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Direito Civil

Atualizado 13/03/2024

Isonomia

Carlos Stoever

5 min. de leitura

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O princípio da isonomia figura entre os mais relevante do Estado Democrático de Direito, estando presente em quase todas as legislações estruturantes do Brasil - permeando normas de direito tributário, penal, administrativo, etc.

Alguns juristas o colocam ainda mais acima, na categoria dos postulados, tendo natureza de regra ligada à justiça social, acima de princípios, leis e do próprio Estado.

Seu ingresso no ordenamento se dá diretamente pela Constituição Federal, o qual trata da igualdade material de todos.

Mas é importante lembrar que o texto fala em princípio da igualdade, o qual foi sendo transmutado no tempo em princípio da isonomia.

Neste artigo, vamos entender suas origens, conceitos e aplicação nas mais diversas áreas do direito. Boa leitura!

O que diz a Constituição Federal sobre o princípio da igualdade?

A Constituição Federal trata do princípio da igualdade em seu Artigo 5º, o qual hoje é conhecido também como igualdade formal.

Trata-se do princípio da igualdade em sua concepção mais antiga, pelo qual ninguém é diferenciado pela lei - o famoso: "todos são iguais perante a lei".

Em 1988, como vínhamos de uma sociedade onde o homem possuía privilégios diante da mulher, buscou a igualdade entre sexos - na época, ainda eram escassos os debates sobre portadores de necessidades especiais, comunidade LGBTQIA+, etc.

Ainda se pensava sob a influência dos princípios da Revolução Francesa - liberdade, igualdade e fraternidade - os quais foram sofrendo mutações no tempo, se adequando a novo entendimentos e visões sobre justiça social.

Com isso, temos no Brasil um estado formado à partir da igualdade de oportunidades a todos - com normas editadas pela União Federal para garantir sua efetiva aplicação - respeitada a autonomia de cada estado, que também edita normas locais de persecução da paridade social.

Qual a diferença entre isonomia formal e isonomia material?

A isonomia formal, como vimos acima, vem da premissa de que o direito não estabelece diferenças entre ninguém - sendo o antigo conceito de igualdade.

Já a isonomia material é um avanço da noção de que todos são iguais perante a lei, partindo para a ideia de que existem situações em que não há igualdade fática entre as pessoas, devendo a lei incidir para reduzir as desigualdades.

Trata-se de uma distinção cunhada a partir de uma ideia de que todos são iguais e devem ser tratados como iguais - dando vez para uma ideia de que os indivíduos são diferentes entre si, e tais diferenças impedem a concretização da justiça social.

Quais os exemplos de isonomia material?

Exemplos de aplicação do princípio da isonomia material estão espalhados pela legislação brasileira mais recente, em medidas adotadas em relação a diversos pontos das leis para tentar compensar ou eliminar desigualdades sociais.

Um bom exemplo para começar é a Lei nº. 12.990/14, que estabelece a reserva de vagas em concursos públicos para negros - reconhecendo que não há uma equidade no acesso aos cargos públicos entre cidadãos brancos e pretos.

Situação semelhante ocorre na legislação de todos os estados do país, que preveem a reserva de vagas em concurso público para pessoas portadoras de necessidades especiais - a exemplo do Decreto nº. 9.508/18 do Distrito Federal.

A isonomia material começa pelo reconhecimento de que há uma situação fática de desigualdades, hipossuficiência ou vulnerabilidade social, vindo a lei a estabelecer medidas de equidade - como ocorre na Lei Maria da Penha.

Quais os tipos de isonomia existem no Direito?

No direito brasileiro existem vários tipos de isonomia, que buscam uma igualdade de condições de tratamento entre pessoas que possuem diferenças entre em si - buscando materializar a premissa de que todos são iguais perante a lei.

Vamos entender rapidamente alguns casos de aplicação do princípio da isonomia no direito brasileiro.

