Petição
EXMO. SR. DR. DESEMBARGADOR VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA UF REGIÃO
Autos nº: Número do Processo
Nome Completo, já qualificada nos autos da Reclamatória Trabalhista em epígrafe, que move contra a reclamada acima indicada, igualmente qualificada, por seus advogados subscritores, inconformada com o v. acórdão da E. ___ Turma deste Tribunal, vem tempestiva e respeitosamente à presença de Vossa Excelência, interpor o presente
RECURSO DE REVISTA
o que faz com fulcro no artigo 896 e alíneas, da CLT, por violação à Lei Federal e afronta à Súmula de jurisprudência do C. TST, além da divergência jurisprudencial verificada, de acordo com as razões em anexo, as quais requer sejam recebidas, juntadas aos autos e remetidas ao Colendo Tribunal Superior do Trabalho, para regular processamento e julgamento.
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Cidade, Data.
Nome do Advogado
OAB/UF N.º
EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DOUTORES MINISTROS DO COLENDO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – BRASÍLIA/DF
Autos nº: Número do Processo
Recorrente:Nome Completo
Recorrida:Razão Social
RAZÕES DE RECURSO DE REVISTA
Colenda Turma:
Eméritos Ministros:
A revisão do r. Acórdão Regional se faz imperiosa, havendo, para tanto, violação à Lei Federal, contrariedade a Súmulas do C. TST, e dissenso jurisprudencial capaz de ensejar o conhecimento, por parte deste Colendo Tribunal Superior do Trabalho, de todas as matérias versadas no presente remédio processual, como passaremos a demonstrar a seguir, por partes:
I. PRELIMINARMENTE
1. DA ADMISSIBILIDADE
Merece acolhimento o presente recurso, tendo em vista que foram cumpridos pelo ora recorrente todos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade para a interposição do presente recurso, dentre os quais se destacam a regular representação processual e a tempestividade no aviamento da medida.
Ademais, o presente remédio processual preenche os requisitos de admissibilidade elencados nas alíneas "a" e "c" do Artigo 896 e no Artigo 896-A, da Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive no tocante às alterações introduzidas pelas Leis Federais 13.015/2014 e 13.467/2017 no que diz respeito ao processamento de recursos no âmbito da Justiça do Trabalho, haja vista a existência de flagrante dissenso pretoriano, contrariedade à Súmula de jurisprudência do C. TST e/ou violação de disposição de Lei Federal.
Verifica-se também que a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, pois a matéria ventilada na revista obreira apresenta relevância social e jurídica, ultrapassando os interesses subjetivos do processo, nos termos do art. 896-A, §1º, III e IV da CLT, uma vez que as postulações do reclamante-recorrente dizem respeito a direitos sociais constitucionalmente assegurados, bem como a existência de questão envolvendo interpretação da legislação trabalhista, cuja pacificação interessam à toda a sociedade, mormente à classe trabalhadora em especial no que tange à segurança jurídica, tendo sido as matérias exaustivamente questionadas e debatidas nas instâncias precedentes.
Neste aspecto, considerando também a matéria tratada de maneira distinta pelos Tribunais Regionais, e ainda a violação a preceitos constitucionais e dispositivos de lei federal, é notório, portanto, que a ausência de revisão por esta C. Corte Superior quanto ao entendimento a ser observado sobre os assuntos retratados nas razões recursais ensejará a solidificação da decisão de fundo proferida pelo E. Tribunal a quo como precedente jurisprudencial, sedimentando entendimento não pacificado e revisado, causando insegurança social e instabilidade jurídica para julgamentos sobre a mesma matéria por outros Órgãos desta Justiça Especializada.
Diante do exposto, requer-se a admissibilidade do presente recurso de revista, de forma a remetê-lo em sua integralidade à apreciação do C. Tribunal Superior do Trabalho.
II. NO MÉRITO
2. JUSTIÇA GRATUITA – INCONSTITUCIONALIDADE DOS §§ 3º E 4º DO ART. 790 DA CLT – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA – VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
Data venia ao entendimento esposado pelo colegiado a quo, insurge-se o obreiro, ora recorrente, contra a decisão que indeferiu o pleito concernente à concessão do benefício da Justiça Gratuita.
