Direito Constitucional

Atualizado 22/03/2024

Principio da Legalidade

Carlos Stoever

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O princípio da legalidade é talvez o princípio jurídico mais comentado no direito (e fora dele também), sendo um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Como o próprio nome sugere, é um Estado que tem por cerne o direito - e este, por sua vez, é composto pelo conjunto de leis e normas chamado de ordenamento jurídico.

E este conjunto de normas legais deve ser cumprido para que o Estado de Direito se sustente, sob pena de se transformar em um regime anárquico, sem normas.

Como elemento central do próprio direito brasileiro, é dever de todo o advogado dominar suas aplicações e, principalmente, os casos em que ele pode ser relativizado.

Então resolvemos escrever um artigo inteiro dedicado ao principio da legalidade - e, se mesmo assim você tiver alguma dúvida, manda um e-mail pra gente!

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O que é o princípio da legalidade?

O princípio da legalidade é um preceito constitucional pelo qual o cidadão só é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma em razão de expressa previsão legal.

Ele possui uma ampla aplicação no direito, indo desde o direito administrativo, onde o Poder Público só pode fazer aquilo que a lei permite, até o direito penal, onde o cidadão só pode ser punido por uma conduta previamente prevista em lei.

Sua relevância mundial é tão grande que ele já constava no Art. 4º e seguintes da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão - vejamos:

Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.

Artigo 5º- A Lei não proíbe senão as acções prejudiciais à sociedade. Tudo aquilo que não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Artigo 6º- A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através dos seus representantes, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer se destine a proteger quer a punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade, e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

O princípio da legalidade no Estado Democrático de Direito

No Estado Democrático de Direito, o princípio da legalidade confere previsibilidade à atuação do cidadão no exercício dos direitos e deveres de sua vida privada.

Ao mesmo tempo, ele protege o cidadão de abusos de poder praticados no serviço público - algo que ainda é herança da luta contra o regime de exceção que antecedeu ao Estado de Direito.

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Onde está previsto o princípio da legalidade?

O princípio da legalidade está previsto no Art. 5º inciso II da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Percebe-se, assim, que se trata de um princípio de aplicação em todas as relações sociais, seja de direito público, seja de direito privado.

Além disso, ao âmbito da Administração Pública ele está previsto no Art. 37 da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  

Ao âmbito da legislação infraconstitucional, as principais leis trazem o princípio da legalidade como norteador de sua interpretação, a exemplo da Lei nº. 14.133/21 - Nova Lei de Licitações e Contratos.

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Quais os tipos de legalidade?

Inicialmente, o princípio da legalidade era tipo como algo absoluto: a lei deveria ser cumprida, sem atalhos, sem interpretação, sem distinções.

Porém, o tempo passou a mostrar que essa aplicação, reta, com as mesmas regras para todas as pessoas, acabava por colidir com outros princípios, como a garantia de autonomia da vontade de cada cidadão.

Além disso, a aplicação crua do princípio da legalidade acabava por intensificar diferenças sociais e ensejava uma maior injustiça social.

Então, o direito enfrenou um de seus maiores dilemas: como relativizar o princípio da legalidade?

Na prática, cumpriu aos advogados o papal de questionar a aplicação cega do princípio da legalidade - e ao Poder Judiciário analisar caso a caso, e demonstrar que muito além do cumprimento da lei, é o ordenamento jurídico, como um conjunto em si, que deve ser respeitado.

Isso porque houve o entendimento que o Poder Legislativo elabora leis de forma por vezes atrasada em relação à sociedade, o que, aliás, não é acompanhada sequer pelo Poder Executivo - cabendo ao Poder Judiciário compreender como as leis devem ser aplicados caso a caso.

Surgem, então, alguns conceitos que relativizam a aplicação direta do princípio da legalidade - como legalidade ampla, legalidade estrita e juridicidade.

