Direito Constitucional

Princípio da Reserva Legal (Legalidade Estrita)

Atualizado 15/04/2025

4 min. de leitura

O princípio da reserva legal é um dos fundamentos essenciais do Direito Penal brasileiro, estabelecendo que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

É um dos principais argumentos utilizados nas defesas técnicas por criminalistas experientes, que buscam afastar a tipificação penal quando a conduta do réu não se enquadra estritamente nos termos da norma penal incriminadora.

Neste artigo, analisamos como o princípio da reserva legal se estrutura no ordenamento jurídico e de que forma pode ser corretamente invocado nas defesas penais.

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O que é o princípio da reserva legal?

O princípio da reserva legal impõe que ninguém será compelido a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei em sentido estrito, aprovada pelo Poder Legislativo, observando o devido processo legislativo previsto na Constituição Federal.

Esse princípio é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, tendo aplicação central no Direito Penal, mas também influenciando outros ramos, como o Direito Civil e o Administrativo.

Na prática, significa que os indivíduos têm liberdade de agir, sendo vedado ao Estado impor restrições ou sanções que não estejam expressamente previstas em lei formal.

Muitas vezes, esse princípio é tratado como um desdobramento do princípio da legalidade, sendo mais específico na exigência de norma penal escrita, clara, anterior ao fato e emanada de autoridade competente. É também o fundamento da conhecida máxima penal: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal."

Onde está previsto o princípio da reserva legal nas diversas áreas do direito?

O princípio da reserva legal está previsto no Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, buscando a proteção dos direitos dos cidadãos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Ainda no Artigo 5º, é importante lembramos de seu Inciso II, que trata do princípio da legalidade:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Já ao Código Penal Brasileiro, temos sua previsão no Artigo 1º e no Artigo 2º, que assim dispõem:

Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Por fim, temos sua ocorrência no Direito Constitucional Tributário, pois assim está previsto no Artigo 150 da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Como vemos, existem determinadas matérias que são objeto de tratamento direto pelo texto da Constituição Federal, a qual estabelece a reserva da lei em vigor para que sejam reguladas - evitando arbitrariedades do Governo.

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Princípio da reserva legal absoluta (legalidade estrita)

O princípio da reserva legal absoluta indica que a regulamentação de determinadas matérias só pode ser feita por uma lei formal, oriunda do Poder Legislativo.

Ou seja, elas só podem ser reguladas por um dos tipos de legislação previstos ao Artigo 59 da CF/88 - a saber:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I - emendas à Constituição;

II - leis complementares;

III - leis ordinárias;

IV - leis delegadas;

V - medidas provisórias;

VI - decretos legislativos;

VII - resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Com isso, repare que a CF/88 dá grande ênfase à necessidade de observância do processo legislativo perante o Congresso Nacional - ou demais casas legislativas, a depender da competência de cada matéria.

Algumas das matérias que obedecem a tal preceito de forma absoluta são:

  • Direito Penal;

  • Direito Eleitoral;

  • Criação e majoração de tributos;

  • Direitos e garantias individuais;

  • Regulamentação do Exercício Profissional;

  • Estrutura dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;

  • Regime Jurídico dos Servidores Público.

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Princípio da reserva legal relativa

Por sua vez, o princípio da reserva legal relativa indica que algumas matérias podem ser reguladas por outros tipos normativos emanados do Poder Estatal, como resoluções e instruções normativas.

Alguns exemplos de tais matérias são:

  • Regulamentação de tributos;

  • Organização funcional da Administração Pública;

  • Uso e ocupação do solo;

  • Normas técnicas e de qualidade;

  • Regulamentação do mercado financeiro.

Um exemplo bastante interessante que enfrentamos por diversas vezes em nossa advocacia é sobre a definição de fato gerador, base de cálculo e sujeito passivos de tributos - tendo entendido o Supremo Tribunal Federal que, sobre tais matérias, a reserva legal é relativa - vejamos:

Recurso Extraordinário. Direito Tributário. Direito Administrativo. PIS/COFINS. Serviços de telecomunicações. Concessão de serviços públicos. Equilíbrio econômico-financeiro. Política tarifária. 2. Exigência de lei complementar para o repasse de contribuições aos usuários de serviço público. Desnecessidade. Inteligência do art. 146, III, a, da Constituição Federal. 3. Reserva de lei complementar apenas nos casos taxativamente indicados na Constituição Federal. 4. Não há reserva de lei complementar para a definição de fatos geradores, bases de cálculo e sujeitos passivos das contribuições previstas no art. 149 da CF/1988. Conformidade com a jurisprudência da Corte. 5. (...)