Vejamos primeiramente como se deu o entendimento do Tribunal Regional no aspecto:
a) justiça gratuita
Indeferida a justiça gratuita ao autor nos seguintes termos:
Em que pese a declaração de insuficiência econômica, observo que o autor percebia, quando da dedução do pedido em Juízo, salário superior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Em face disso e, com fulcro no art. 790, §3º, CLT, com redação conferida pela Lei nº 13.467/2017, indefiro os benefícios da Justiça Gratuita.
O autor sustenta, em síntese, que estava desempregado quando ajuizou a presente demanda, requerendo a concessão da justiça gratuita, ainda que sob o vértice do princípio da proteção ao trabalhador, para que seja isento das custas processuais.
Sem razão.
A ação foi ajuizada em 17/10/2018, portanto, sob a égide da Lei 13.467/2017.
O art. 790, § 3º, da CLT vigente dispõe que "É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social."
Já o respectivo § 4º preconiza: "O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo."
Nesse ponto, impositivo frisar que a Instrução Normativa 41 do colendo TST, de 22/06/2018, nada dispõe sobre o critério temporal de aplicação do artigo 790 da CLT, em sua nova redação conferida pela Lei 13.467/2017. De todo modo, tratando-se de ação ajuizada já sob a égide da Lei 13.467/2017, as normas processuais devem ser aplicáveis "imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada", nos termos dos artigos 14 e 15 do CPC c/c art. 769 da CLT.
Assim, para o deferimento das benesses da justiça gratuita não mais basta a mera declaração de miserabilidade firmada pela parte ou feita por seu procurador munido de poderes para tanto. Necessário que a parte demonstre a insuficiência de recursos ou que perceba salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS, ou o que, desde 1º/1/2019, corresponde a R$ 2.335,78 por mês (40% do teto fixado em R$ 5.839,45, conforme Portaria nº 9 do Ministério da Fazenda, de 15/01/2019) ou R$10,61 por hora (R$2.335,78/220).
No caso, apesar da declaração de hipossuficiência econômica apresentada pelo autor (fl. 23) - o que, como já dito, não basta para comprovação da insuficiência financeira -, analisando os autos, observo que o autor juntou aos autos apenas cópia de sua CTPS, por meio da qual se observa que, à época do ajuizamento da ação, sequer a baixa do contrato de trabalho em discussão estava registrado, não juntando o restante das páginas de sua CTPS, a fim de comprovar que, efetivamente, não estava empregado.
Dessa forma, ausentes, nos autos, provas quanto à insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo, conforme exigido pelo art. 790, § 4º, da CLT, inviável o deferimento da justiça gratuita ao reclamante.
Ainda, esclareço que a previsão do art. 99, §2º, do CPC ("O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos") não afasta a presente conclusão, porquanto ajuizada a presente ação quando já em vigor a Lei 13.467/2017, que alterou a redação do § 3º e incluiu o § 4º do art. 790 da CLT, os quais são específicos à essa seara e, repise-se, deveriam ter sido observados pelo autor. Com efeito, a CLT é expressa ao preconizar a obrigatoriedade de comprovação da situação financeira deficitária, nos moldes ali delimitados, sem qualquer previsão para anterior conversão em diligência.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO.
Com todo o respeito devido à decisão regional, entende o recorrente merecer reforma o entendimento nela exarado pela ___ Turma do TRTUF, que aplicou de forma acrítica, simplista, isolada e prejudicial ao trabalhador o entendimento vertido no art. 790, §§ 3º e 4º da CLT, cuja redação foi conferida pela Lei Federal 13.467/2017.
Isso porquanto, primeiramente, ao tempo do ajuizamento da demanda o obreiro havia sido inequivocamente demitido sem justa causa, ou seja, sequer estava empregado, de forma que sequer recebia qualquer salário.
O valor do salário percebido à época de vigência do pacto laboral, incontroversamente rescindido, também não pode ser utilizado como parâmetro, mormente se observado que o pacto laboral perdurou por pouco mais do que 2 meses.
Assim sendo, não há se falar em que o obreiro percebia salário superior ao teto de 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS, sendo desarrazoada e injusta a r. Sentença no particular, razão pela qual merece reforma.
