Direito Civil

Princípio da Boa-Fé Objetiva

Atualizado 30/04/2025

6 min. de leitura

O princípio da boa-fé objetiva é intrínseco aos atos jurídicos praticados por qualquer indivíduo – seja em situações da vida civil, seja durante um processo judicial –, indicando que está agindo de forma correta, honesta e leal.

Em outras palavras: significa que essa pessoa não atua com a intenção de causar prejuízos ou de obter vantagens ou benefícios indevidos ou abusivos.

Para o advogado, a boa-fé é essencial em seu exercício profissional – exige, inclusive, atenção especial em relação ao cliente, para evitar que este seja induzido ao erro na exposição dos fatos sobre os quais acredita possuir direitos.

Vamos compreender melhor o conceito de boa-fé no direito civil – com especial atenção ao seu grande contraponto: a má-fé.

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O que é o princípio da boa fé?

O princípio da boa-fé é um conceito jurídico do direito civil, que determina que todas as pessoas devem se comportar conforme normas de integridade e lealdade, evitando o abuso de direito ou a busca por vantagens indevidas.

É um princípio jurídico essencial no direito civil brasileiro, presente em todas as relações jurídicas – principalmente nas relações contratuais, que se fundamentam na confiança recíproca entre as partes.

Existem basicamente dois tipos de boa-fé, conforme detalharemos a seguir: a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva.

O que é a boa fé objetiva?

A boa-fé é objetiva quando vinculada ao comportamento esperado das pessoas nas relações jurídicas, fundamentando-se em valores como confiança, lealdade e integridade.

Na prática, presume-se que as partes cumprirão aquilo a que se comprometeram, mostrando-se dispostas a concretizar o negócio jurídico nos termos acordados, sem infringir direitos de terceiros ou da parte contrária.

Isto implica que as partes agem segundo padrões éticos esperados, com legitimidade e sem qualquer desvio de finalidade ou abuso de direito.

O que é a boa fé subjetiva?

Já a boa-fé subjetiva está ligada à intenção das partes ao firmar um negócio jurídico, sendo legítima a expectativa de que todas ajam conforme a ética e o direito, podendo inclusive ter convicção de que seu comportamento é adequado e legítimo, sem qualquer intenção de prejudicar a outra parte ou terceiros.

A boa fé no direito brasileiro

A boa fé no direito brasileiro está presente tanto nas relações de direito privado como nas de direito público.

No Código Civil Brasileiro, ela está prevista em diversos artigos, podendo destacar o Artigo 113, Artigo 167 §2º e Artigo 422, que assim dispõem:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

...

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

...

§ 2 o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

...Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Já no direito público, a boa fé está prevista no Artigo 2º e no Artigo 4º da Lei nº. 9.784/99, que assim dispõem:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

...

IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

...

Art. 4o São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:

...

II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

Embora não esteja expressamente previsto na Constituição Federal, o princípio da boa fé é estudado pelo direito constitucional através do princípio da segurança jurídica e da moralidade.

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Como funciona a boa fé no direito do consumidor?

Toda a sistemática do direito do consumidor no Brasil está ligada à presunção de hipossuficiência do cliente nas relações de consumo, bem como à proteção de sua boa fé.

Com isso, são consideradas nulas e abusivas cláusulas contratuais que possam implicar em abuso da boa fé do consumidor - conforme prevê o Art. 51 inciso IV do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

...

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Com isso, a aplicação do princípio da boa fé no direito do consumidor é algo bastante frequente, especialmente ao âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que o aplica ao lado de outros princípios, como o da informação e da segurança jurídica, para analisar demandas consumeiristas, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SÁUDE. TRATAMENTO REALIZADO FORA DA REDE CREDENCIADA. REEMBOLSO. CLÁUSULA LIMITATIVA. NULIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO E BOA-FÉ CONTRATUAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ.

1. O Tribunal a quo concluiu, no caso, que a cláusula contratual que prevê a limitação do reembolso das despesas médico-hospitalares e honorários médicos não esclarece de forma objetiva e compreensível seus critérios para cálculo e que, por isso, viola o dever de informação ao consumidor e a boa-fé contratual.

2. A falta de impugnação, nas razões do recurso especial, ao argumento do acórdão recorrido impede o conhecimento do apelo nobre. Incidência da Súmula n. 283/STF.

