tendo o proprietário direito de receber o valor devido pela servidão, acrescidos de juros compensatórios, nos termos da Súmula nº. 56 do Superior Tribunal de Justiça:
STJ - Súmula nº. 56: Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade.
Quem tem direito a servidão de passagem?
Tem direito à servidão de passagem o proprietário de um imóvel que necessite transitar por meio de outro imóvel, para facilitar o uso e fruição de sua propriedade.
A servidão de passagens será feita por acordo entre as partes, por testamento ou por usucapião.
Caso o acesso seja a bens essenciais - via pública, água, etc. - ela poderá ser obtida judicialmente, onde é conhecida como passagem forçada.
Extinção da Servidão de passagem
A servidão de passagem pode ser extinta, por iniciativa do proprietário do prédio serviente, nos casos de renúncia da servidão por seu titular, pelo término da utilidade da servidão para o fim a que se destinava (como quando é construída uma estrada até o imóvel encravado), ou quando houver o resgate da servidão (quando é feito o pagamento pela devolução da servidão).
Outros casos de cancelamento da servidão ocorrem quando os imóveis passarem para o domínio do mesmo titular, por supressão dos impedimentos ou por seu não uso por 10 (dez) anos ininterruptos.
Reintegração de Posse e Servidão de Passagem
Com todo direito real, inerente à posse ou propriedade, a servidão de passagem pode ser objeto de ação de reintegração de posse, sempre que seu uso estiver sendo esbulhado ou turbado por terceiro.
Neste caso, a ação seguirá o rito dos Artigos 560 e seguintes do Código de Processo Civil.
A jurisprudência, inclusive, vem reconhecendo tais direitos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE SERVIDÃO DE PASSAGEM. - TUTELA PROVISÓRIA. TUTELA DE URGÊNCIA. DESBLOQUEIO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM. REQUISITOS. NA SISTEMÁTICA DO CPC/15 AS TUTELAS DE URGÊNCIA CAUTELARES E DE ANTECIPAÇÃO DE DIREITO MATERIAL ESTÃO MATIZADAS SOB O REGRAMENTO DA TUTELA PROVISÓRIA; E QUE AGORA PODE FUNDAMENTAR-SE EM URGÊNCIA OU TÃO SOMENTE NA EVIDÊNCIA. OS PROVIMENTOS DE URGÊNCIA, CAUTELAR OU ANTECIPATÓRIO, SUBMETEM-SE AOS PRESSUPOSTOS DE PROBABILIDADE DO DIREITO E DO PERIGO DE DANO OU RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. CIRCUNSTÂNCIA DOS AUTOS EM HÁ PROBABILIDADE DO ALEGADO DIREITO E RISCO DE DANO PELA LIMITAÇÃO À PASSAGEM; E SE IMPÕE MANTER A DECISÃO QUE DEFERIU A TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 50686267320238217000, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em: 26-10-2023)
O que é o direito de vizinhança?
O direito de vizinhança é um conjunto de normas do Código Civil que regulam as relações entre imóveis próximos, buscando harmonia entre os proprietários.
Ele inclui o direito de passagem forçada, que é um direito assegurado ao proprietário de imóvel encravado, permitindo-lhe exigir passagem por propriedade vizinha para obter acesso direto a vias públicas.
A passagem deve ser concedida mediante indenização e nas condições menos gravosas possíveis.
Lembrando que servidão predial é um direito de vizinhança quando instituída para beneficiar um imóvel em razão de sua localização.
Direito de Vizinhança x Usucapião
Embora ambos envolvam relações sobre o imóvel, o direito de vizinhança tem origem legal e visa disciplinar os limites de convivência entre propriedades, enquanto a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade.
A passagem e o direito de vizinhança nascem da necessidade de uso justo da terra, já a usucapião pressupõe posse prolongada e incontestada, com requisitos específicos. Importante destacar que servidão não pode ser adquirida por usucapião segundo o entendimento majoritário da doutrina, já que se trata de direito real sobre o imóvel, dependente de título e registro.
Conclusão
Os direitos reais são um tema bastante complexo do Direito Civil Brasileiro, podendo ganhar bastante relevância quando se está diante de casos complexos, envolvendo imóveis rurais e grandes incorporações imobiliárias.
Atualmente, o tema ganhou mais atenção devido ao grande número de incorporações imobiliárias dedicadas aos condomínios horizontais - que, devido à sua extensão, necessitam se valer da servidão de passagem para dar maior conforto aos moradores.
Com isso, temos que a servidão de passagem é um importante tema no direito imobiliário, que vem ganhando força com as expansões das cidades.
Mais conteúdo jurídico sobre direito de propriedade
Fluxograma sobre reintegração de posse.
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