Por vértice diverso, e não menos importante, cumpre salientar que a reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017, modificou o §3º e introduziu o §4º no artigo 790 da CLT, estabelecendo parâmetro de rendimentos e passando-se a exigir a comprovação da insuficiência de recursos, o que sem dúvida alguma determina uma condição menos favorável ao trabalhador que busca a tutela do Poder Judiciário Trabalhista em relação à qualquer outra pessoa natural que busque a tutela jurisdicional do Estado em outras esferas do Poder Judiciário, pois o novo dispositivo celetário determina flagrante retrocesso social – mormente se observarmos as regras vigentes com a Lei Federal 1.060/1950 e, atualmente, com o Código de Processo Civil.
A previsão contida na Lei Federal 1.060/1950 considerava necessitada a pessoa cuja situação econômica não lhe permitisse pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família. O artigo 4º dessa norma estabelecia como requisito para a concessão da gratuidade da Justiça apenas a afirmação da parte nesse sentido na petição inicial. Havia assim, nítida presunção da veracidade da declaração de hipossuficiência.
Na mesma direção, o artigo 99 do Código de Processo Civil presume verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural, sem qualquer imposição de limite de rendimentos ou o que quer que o valha. Neste sentido, inclusive, cumpre relembrar que, com a entrada em vigor do novo CPC, o TST converteu a OJ 304 da SDI-1 na Súmula 463, com o seguinte teor:
SÚMULA Nº 463 DO TST
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-1, com alterações decorrentes do CPC de 2015) - Res. 219/2017, DEJT divulgado em 28, 29 e 30.06.2017 – republicada - DEJT divulgado em 12, 13 e 14.07.2017
I – A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015);
II – No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo.
Ou seja, a previsão do novo dispositivo celetário alterado pela reforma trabalhista implica – do ponto de vista do trabalhador, num nítido e absurdo retrocesso social – criado sobretudo para dificultar o acesso deste ao Poder Judiciário, afrontando claramente a disposição Constitucional do art. 7º.
Isso porque as disposições dos §§ 3º e 4º do art. 790 da CLT, inseridas pela Lei 13.467/2017 colidem com o disposto no art. 98 e ss. do CPC, conferindo, por mais inacreditável que pareça, tratamento mais gravoso ao litigante da Justiça do Trabalho em detrimento ao tratamento despendido ao litigante das Justiças Comum, Federal dentre os demais ramos do direito, o que é contrário até mesmo aos próprios fundamentos da existência da Justiça do Trabalho. Tal previsão, por cerro, configura afronta ao princípio magno da isonomia, insculpido no art. 5º da Constituição da República.
É sabido que o Direito do Trabalho se firmou como ramo autônomo do direito, dissociando-se do Direito Civil, especialmente em decorrência da desigualdade prevista nas relações jus trabalhistas que não permitiam a aplicação da lei civil como melhor solução jurídica a um ramo tão importante do Direito e de tamanha especificidade.
Ora, gratuidade de justiça é norma de direito material com repercussão em sede processual, portanto de natureza jurídica híbrida, de forma que comporta sua acessibilidade seja à luz do parágrafo único do art. 8º da CLT como pelo art. 769-CLT. Nesse passo, o que baliza a atuação do operador do direito quanto ao tema é a principiologia que lhe orbita e da qual se abebera.
Não há, na regra do art. 769-CLT, nada que obste a incidência da norma processual civil já referida, quanto aos aspectos processuais ali descritos, tampouco há, nos termos do art. 8º, § 1º, qualquer óbice de aplicação daquelas regras (de cunho material, diante da hibridez referida), ao contrário autoriza nos abeberarmos delas.
Ora, se vige no direito do trabalho o princípio da norma mais favorável, data venia, não há como se aplicar, no particular, a regra que seja menos favorável ao trabalhador, como fez o Tribunal Regional do Paraná.
Aprendemos em doutrina, jurisprudência e na vivência jurídica que, em sede de hierarquia de normas, subvertendo a pirâmide de Kelsen, na seara trabalhista, no topo, encontra-se a norma mais favorável. Princípio e conceito inseridos no art. 7º, caput, da Constituição da República quando determina: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.