Um dos precedentes mais emblemáticos desta discussão ocorreu em 1998, ao âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,, ao analisar o reconhecimento da dependência entre si de pessoas do mesmo sexo vivendo em união estável - vamos relembrá-lo:

ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JUSTIÇA FEDERAL. JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 273 DO CPC NA SENTENÇA. MERA IRREGULARIDADE. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO DO § 3º DO ART. 226, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCLUSÃO COMO DEPENDENTE EM PLANO DE SAÚDE. VIABILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE, DA IGUALDADE, E DA DIGNIDADE HUMANA. ART. 273 DO CPC. EFETIVIDADE À DECISÃO JUDICIAL. CAUÇÃO. DISPENSA. ...

8. No caso em análise, estão preenchidos os requisitos exigidos pela lei para a percepção do benefício pretendido: vida em comum, laços afetivos, divisão de despesas. Ademais, não há que se alegar a ausência de previsão legislativa, pois antes mesmo de serem regulamentadas as relações concubinárias, já eram concedidos alguns direitos à companheira, nas relações heterossexuais. Trata-se da evolução do Direito, que, passo a passo, valorizou a afetividade humana abrandando os preconceitos e as formalidades sociais e legais.

9. Descabida a alegação da CEF no sentido de que aceitar o autor como dependente de seu companheiro seria violar o princípio da legalidade, pois esse princípio, hoje, não é mais tido como simples submissão a regras normativas, e sim sujeição ao ordenamento jurídico como um todo; portanto, a doutrina moderna o concebe sob a denominação de princípio da juridicidade.

...

(TRF4, AC 96.04.55333-0, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, DJ 24/11/1998)

Passemos, então, a conhecer um pouco mais de cada uma destas vertentes da do princípio da legalidade.

Legalidade Ampla

A legalidade ampla é aplicável às relações de direito privado, indicando que deve prevalecer o acordo de vontade estabelecido nos negócios de direito civil, feitos por pessoas civilmente capazes envolvendo direitos disponíveis.

Assim, é permitido que o cidadão faça tudo aquilo que a lei não proíbe que seja feito - atendendo à máxima de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma salvo por expressa previsão legal.

Legalidade Estrita

Por sua vez, a legalidade estrita diz respeito à aplicação do princípio da legalidade no direito público, indicando que o administrador público só pode fazer aquilo que a lei determina - não podendo agir de acordo com sua vontade - sob pena de incorrer em desvio de finalidade e ato de improbidade administrativa.

Juridicidade

A juridicidade, por sua vez e como vimos no precedente citado acima, diz respeito à adequação da conduta do cidadão e do gestor do serviço público dentro daquilo que o ordenamento jurídico garante.

Ou seja, a aplicação de qualquer norma deve ser feita de forma contextualizada com as demais regras vigentes.

Qual a diferença entre o princípio da legalidade e a reserva legal?

Enquanto o princípio da legalidade indica que só pode ser feito aquilo que a lei determina, ou que a lei não proíbe, o princípio da reserva legal indica que determinada matérias só podem ser reguladas por meio de lei formal, devidamente submetida ao rito do processo legislativo.

No geral, o princípio da legalidade é aplicável a todos os ramos do direito - que se submetem a um regramento formal.

Já o princípio a reserva legal é aplicável onde há um específico interesse público sendo tutelado, a exemplo do direito tributário, direito penal e direito ambiental.

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O princípio da legalidade no direito brasileiro

Como vimos, o princípio da legalidade está presente como elemento central do Estado de Direito, se materializando, porém, de formas distintas em cada ramo do direito - como veremos a seguir, explorando apenas algumas das principais áreas.

Legalidade na Administração Pública

Ao âmbito da Administração Pública, temos o princípio da legalidade em sua forma estrita, onde o administrador público somente pode agir dentro daquilo que a lei determina, sob pena de incidir em ato de improbidade administrativa.

