Direitos da Personalidade
Atualizado 23/04/2025
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Os direitos da personalidade figuram como categoria essencial entre os direitos fundamentais, voltados à salvaguarda da integridade moral e à proteção ampla da dignidade da pessoa humana.
Eles sustentam todos os direitos e garantias individuais no sistema jurídico brasileiro, irradiando efeitos por todo o ordenamento e influenciando diretamente a aplicação das normas.
Neste artigo, você compreenderá os mais diversos direitos da personalidade operam na prática forense, com base em mais de duas décadas de experiência profissional.
O que são direitos de personalidade?
Os direitos da personalidade são inerentes à condição humana e asseguram a inviolabilidade da esfera íntima e moral de cada indivíduo.
Servem de fundamento para políticas públicas e interpretações normativas voltadas à proteção da identidade, da liberdade e da integridade física e psíquica da pessoa natural.
Relacionam-se a atributos individuais inalienáveis e intransmissíveis, cuja proteção jurídica impede que, mesmo contra a sua vontade, o titular do direito seja submetido a intervenções arbitrárias.
Essa categoria envolve tanto aspectos concretos como subjetivos da pessoa, compreendendo desde a proteção da imagem e honra até a proteção ao seu nome.
Quais são as características do direito da personalidade?
Os direitos da personalidade possuem características marcantes: são absolutos (oponíveis erga omnes), extrapatrimoniais, vitalícios, inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.
São considerados direitos subjetivos, já que derivam diretamente da personalidade civil da pessoa, a qual começa do nascimento com vida.
Tais características refletem a importância desses direitos no direito privado brasileiro, visto que, por sua própria natureza, não podem ser transferidos ou renunciados.
Qual a previsão legal dos direitos da personalidade?
A base constitucional dos direitos da personalidade está no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, sendo uma cláusula pétrea da Carta Magna - vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
O Código Civil de 2002 dedicou seu Capítulo II, à partir de seu Artigo 11º, para tratar dos direitos da personalidade - indicando serem eles irrenunciáveis:
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
A seguir, vamos entender a previsão legal de cada um dos direitos da personalidade existentes no direito privado e público.
Em que momento começam os direitos da personalidade?
Os direitos da personalidade estão intrinsecamente ligados à própria existência do ser humano e, por isso, sua proteção jurídica abrange diferentes momentos da vida.
A doutrina majoritária entende que o direito subjetivo da pessoa começa do nascimento com vida, momento em que se adquire a personalidade civil, conforme previsto no artigo 2º do Código Civil:
Art. 2 o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro também reconhece a proteção desde a concepção, conferindo ao nascituro certos direitos, especialmente os direitos do nascituro ligados à herança, alimentos e respeito à integridade física e moral.
Isso demonstra que, mesmo antes do nascimento com vida, há tutela jurídica para salvaguardar os direitos fundamentais em potencial, conforme interpretação teleológica da norma civil e princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana.
Quais são os direitos da personalidade?
Os direitos da personalidade são os seguintes:
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Direito à Honra;
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Direito à Imagem;
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Direito à Privacidade;
-
Direito à Intimidade;
-
Direito à Integridade Física;
-
Direito ao Nome;
- Direito Real de Habitação.
Direito à Honra
Protegido pelo art. 5º, X, da CF/88, o direito à honra visa resguardar a reputação e dignidade do indivíduo.
É com base nele que se pleiteiam reparações por dano moral, inclusive nos crimes previstos no Código Penal, como calúnia, injúria e difamação, cuja intenção difamatória caracteriza a ilicitude do ato - buscando proteger as pessoas de publicações ou representações que a exponham ao desprezo público.
Direito à Imagem
O direito à imagem, por sua vez, trata da proteção da imagem de qualquer pessoa, coibindo o uso indevido, sem sua autorização, por terceiros.
E aqui não se trata apenas da exposição a situações vexatórias, mas do uso indevido e não autorizada da imagem, com ou sem fins comerciais.
Assim, não é permitido o uso da imagem de alguém, para qualquer fim, sem seu expresso consentimento.
Sua proteção é feita no Art. 5º inc. X da CF/88, e também ao art. 20 do Código Civil:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Direito à Privacidade
O direito à privacidade é atualmente o direito da personalidade mais em voga, devido à Lei Geral de Proteção de Dados, que foca justamente no respeito à privacidade do cidadão, claramente em xeque pela forma como o uso da internet se dá atualmente.
Na prática, temos que terceiros não podem sequer ter conhecimento da vida privada das pessoas sem seu consentimento - sendo ainda mais inadmissível sua divulgação sem prévia autorização.
Vejamos o que diz o Artigo 1º da LGPD:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
O Art. 21 do Código Civil, inclusive, já previa a proteção à vida privada do cidadão:
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Direito à Integridade Física
O direito à integridade física, também chamado de direito sobre o próprio corpo está previsto no Art. 13 e seguintes do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
É nele que estão baseados todos os crimes do Código Penal que envolvam lesões corporais.
Além disso, ele estabelece a proteção contra atos médicos não desejados, impondo a autodeterminação sobre intervenções médicas.
Direito à Intimidade
Voltado à proteção de aspectos mais profundos da vida privada, o direito à intimidade está bastante ligado à proteção da privacidade, estabelecendo a proteção de aspectos relacionados ao íntimo da dignidade da pessoa humana - como o lar, a família, a correspondência, finanças e dados laborais.