Esse direito destacado no caput do art. 7º da Constituição Federal é fundamental e mais, é também inerente à condição humana operária, sendo ilegal e inconstitucional qualquer disposição que signifique seu retrocesso social, como é flagrantemente o caso de impor ao litigante na seara trabalhista, in casu o ora recorrente, a negativa do benefício postulado, ao opor uma condição mais gravosa para concessão do indigitado benefício da Justiça Gratuita com a aplicação do art. 790, §§ 3º e 4º da CLT reformada.
Isso porquanto o postulado da proibição do retrocesso social, implicitamente inserido na Constituição da República, cuja eficácia impede – considerada a sua própria razão de ser – sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão (caso das disposições anteriores, da Lei 1.060/1950 e do proprio CPC), que não pode ser despojado, por isso mesmo em matéria de direitos sociais, no plano das liberdades reais, dos níveis positivos de concretização por ele já atingidos.
Parafraseando J. J. Gomes Canotilho, a inconstitucionalidade dos §§ 3º e 4º do art. 790 da CLT se revela face à sua clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade de sua condição de pessoa humana, eis que o reconhecimento desta proteção de direitos, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico para o legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjetivamente alicerçadas, tendo em vista que a violação no núcleo essencial já efetivado justifica a sanção de insconstitucionalidade relativamente aniquiladora da chamada justiça social.
Assim, a nova regra, mormente por se tratar de norma inconstitucional, não pode ser aplicada isoladamente, como fez o E. Colegiado Regional, mas deve ser interpretada sistematicamente com as demais normas constantes da CLT, da Constituição da República e do CPC, pois não se pode atribuir ao trabalhador que postula na Justiça do Trabalho uma condição menos favorável e diversa do que a dirigida a qualquer outro cidadão que litigue perante a Justiça Comum, sob pena de afronta ao princípio da isonomia insculpido no art. 5º da Constituição da República, já que estaria sendo legitimada a aplicação de uma regra muito mais gravosa ao litigante trabalhista.
Eis porque entende-se que a decisão regional, ao aplicar os §§ 3º e 4º do art. 790 da CLT em desfavor do obreiro para negar-lhe o benefício da justiça gratuita implicou em flagrante afronta aos termos da Súmula 463 do C. TST, bem como implica em violação à Constituição da República, em seus arts. 5º e 7º, por desafiar os princípios da isonomia e do não retrocesso social ao impor condição mais gravosa ao trabalhador, eis que a mesma consabidamente não é exigida dos litigantes em outras esferas judiciais .
E ao impor condição mais gravosa, contrariando o princípio da isonomia, não conceder ao autor os benefícios da gratuidade de justiça é o mesmo que impedir, ainda que por via transversa, o amplo acesso ao Poder Judiciário, violando outra garantia fundamental de base constitucional.
Assevera-se que a interpretação sistemática que aqui se propugna coaduna-se ainda com a observância do princípio basilar da proteção ao trabalhador que imanta todo o sistema jus trabalhista.
Diante do exposto e daquilo que certamente será suprido pela inteligência e enorme cultura jurídica dos Senhores Ministros desta Superior Corte Trabalhista, requer o obreiro a reforma da decisão proferida pelo juízo de piso, de modo a reconhecer a violação aos princípios constitucionais invocados, bem como afronta à Súmula de Jurisprudência dessa Corte e, ao final, dar provimento ao presente recurso para conceder o benefício da Justiça Gratuita, deferindo a isenção das custas processuais.
3. DA AFRONTA À DISPOSITIVO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL E DO DISSENSO JURISPRUDENCIAL – INTERPRETAÇÃO DO CAPUT DO ARTIGO 62, II DA CLT – CUMPRIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO
Cabível a presente Revista, Excelências, diante da existência de flagrante afronta aos termos da legislação federal e dissenso jurisprudencial ambos em face da interpretação trazida pelo regional do Paraná quanto ao inciso II do art. 62 da CLT, a qual é dissonante da interpretação de outros tribunais regionais, bem como do próprio TST.
Como passa a ser demonstrado, há clara violação dos termos do disposto no art. 62, II da CLT, além de divergência jurisprudencial, notadamente naquilo que configura os caracteres que deveria ou não deter o reclamante, para que se reconheça cumprido o requisito subjetivo para seu enquadramento no exceptivo celetário em comento.