Isonomia de gênero

Na isonomia de gênero, o ponto central é sair do papel secundário e "do lar" que a mulher ocupava até pouco tempo, reconhecendo que ela possui os mesmos direitos dos homens.

Com isso, busca-se afastar tais desigualdades e assegurar paridade de condições para acesso ao ensino e às carreiras profissionais - evitando de qualquer maneira que as mulheres tenham menos oportunidades apenas por serem mulheres.

Isonomia de raça

A isonomia de raça busca recompor uma discriminação histórica existente com pessoas pretas, cuja origens conduzem para uma situação social menos privilegiada e à margem da sociedade.

Por essa razão, foram criadas as políticas de cotas nas universidades federais - possibilitando o acesso da população preta ao ensino público superior.

Isonomia profissional

No caso da isonomia profissional, a forma de aplicação do princípio da isonomia busca assegura que todos os indivíduos, sem distinção de credo, cor, sexo, idade ou necessidades especiais tenham acesso ao mercado de trabalho, com as mesmas possibilidades de crescimento na carreira.

Aqui, dentre tantos outros exemplos, temos as maiores ocorrências de leis no ordenamento jurídico buscando a justiça social dentro da relação de emprego.

Isonomia tributária

Já na isonomia tributária, o sistema tributário é concebido para considerar alíquotas que incidam levando em consideração a capacidade financeira do contribuinte - podendo, inclusive, reduzir a base de cálculo de tributos para melhor adequação à realidade do contribuinte.

Assim, temos a redução de tributos em determinados setores ou produtos, bem como o escalonamento das faixas do imposto de renda como uma medida de efetivação de justiça tributária - isso em vez de um tributo que atinja indiscriminadamente todos os setores e contribuintes.

Como funciona o princípio da isonomia nas áreas do Direito?

O princípio da isonomia está presente em todas as áreas do direito - variando de maneira conforme o objeto material de cada normal.

Como conceito geral, ele deve tratar os desiguais de forma desigual, possibilitando que, ao final se opere a igualdade de condições de acesso e tratamento legal por todos os cidadãos.

Sua busca é pela isonomia social, preservando os direitos individuais de cada um.

Princípio da isonomia no Direito Tributário

No direito tributário, o princípio da isonomia atua na distribuição da carga tributária de acordo com a capacidade contributiva da população.

Com isso, produtos de consumo básico - no geral, componentes da cesta básica - sofrem uma menor carga tributária para facilitar, pela redução do preço, sua aquisição pela população. Enquanto que bens de luxo, assim como cigarros e bebidas alcoólicas, sofrem pesadas tributações.

A isonomia tributária é uma medida que também está presente no imposto de renda, onde as faixas de tributação mais elevadas estão destinadas aos contribuintes de maior renda.

Princípio da isonomia no Direito do Trabalho

O direito do trabalho é uma das áreas em que o princípio da isonomia ganha mais força, com diversos dispositivos impondo a justiça social nas relações de emprego.

A CLT, em seu Artigo 461, assegura a todos a igualdade salarial, independentemente de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.

Além disso, a Lei nº. 8.213/91 obriga que todas as empresas com mais de 100 empregados destinem 2% a 5% de suas vagas para pessoas portadoras de necessidades especiais, ou egressos do INSS em reabilitação.

Com isso, impõe uma isonomia social de acesso ao emprego.

Recentemente, a Lei nº. 14.133/21 - Nova Lei de Licitações e Contratos Públicos - passou a permitir que os editais de licitação exijam que as empresas aloquem no contrato público mulheres vítimas de violência doméstica e pessoas egressas do sistema prisional.

Vejamos:

Art. 25. O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento.

...

§ 9º O edital poderá, na forma disposta em regulamento, exigir que percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por:

I - mulheres vítimas de violência doméstica;

II - oriundos ou egressos do sistema prisional.

