Direito de Vizinhança
Atualizado 26/04/2024
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O direito de vizinhança é um tema que sempre gerou grande atenção de juristas, por envolver justamente o convívio social das pessoas - mas ganhou ainda mais relevo na pandemia, quando as pessoas tiveram que ficar em casa, enfrentando problema de convivência com seus vizinhos.
O tema é de grande importância, remontando ao direito romano - merecendo a VIII das XII Tábulas da República Romana dedicada inteiramente sobre os conflitos prediais.
A seguir, iremos explorar os conceitos do direito de vizinhança, sua aplicação prática, e como resolver alguns dos impasses mais comuns.
Boa leitura!
O que é o direito de vizinhança?
O direito de vizinhança é um conjunto de direitos de natureza civis que regulamentam o convívio entre pessoas que vivem em imóveis vizinhos.
Ele é aplicável para imóveis localizados no território urbano - uma vez que a área rural possui uma regulamentação específica tanto no Código Civil como no Estatuto da Terra, sendo um relevante tema de direito imobiliário.
O objetivo do direito de vizinhança é garantir o pleno uso das propriedades - em harmonia com os demais moradores vizinhos.
Qual a previsão do direito de vizinhança no Código Civil?
O direito de vizinhança está previsto nos Artigo 1.277 a 1.313 do Código Civil e seguintes, que trata de diversos subtipos de direitos que o compõem.
Quais são os direitos de vizinhança?
Os direitos de vizinhança envolvem diversas situações jurídicas, sendo as principais a seguintes:
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Uso Anormal da Propriedade;
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Direito de Passagem;
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Direito de Construir;
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Passagem de Cabos e Tubulações;
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Passagem de Água;
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Árvores e Frutos;
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Uso Anormal da Propriedade.
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Limites entre Prédios.
Vamos conhecer cada um dos principais pontos relacionados com o direito de vizinhança, entendendo sua natureza jurídica e aplicação prática.
Uso Anormal da Propriedade
O uso anormal da propriedade está previsto no Art. 1.277 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
Ele é bastante comum quando o vizinho está dando destinação diversa ao imóvel - promovendo festas ou criando animais para consumo, por exemplo - ou quando há excessos no uso do imóvel, como barulhos excessivos.
Árvores Limítrofes
Muitas vezes, existe uma árvore do terreno vizinho, cujos frutos caem em terreno diverso daquele no qual ela está plantada.
Ou seja: os frutos da árvore caem no terreno vizinho e surgem dúvidas: de quem são os frutos? Se ele causaram transtornos ao vizinho, de quem é a responsabilidade?
Na prática, vemos que os frutos pertencem ao vizinho do terreno sobre o qual caíram e, havendo qualquer tipo de transtorno, é possível compelir a poda ou manejo da árvore - em casos extremos, já vimos ser determinado o corte da árvore.
Vejamos um interessante precedente a respeito:
APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. DIREITOS DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO ADESIVA.
O Código de Processo Civil exige para processamento do recurso adesivo a sucumbência recíproca e idênticos requisitos de admissibilidade dos recurso a que se subordina.
Requisitos devidamente preenchidos no caso concreto. Apelação adesiva admitida. Preliminar contrarrecursal rejeitada. O CORTE DE ÁRVORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha (art. 1.277 do CC).
No caso dos autos, existe prova de que as árvores na propriedade da demandada estão causando dissabores aos lindeiros, razão pela qual deve ser mantida a sentença que determinou a poda das árvores e julgou improcedentes os pedidos indenizatórios.
Ausência de nexo de causalidade capaz de corroborar o dano material. Inexistência de comprovação de sofrimento, constrangimento, humilhação, vexame ou abalo emocional em decorrência dos fatos noticiados na demanda. Dano moral não comprovado. Sentença de parcial procedência mantida. APELAÇÃO E APELAÇÃO ADESIVA DESPROVIDAS.
(Apelação Cível, Nº 50021074220208210010, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 07-12-2023)
A regulamentação das árvores limítrofes está no Art. 1.282 e seguintes do Código Civil:
Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.
Art. 1.283. As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido.
Art. 1.284. Os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.
Direito de Passagem
O direito de passagem é um dos mais emblemáticos direitos de vizinhança, pois ele impede que um imóvel fique encravado em meio a outros, tendo seu proprietário ou possuidor de um prédio encravado o direito a ter uma passagem forçada até a via pública.
O direito de passagem pode ser exercido dentro do imóvel que oferecer o acesso mais curso à via pública, ou o mais fácil, não podendo impor restrições no uso do proprietário do imóvel que cede a passagem.
Este direito, aliás, é passível de anotação no registro de imóveis de ambos os imóveis - dando então ciência a eventuais compradores da condição de ambos.