3. A análise das circunstâncias fático-probatórias da causa é vedada no âmbito desta Corte, conforme os enunciados das Súmulas n. 5 e 7 do STJ. Agravo improvido.

(AgInt no AREsp n. 2.089.701/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 30/8/2023.)

Como funciona a boa fé na Administração Pública?

Ao âmbito da Administração Pública, temos que sempre está em jogo o interesse público, o qual deve ser observado tanto pelos agentes públicos como pelo cidadão administrado.

Vimos acima que a Lei nº. 9.784/99 prevê a incidência do princípio da boa fé tanto para o gestor público como para o particular, na relação com a coisa pública.

Nestes casos, entende-se que há uma finalidade maior, que é a preservação da coisa púbica, acima de quaisquer interesses privados.

É o caso, por exemplo, da análise do dever que o cidadão tem de devolver valores recebidos indevidamente, pagos pela Administração Pública - onde a análise da boa fé define se há ou não o dever em devolver, conforme já decidiu o STF:

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES REFERENTES AOS QUINTOS E AO PERCENTUAL DE 10,87% (IPCr). IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. VANTAGEM CONCEDIDA POR INICIATIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E EM DECORRÊNCIA DO CUMPRIMENTO DE DECISÕES JUDICIAIS. PERCEPÇÃO DE BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR DA VERBA. SEGURANÇA CONCEDIDA PARCIALMENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. As quantias percebidas pelos servidores em razão de decisão administrativa dispensam a restituição quando:

(i) auferidas de boa-fé;

(ii) há ocorrência de errônea interpretação da Lei pela Administração;

(iii) ínsito o caráter alimentício das parcelas percebidas, e

(iv) constatar-se o pagamento por iniciativa da Administração Pública, sem ingerência dos servidores. Precedentes.

2. In casu, o TCU determinou a devolução de quantias recebidas por servidores do TJDFT, relativas ao pagamento de valores referentes ao percentual de 10,87%, em razão de decisões judiciais, bem como ao pagamento do valor integral de função comissionada ou cargo em comissão cumulado com remuneração de cargo efetivo e VPNI, devido à decisão administrativa do Tribunal de Justiça interpretando a Lei 10.475/2002. 3. Em sede monocrática, concedeu-se parcialmente a segurança pleiteada UNICAMENTE para impedir qualquer determinação do Tribunal de Contas da União no sentido de devolução das quantias recebidas a maior, por parte dos substituídos do sindicato impetrante. 4. Consoante firme entendimento desta Suprema Corte, descabe a “restituição de valores percebidos indevidamente em circunstâncias, tais como a dos autos, em que o servidor público está de boa-fé” (MS 25.921/DF-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/9/2015). É que o reconhecimento posterior da ilegalidade de vantagem remuneratória “não determina, automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má-fé do servidor, o que não foi demonstrado nos autos.” (MS 26.085, Rel. Min. Cármen Lúcia, PLENO, DJe 13/6/2008). 5. Especificamente em relação aos quintos/décimos, o próprio Supremo Tribunal Federal expressamente ressaltou sua ilegalidade, porém modulou os efeitos decisórios a fim de proteger os princípios da boa-fé e da segurança jurídica (RE 638.115-ED-ED, Min. Rel. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe em 31/1/2020). 6. Agravo regimental a que se NEGA PROVIMENTO.

(MS 31244 AgR-segundo, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22-05-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 17-06-2020 PUBLIC 18-06-2020)

A relação do Princípio da Boa-fé com os demais princípios do direito

No campo do direito privado e público, a boa-fé no direito ocupa posição de destaque porque é um princípio que dialoga constantemente com outros princípios do direito – dignidade da pessoa humana, função social, proporcionalidade, entre tantos fundamentais do direito elencados na Constituição.

A doutrina sustenta que o princípio constitucional da confiança legítima encontra na boa-fé sua dimensão prática: a observância de padrões de honestidade e integridade por todas as partes envolvidas.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também tem afirmado que a boa-fé objetiva é cláusula geral de interpretação e integração de todo o ordenamento jurídico, irradiando para todas as relações jurídicas – contratuais, obrigacionais ou reais.