No entanto, modernamente, se tem exigido da Administração Pública que atue em consonância com todo o ordenamento jurídico, e não apenas com atenção a uma ou outra norma específica - entrando, então, em cena o princípio da juridicidade.

Durante toda nossa atuação na advocacia, tivemos a oportunidade de presenciar uma das frases mais emblemáticas o tema, proferida pelo Desembargador Federal Roger Raupp Rios, ao julgar a ação ordinária nº. 5021872-23.2013.404.7100/RS:

Hoje em dia, efetivamente, não se pode duvidar da pertinência de princípios como a boa-fé nas relações administrativas.

Legalidade no Direito Tributário

O direito tributário tem no princípio da legalidade uma de seus pilares - trazendo toda uma sistemática de anterioridade atrelada à sua aplicação, conforme previsto ao Art. 150 inc. I da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Assim, apenas por meio de lei específica a União, os Estados, Municípios e o Distrito Federal podem instituir ou alterar tributos.

Modelos de Direito Penal

Legalidade no Direito Penal

A aplicação do princípio da legalidade no direito penal também deriva diretamente do sistema constitucional - conforme prevê o Art. 5º inc. XXXIX:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Legalidade no Direito Constitucional

No direito constitucional em si, o princípio da legalidade vem previsto no Art. 5º, II da CF/88 - sendo, como vimos acima, um dos pilares do próprio Estado de Direito, que não pode exigir do cidadão qualquer coisa senão em virtude de lei.

Legalidade no Direito Civil

Já no direito civil, o princípio da legalidade atua de forma inversa, podendo o cidadão realizar qualquer ato que não seja expressamente vetado em lei.

Salvo para alguns negócios jurídicos, cuja forma prevista em lei é requisito de validade.

Modelos de Direito do Trabalho.

Legalidade no Direito do Trabalho

Por fim, temos o princípio da legalidade aplicada no direito do trabalho - que determina ainda a reserva legal de determinadas prerrogativas dos trabalhadores, asseguradas pelo texto constitucional - e que apenas por emenda à constituição podem ser alterado.

Assim funciona em relação a todas as garantias trabalhistas previstas no Art. 7º da Constituição Federal.

Legalidade no Direito Administrativo

O princípio da legalidade administrativa começa no Art. 5º inc. XXXIV da CF/88, que assegura a todo cidadão o direito de petição ao Poder Público na defesa de direitos ou contra ilegalidades e abuso de poder, vejamos:

Art. 5º (...)

...

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

E, considerando que todo agente público só pode agir dentro do que a lei permite, o princípio da legalidade administrativa assegura ao cidadão denunciar quaisquer irregularidades.

Modelos de Direito Civil.

O que diz o Art. 5º, II da Constituição Federal?

O Art. 5º, II da Constituição Federal insere o princípio da legalidade como princípio constitucional no ordenamento jurídico brasileiro.

Vejamos, novamente, seu teor:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Como utilizar o princípio da legalidade na advocacia?

A utilização do princípio da legalidade na advocacia é bastante ampla e frequente, como vimos acima.

Tanto na defesa dos clientes contra atos praticados em contrariedade à lei, como na correta hermenêutica das normas jurídicas, com base, como vimos acima do princípio da juridicidade - que é, ao final, uma faceta moderna do princípio da legalidade, buscando a adequação dos atos não apenas à lei pura, mas a todo o ordenamento jurídico.

Fluxogramas dos principais procedimentos jurídicos.

Conclusão

Durante nossos mais de 20 anos de atuação na advocacia, tivemos no princípio da legalidade um importante aliado na construção de inúmeras teses jurídicas vitoriosas - servindo de anteparo jurídico na defesa dos interesses de nossos clientes.

Assim, não temos qualquer dúvidas de sua importância para a advocacia - tanto que estamos compartilhando com nossos assinantes uma série de fluxogramas e modelos de petição que utilizamos em nossos escritórios, para que você, advogado, possa potencializar sua atuação.

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Foto de Carlos Stoever

Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

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