O direito de passagem forçada está previsto no Art. 1.285 do Código Civil de 2002:
Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
§ 1 o Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.
§ 2 o Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.
§ 3 o Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.
É preciso ter muita atenção pois impedir o direito de passagem pode, inclusive, gerar direito à indenização, como já decidiu o Poder Judiciário:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VIZINHO QUE IMPEDIU PASSAGEM DE MAQUINÁRIO NECESSÁRIO AO CULTIVO DAS TERRAS DA PARTE AUTORA PELA ÚNICA ESTRADA DE ACESSO AO LOCAL, A QUAL ATRAVESSA A PROPRIEDADE DO RÉU.
PASSAGEM FORÇADA. DIREITO FULCRADO EM REGRAS DE DIREITO DE VIZINHANÇA (ARTIGO 1.285 DO CCB), PRESSUPONDO A AUSÊNCIA ABSOLUTA DE ACESSO À VIA PÚBLICA. ILÍCITO PRATICADO PELA PARTE RÉ. DEVER DE INDENIZAR.
DANOS EMERGENTES CORRESPONDENTES AO VALOR DA RESCISÃO DO CONTRATO DE PARCERIA RURAL CELEBRADO PARA FINS DE EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA DO IMÓVEL. LUCROS CESSANTES NÃO VERIFICADOS, NO CASO. APELO PROVIDO EM PARTE.
(Apelação Cível, Nº 50001275620198210055, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em: 27-04-2023)
Direito de Construir
O direito de construir implica na permissão que o proprietário ou o possuidor de um imóvel tem de edificar sobre seu terreno - bem como de ampliar e promover alterações e benfeitorias em construções já existentes.
É importante grifar que o direito de construir é inerente a todo e qualquer imóvel, encontrando, porém, restrições e regulamentações na legislação urbanística do município, na legislação ambiental e na proteção do patrimônio histórico - além, claro, no direito de vizinhança.
Existem, inclusive, normas de construção civil previstas diretamente no Código Civil, em seus Artigos 1.299 e seguintes - a saber:
Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.
Art. 1.300. O proprietário construirá de maneira que o seu prédio não despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho.
Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho.
§ 1 o As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros.
§ 2 o As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.
Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.
Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade.
Passagem de Cabos e Tubulações
A passagem de cabos e tubulações busca assegurar o acesso ao saneamento básico, à água, à luz e à internet a todas os imóveis.
Assim, obriga-se o proprietário ou o possuidor de um prédio vizinho a permitir a passagem de cabos e tubulações que levem tais acessos aos demais imóveis - o que vale tanto para a instalação como para a manutenção da rede.
A passagem de tubos e tubulações está prevista no Art. 1.286 do Código Civil:
Art. 1.286. Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa.
Parágrafo único. O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel.
Art. 1.287. Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a realização de obras de segurança.
Passagem de Água
Da mesma forma, a passagem de água, como bem essencial à vida do ser humano, é garantido a qualquer residência - e, com isso, todos são obrigados a ceder a passagem das tubulações até qualquer imóvel vizinho.
Sua previsão está no Art. 1.288 e seguintes do Código Civil:
Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior.
Art. 1.289. Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior, ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer.
Parágrafo único. Da indenização será deduzido o valor do benefício obtido.
Limites entre Prédios
Os limites entre prédios é um direito que permite que o proprietário ou o possuidor cerquem, murem, ou de qualquer forma, estabeleçam limites físicos entre seu imóvel e os imóveis vizinhos.
O Código Civil dedica o Art. 1.297 a este tema, vejamos:
Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.
§ 1 o Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se, até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação.
§ 2 o As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre proprietários.
Qual o prazo para demolição de obra indevida?
O Artigo 1.302 do Código Civil indica que o proprietário tem o prazo de 01 ano e 01 dia após a conclusão da obra para exigir a demolição ou conserto de itens que estão desconformes.
Conclusão
Em 20 anos de advocacia, já enfrentamos diversos conflitos nos quais vizinhos não conseguiam resolver suas desavenças sozinhos - judicializando a problemática com base no direito de vizinhança.
Com isso, pudemos elaborar uma série de modelos de petição e fluxogramas que dão suporte à atuação dos advogados neste delicado ramo do direito.
Mais conteúdo de direito civil
Fluxograma sobre ação ordinária.
Fluxograma sobre ação de reintegração de posse.
Fluxograma sobre ação de imissão na posse.
Modelo de ação ordinária contra barulho excesso de vizinho.
Modelo de ação ordinária para demolição de imóvel.
Modelo de contestação em ação que discute infiltração no imóvel.
Precisa de algum modelo mais específico? Mande um e-mail pra gente!