(RE 1053574, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25-10-2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-255 DIVULG 21-11-2019 PUBLIC 22-11-2019)

Ao mesmo sentido, entendeu pela não aplicação do princípio quando os município fixam o vencimento das parcelas do IPTU - o que pode ser feito por mero regulamento, vejamos:

TRIBUTÁRIA. IPTU. PARCELAMENTO. VENCIMENTO DAS PARCELAS. FIXAÇÃO POR DECRETO. UTILIZAÇÃO DA UNIDADE FISCAL DO MUNICÍPIO - UFM PARA FIXAÇÃO DE ALÍQUOTA, FAIXA E TRIBUTAÇÃO, ISENÇÃO FISCAL E OUTROS FINS. TAXAS DE CONSERVAÇÃO E DE LIMPEZA. Precedente do Plenário do STF assentando o entendimento de que os elementos acima, relativos ao IPTU, por não terem sido submetidos pela Constituição Federal ao princípio da legalidade estrita, podem ser fixados por meio de regulamento. A utilização da UFM, para fim de atualização do tributo, só há de ser considerada indevida se comprovado que, com sua aplicação, os valores alcançados extrapolam os que seriam apurados mediante cálculo efetuado com base nos índices oficiais fixados pela União, no exercício de sua competência constitucional exclusiva, hipótese não configurada no caso. No que concerne às taxas, é manifesta a sua inconstitucionalidade, por não terem por objeto serviço público divisível e referido a determinados contribuintes, não havendo possibilidade, por isso, de serem custeados senão pelo produto dos impostos gerais. Declaração de inconstitucionalidade dos arts. 86, I, II e III; 87, I e III; 91; 93, I e II; e 94, I e II, todos da Lei nº 6.989, de 29.12.66, do Município de São Paulo. Recurso conhecido e, em parte, provido. (ação julgada parcialmente procedente)

(RE 188391, Relator(a): ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 15-06-2000, DJ 01-06-2001 PP-00089 EMENT VOL-02033-04 PP-00759)

Princípio da Reserva Legal x Princípio da Legalidade

No direito constitucional, o princípio da legalidade penal estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.

Já o princípio da reserva legal é mais específico: trata-se da exigência de que somente lei em sentido estrito pode criar obrigações ou restringir direitos, especialmente no âmbito penal.

Enquanto o princípio da legalidade abrange toda a atuação do poder público, a reserva legal atua como limite à criação de tipos penais, exigindo que somente lei ordinária aprovada pelo poder legislativo previsto na constituição federal possa definir condutas criminosas e cominar penas.

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Como o Princípio da Reserva Legal é aplicado no Direito Penal?

A reserva legal é aplicada no Direito Penal como garantia de que o poder punitivo do Estado não será exercido de maneira arbitrária.

A exigência de lei anterior que o defina protege os cidadãos contra abusos e assegura a segurança jurídica.

Essa aplicação também impede que medidas provisórias podem ser utilizadas para fins penais, pois não constituem espécie normativa adequada para limitar direitos em matéria penal.

Assim, o devido processo legislativo, conforme o processo legislativo previsto na constituição, é essencial para que haja validade no estabelecimento de sanções.

Quando ocorre a violação do princípio da reserva legal na lei penal?

A violação do princípio da reserva ocorre quando o poder executivo tenta punir os infratores com base em normas que não observam o processo legislativo previsto na constituição.

Exemplo disso é a tentativa de impor sanção criminal com base em regulamentos, portarias ou mesmo em medida provisória, contrariando o comando constitucional que determina que somente lei em sentido formal pode tratar da criação de crimes e penas.

Nesses casos, há claro desrespeito ao estado democrático de direito e aos pilares do estado democrático.

O que diz o Código Penal sobre o princípio da reserva legal?

O código penal brasileiro não trata expressamente do tema com essas palavras, mas sua estrutura e aplicação refletem o postulado de que não há pena sem prévia cominação legal.

Isso significa que só é possível aplicar pena quando houver lei anterior e específica definindo o crime — ou seja, crime sem lei anterior é vedado.

Tal entendimento é reforçado pela jurisprudência do STF, que reconhece a reserva da lei como um dos fundamentos do poder de punir do estado dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

O princípio da reserva legal pode ser aplicado de modo estrito?

Sim, o princípio da reserva legal pode e deve ser aplicado de forma estrita, especialmente no campo penal, como forma de limitar o poder do Estado frente ao cidadão.

A reserva legal é essencial para garantir que as leis sejam claras e precisas, permitindo a correta aplicação da lei e a previsibilidade quanto às consequências dos atos.

Isso implica que apenas espécie normativa aprovada segundo os ritos constitucionais — ou seja, a lei formal — pode ser utilizada para fins penais. Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal tem reafirmado que apenas o poder legislativo pode legislar validamente sobre matéria penal, em consonância com o texto constitucional.

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Conclusão

O princípio da reserva legal está presente em grandes discussões jurídicas, tendo embasado diversas teses de grandes escritórios, e pode ser muito útil em sua advocacia - basta que você tenha atenção ao ato administrativo que está sendo impugnado via ação judicial, e reflita: esta matéria não deveria ter sido regulamentada por lei?

Já na aplicação do direito penal, é relevante tentar desenquadrar a conduta de seu cliente do tipo penal - o que, em muitos casos, irá livrá-lo da condenação.

Isso porque definir crimes e pena é ato do Estado sujeito a rigoroso controle de legalidade.

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Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

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