No caso vertente restou cabalmente comprovada (até mesmo reconhecida pelo Regional) a inexistência de amplos poderes de mando e gestão por parte do reclamante, tendo a C. ___ Turma do Tribunal Regional do Trabalho do UF entendido, mesmo assim, por reformar a decisão primeva e enquadrar o reclamante como ocupante de cargo de confiança.
Eis os termos do v. acórdão no particular, fls. 276/282:
Recurso da reclamada
a) cargo de confiança
O r. Julgador entendeu que o autor não estava enquadrado na exceção contida no art. 62, II, da CLT e condenou a reclamada ao pagamento de horas extras e reflexos, conforme os seguintes fundamentos:
Narra a exordial:
O reclamante laborou nas seguintes jornadas;
NO SEGUNDO TURNO de segunda-feira a sábado, sob jornada de trabalho média das 13h00 às 01h00, com apenas 40 minutos de intervalo para descanso e alimentação.
Neste mesmo período, labutou 1 domingo ao mês, bem como em feriados alternados, com a mesma jornada (do turno citado acima) e sem folga compensatória.
Postula o pagamento de horas extras, intervalos suprimidos, adicional noturno e reflexos.
Ao alegar, a reclamada, que o autor estava enquadrado na exceção do art. art. 62, II, CLT, atraiu para si o ônus dessa prova, nos termos do art. 818, CLT. E desse ônus não se desincumbiu já que nenhuma prova produziu a respeito.
Para poder enquadrar o autor nessa exceção, deveria existir uma fidúcia especial, superior em relação aos demais empregados, fazendo com que possuísse poderes de gestão, ou fosse um diretor (os termos constam do artigo celetário), atuando como se fosse o próprio empregador.
E não há qualquer documento nos autos, passível de corroborar a amparar a tese patronal.
A própria nomenclatura utilizada para a função exercida, "supervisor", não favorece a tese patronal.
Há que se observar, também, que os demonstrativos de pagamentos de salários não indicam pagamento algum a título de gratificação de função, tampouco revelam que seu salário era superior em, pelo menos, 40% aos demais empregados, o que contraria requisito objetivo fixado no parágrafo único, do art. 62, CLT.
Portanto, não demonstrada qualquer atividade ou poder exercido pelo reclamante que implicasse em reconhecimento de fidúcia especial que caracterizasse "cargo de gestão".
Não bastasse isso, o holerite do mês de julho/2017 revela o pagamento de horas extras, o que corrobora a tese do reclamante em relação à existência de controle sobre sua jornada e rechaça a tese de defesa.
Assim, tenho que o autor não estava enquadrado no art. 62, II, CLT.
E não vieram aos autos os controles de jornadas a que estava obrigada a ré a manter (art. 74, §2º, CLT). Em razão disso, inverteu-se o ônus quanto à prova da jornada, incumbindo à reclamada esse ônus, nos termos da Súmula 338, do E. TST.
Contudo, desse ônus não se desincumbiu, já que nenhuma prova produziu a respeito.
Assim, observados os horários alegados na inicial, confirmados em seu depoimento pessoal ("8. que era responsável pelo 2º turno, que funciona das 13h a pouco depois das 23h, trabalhando das 13h à 01h; 9. que fazia esse horário por motivo da troca de turno com outro supervisor; 10. que usufruía de 30/40 minutos de intervalo; 11. que os seus subordinados usufruíam de intervalo inferior a 1h mas não se recorda do tempo efetivo; 12. que trabalhava de de segunda a sábado, tendo laborado em dois domingos;"), tenho que o autor laborou nas seguintes jornadas:
- de segunda-feira a sábado, das 13h às 01h do dia seguinte, com 40 minutos de intervalo;
- um domingo por mês, das 13h às 01h do dia seguinte, com 40 minutos de intervalo.
Não existiram feriados durante o período trabalhado.
Não há que se falar em regime de compensação de jornadas, já que a constante prorrogação de jornadas impede o reconhecimento da intenção de qualquer compensação.
Assim, condeno a ré ao pagamento de horas extras, como tais:
- excedentes da 8ª diária e 40ª semanal (jornada que consta anotada no contrato de trabalho do autor), de forma não cumulativa;
- divisor 200;
- adicional convencional;
- deve ser observado o disposto na Súmula 264, do E. TST (quando a base de cálculo das horas extras deverá ser composta por todas as parcelas salariais que constarem dos demonstrativos/recibos de pagamentos).