Nesta lei, já temos um exemplo de avanço do avanço, pois o texto original fala em mulheres vítimas de violência doméstica, tendo o Artigo 3º do Decreto nº. 11.430/23 explica a maneira como o termo será aplicado, abrangendo então mulheres trans, travestis e qualquer outras possibilidades de gênero feminino:

Art. 3º  Os editais de licitação e os avisos de contratação direta para a contratação de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, nos termos do disposto no inciso XVI do caput do art. 6º da Lei nº 14.133, de 2021, preverão o emprego de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica, em percentual mínimo de oito por cento das vagas.

(...)

§ 3º  As vagas de que trata o caput:

I - incluem mulheres trans, travestis e outras possibilidades do gênero feminino, nos termos do disposto no art. 5º da Lei nº 11.340, de 2006; e

II - serão destinadas prioritariamente a mulheres pretas e pardas, observada a proporção de pessoas pretas e pardas na unidade da federação onde ocorrer a prestação do serviço, de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Novamente, temos o princípio da isonomia material sendo tratado na legislação brasileira de maneira que haja a garantia o mesmo acesso ao mercado profissional de minorias excluídas, reduzindo desigualdades sociais.

Como o princípio da isonomia é tratado no Novo CPC?

O Novo CPC traz o princípio da isonomia em diversos tópicos, a começar pelo tratamento que deve ser dispensado às partes, conforme prevê seu Artigo 7º:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Além disso, seu Art. 139 inc. I indica que o juiz deverá conduzir o processo assegurando igualdade de tratamento às partes.

Assim, percebe-se que o direito processual civil preocupa-se com a igualdade em seu aspecto formal, prevendo que o processo deve tratar a todos de forma isonômica.

Quais são os limites da isonomia?

O debate sobre os limites do princípio da isonomia é bastante aquecido no direito.

Isso porque as pessoas tem visões distintas sobre os mesmos fatos ou normas legais - muitas vezes trazendo cargas de preconceito ou extremismo.

Enquanto alguns falam em proibição da distinção salarial, outros puxam o debate para a meritocracia.

O fato é que o Art. 5º da Constituições Federal busca afastar discriminações, dando importância para as condições em que o acesso às mesmas oportunidades é dado aos indivíduos - o que é repisado em diversas leis infraconstitucionais.

Ou seja: todos devem ter direito ao mesmo acesso, às mesmas oportunidades - e, então, aplica-se a meritocracia.

O que não se admite é a perda de oportunidades por uma situação de vulnerabilidade social ou hipossuficiência - como receber um salário menor por ser mulher, exemplo clássico de violação do princípio da isonomia.

O que é o princípio do Devido Processo Legal?

O devido processo legal é um princípio previsto no Artigo 5º da Constituição Federal, o qual garante que todos os indivíduos terão direito a um rito processual previamente sabido, e que oportunize o mesmo acesso à defesa - com a produção de provas e os recursos cabíveis.

Trata-se de um conceito de grande importância, pois assegura a possibilidade de exercício de direitos processuais iguais a todos os cidadãos - evitando que processos, judiciais ou administrativos, sejam conduzidos em condições desfavoráveis em razão à condição específica da pessoa, o que avilta o princípio da isonomia.

Conclusão

Em anos de atuação perante o Poder Judiciário, vimos conceitos de justiça como equidade serem aplicados em diversos casos, variando de acordo com a natureza de cada um.

Desde discussões acerca da lei de cotas, indo até a luta pelo mesmo direito à licença maternidade para as mulheres que adotam filhos recém nascidos, o Poder Judiciário sempre se mostrou consciente da necessidade de intervenção para cessar desigualdades provocadas na sociedade.

Durante mais de 20 anos de advocacia, acompanhamos diversos casos na Justiça, muitos deles contra a União Federal.

Hoje, concluímos que há uma ideia comum de respeito à diversidade e combate à desigualdade, seja por iniciativa legislativa, seja pela jurisprudência de todos os estados - cada qual respeitando as relações sociais locais.

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Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

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