A ministra Nancy Andrighi, por exemplo, entende que a boa-fé “transcende o contrato e ilumina o comportamento prévio e posterior dos sujeitos”, o que reforça o dever de cooperação e de lealdade - em outras palavras, “é boa-fé que o princípio pode exigir, sempre que a confiança depositada por uma parte mereça tutela.”

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Boa-fé no contrato de seguro

No contrato de seguro, a boa-fé subjetiva e objetiva caminham juntas. Desde a fase pré-contratual, o contratante deve revelar circunstâncias relevantes ao risco (declaração de risco) com conformidade com os padrões de conduta proba.

Vale lembrar que, sob o Código Civil de 2002, mantém-se a tradição do Código Civil de 1916 de considerar a boa-fé requisito de validade para a formação e a execução do contrato.

Sob a ótica objetiva, a cláusula implícita de cooperação impõe à seguradora o dever de informar claramente as limitações de cobertura, em respeito ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Na esfera subjetiva, a quebra deliberada da confiança (por exemplo, omitir doença preexistente) pode provocar perda do direito à indenização, pois a conduta das partes deve permanecer em conformidade com os padrões de lealdade.

Por fim, destacamos que  doutrina afirma que a boa-fé confere efetividade à função social do seguro, garantindo a proteção dos interesses patrimoniais e existenciais das partes envolvidas.

Boa-fé como princípio jurídico da responsabilidade civil

No direito brasileiro, a boa-fé irrompe como fator de expansão da responsabilidade civil.

O STJ reconhece a violação da confiança como ato ilícito autônomo, cuja reparação se fundamenta na quebra da expectativa legítima criada no outro.

Seja na responsabilidade subjetiva e objetiva, a violação ao dever de confiança pode gerar indenização por danos materiais e morais.

A ideia de posse de boa-fé serve de paradigma: a pessoa que, acreditando de forma subjetiva na legitimidade do seu título, possui o bem com honestidade e integridade, merece tutela diferenciada.

Analogamente, quem atua no negócio jurídico sem intenção lesiva mas descuida da proteção do parceiro infringe a boa-fé e assume o dever de reparar.

Assim, a boa-fé liga-se de modo orgânico às normas jurídicas de responsabilidade e reforça a função preventiva do dano.

A boa-fé no direito civil brasileiro (Código Civil)

Desde 2003, o código civil brasileiro (Lei 10.406/2002) consolidou a boa-fé como verdadeiro alicerce do sistema jurídico, positivando-a no art. 113 e no art. 422: “os contratantes devem guardar, assim na celebração do contrato como em sua execução, os princípios de probidade e confiança”.

A locução legal evidencia que a boa-fé objetiva é obrigacional e incide em todo o iter contratual, da formação ao adimplemento. Já a boa-fé subjetiva relaciona-se ao estado psicológico do agente, influenciando excludentes de ilicitude ou de vício.

Como cláusula geral, a boa-fé dialoga com os princípios gerais do direito constitucional e do direito privado, permitindo ao intérprete flexibilizar regras estritas quando necessário para realizar justiça no caso concreto. 

  • É um princípio operativo em todo o ordenamento jurídico;

  • Fortalece a proteção do contratante vulnerável, inclusive sob a tutela do código de defesa do consumidor;

  • Inspira a revisão ou a supressão de cláusula abusiva;

  • Legitima a punição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium);

  • Favorece a conservação dos negócios e a estabilidade das relações.

Em suma, a boa-fé – tanto em seu viés objetivo como subjetivo – integra-se ao DNA do direito civil brasileiro, irradia-se para ramos afins e reafirma que, no Brasil contemporâneo, a confiança não é mera virtude moral: é imperativo jurídico de primeira grandeza.

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Conclusão

Ao longo da nossa trajetória na advocacia, observamos que o princípio da boa-fé, apesar de não estar previsto explicitamente na Constituição, ocupa posição elevada no ordenamento jurídico brasileiro – sendo fundamental em todas as relações jurídicas.

Isso ocorre porque é obrigação do juiz presumir a boa-fé das partes, bem como dos envolvidos em qualquer relação jurídica – razão pela qual existe rigorosa reprovação daqueles que atuam com má-fé, podendo resultar desde a invalidade de cláusulas contratuais e negócios jurídicos até a aplicação de multas processuais e responsabilização do servidor por improbidade administrativa.

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Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

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