Por estas razões, por exemplo, que o prontuário médico só pode ser liberado ao seu titular - assim como ocorre com sua ficha laboral em uma empresa.
Direito ao Nome
Com origem no direito romano, o direito ao nome assegura ao indivíduo a prerrogativa de se identificar socialmente, podendo inclusive modificar o prenome em determinadas situações, como mudança de sexo ou reconhecimento de apelido público notório.
Esse direito de cada pessoa reforça o vínculo entre identidade e personalidade.
O direito ao nome se inicia no direito a todo cidadão ter um nome, como elemento essencial da dignidade da pessoa humana.
Indo adiante, ele chega ao ponto da pessoa poder buscar seu reconhecimento pelo nome que lhe é atribuído - e não por aquele conferido por seus pais quando de seu nascimento - com reflexos no próprio registro civil.
É com base neste importante direito da personalidade que temos o direito de adicionar ou não o sobrenome do cônjuge após o casamento, alterar o nome em caso de mudança de sexo, bem como adotar apelidos pelos quais a pessoa seja notoriamente conhecida.
Direito Real de Habitação
É um direito atribuído a certas pessoas, como o cônjuge sobrevivente, de permanecer no imóvel que servia de residência da família, mesmo que não seja proprietária formal do bem.
O que é a personalidade jurídica?
A personalidade jurídica não deve ser confundida com os direitos da personalidade, pois se trata de uma construção legal destinada a atribuir capacidade civil a entidades não humanas, como empresas, permitindo-lhes ser sujeito de direitos e obrigações.
Ainda assim, pessoas jurídicas também podem exercer certos direitos da personalidade, como a proteção à imagem e honra, conforme admite o próprio direito privado.
A dignidade da pessoa humana como direito da personalidade
A dignidade da pessoa humana é a base dos direitos da personalidade, estando acima deles e norteando sua aplicação, na condição de princípio constitucional, estando prevista no texto constitucional, já em seu Art. 1º inc. III, sendo um dos pilares da República Federativa do Brasil.
Quais os processos mais comuns sobre direitos da personalidade?
Existem diversos processos judiciais envolvendo os direitos da personalidade - sendo os mais comuns aqueles ligados à proteção da privacidade e da honra (danos morais), e os direitos de nome, com a alteração em diversas situações (separação, transição de sexo).
Alguns casos clássicos chegaram ao Supremo Tribunal Federal, como o direito ao uso do banheiro destinado ao gênero com o qual a pessoa se identifica:
TRANSEXUAL. PROIBIÇÃO DE USO DE BANHEIRO FEMININO EM SHOPPING CENTER. ALEGADA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A DIREITOS DA PERSONALIDADE. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. (...) 2. Constitui questão constitucional saber se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade sexual está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana e a direitos da personalidade 3. (...) (STF - RE 845779)
Outros casos relacionados aos direitos da personalidade são o reconhecimento da paternidade, imprescritível segundo o STF:
EMBARGOS INFRINGENTES NA AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA. FILHO ADULTERINO. PATERNIDADE NÃO CONTESTADA PELO MARIDO. DIREITO DE TER O FILHO RECONHECIDO, A QUALQUER TEMPO, O SEU PAI BIOLÓGICO. PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA COMO DIREITO DE PERSONALIDADE. PRECEDENTE. EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS. (STF - AR 1244 EI)
Um caso bastante interessante envolveu o questionamento do Estatuto da Guarda Municipal de Paulínia-SP, cujas regras de asseio foram questionadas à luz dos direitos da personalidade.
Na ocasião, o STF entendeu que a exigência de boa imagem e zelo com a aparência do agente estatal não colidem com os direitos da personalidade:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTATUTO DA GUARDA MUNICIPAL. REGRAS DE ASSEIO PESSOAL. INFRAÇÃO DISCIPLINAR DE NATUREZA LEVE. AFRONTA AO PACTO FEDERATIVO. INEXISTÊNCIA. DETERMINAÇÃO LEGAL CONDIZENTE COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
(...)
4. A determinação legal atende ao princípio da razoabilidade, pois a imposição de sanção de natureza leve revela-se adequada e proporcional à falha na conduta do servidor público. Tampouco há falar em violação a direitos de personalidade, ao direito à liberdade, à imagem, bem como à dignidade da pessoa humana, haja vista que o mínimo zelo com a aparência é o que se espera do agente estatal, especialmente daqueles que lidam diretamente com a população.
5. Agravo Interno a que se nega provimento. (STF - RE 1298758)
Conclusão
A existência da pessoa humana é protegida juridicamente desde o nascimento com vida, e a atuação dos advogados deve reconhecer a importância dos direitos da personalidade como categoria central.
Aplicar tais fundamentos amplia a força das teses jurídicas e fortalece a defesa da dignidade humana — uma missão permanente de toda advocacia comprometida com os direitos subjetivos da pessoa.
Mais conteúdo sobre proteção da dignidade humana
Fluxograma sobre remédios constitucionais.
Fluxograma sobre princípios fundamentais da Constituição Federal.
Fluxograma sobre crimes contra a honra.
Modelo de notificação por uso indevido de imagem.
Modelo de autorização de uso de imagem.
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