Inexiste previsão legal, normativa ou contratual para considerar como extra as excedentes da 7ªh20min.
Os domingos (art. 67, CLT) laborados devem ser remunerados com adicional convencional de 100% até o limite de 8 horas e de 150% as excedentes.
O autor usufruía intervalos intrajornadas inferiores ao mínimo legal. Esse intervalo decorre de norma de ordem pública já que visa, com o descanso e alimentação do empregado - com a reposição física e mental -, a garantia da redução dos riscos ambientais inerentes ao trabalho e a própria saúde do trabalhador (art. 7º, XXII c/c art. 196, CR).
Ademais, a lei só permitia a sua flexibilização, à época (03/07 a 15/08/2017), mediante ato do Ministério do Trabalho, não se tratando de matéria que fosse passível, à época, de normatização pela vontade das partes, ainda que por intermédio de Convenção Coletiva.
Assim, esses intervalos não usufruídos regularmente, considerando como tais, 1 hora (art. 71, CLT) por dia de trabalho, devem ser remunerados como extraordinários (por laborados em período destinado ao descanso e, portanto, com natureza salarial), com o adicional legal (50%), aplicando-se em analogia, o disposto no § 4º do art. 71 da CLT, corroborado com o texto da Súmula 437, do E. TST.
Os intervalos interjornadas não foram violados.
As horas extras, incluindo os intervalos violados, ante a natureza salarial e a habitualidade, geram reflexos em férias e 1/3, 13º salários, RSRs e FGTS, observado que o término do contrato ocorreu por rescisão antecipada do contrato de experiência.
Os RSRs não se somam às horas extras para gerar reflexos (OJ 394, SDI-1, do E. TST).
Autorizo a dedução de valores pagos a mesmo título, de forma global.
Adicional noturno:
Como o autor laborava, também, no período noturno, faz jus ao adicional noturno legal de 20% relativamente às horas laboradas durante esse horário, devendo ser observada a redução da hora noturna (art. 53, § 1º, CLT). O adicional noturno integra os salários do autor, gerando os mesmos reflexos das horas extras.
Acolho, nesses termos.
A reclamada renova a alegação de que o autor exercia função de confiança, atuando como supervisor de produção, sendo responsável por aproximadamente 80 subordinados, com poderes de mando e gestão com sua equipe, sendo o gestor de sua equipe, recebendo seus atestados, conversando com seus subordinados em caso de descumprimento das normas de segurança do trabalho, podendo adverti-los.
Afirma que o cargo de confiança previsto no art. 62, II, da CLT, não exige poderes absolutos para sua configuração, tampouco exige o posto máximo com atribuições padronizadas, como admitir ou demitir empregados, mas o simples comando de departamentos ou filiais, com uma certa subordinação, inclusive.
Alega que "a exceção do artigo 62, II da CLT não significa a ausência de horário de trabalho por parte do empregado, mas sim a ausência do direito à jornada normal mínima ou de remuneração de horas como extraordinárias, pelo que eventual pagamento de algumas horas extras, por mera liberalidade da empresa, não teria o condão de transmudar a efetiva natureza do cargo." Disse que o autor foi contratado para laborar 40h semanais e 200h mensais e, "somente há trabalho aos sábados quando há produção. Assim, quando a equipe do obreiro trabalho no sábado, a Recorrente por liberalidade, fez o pagamento deste dia como horas extras, contudo, não há qualquer controle de jornada".
Destaca ser desnecessário o pagamento de gratificação de função de 40%, já que o parágrafo único do art. 62 da CLT prevê como faculdade do empregador discriminar a gratificação ao detentor de cargo de confiança, bem como a remuneração paga ao autor superava o percentual de 40% do piso da categoria.
Postula seja enquadrado o autor nas disposições contidas no art. 62, II, da CLT e excluída a condenação em horas extras e reflexos. Sucessivamente, afirma que a jornada indicada pelo reclamante não corresponde à realidade, já que se mostra excessivo o tempo de 2h para troca de turno, como alegado pelo autor, tanto na entrada como na saída. Afirma que o autor não provou que trabalho em domingos, requerendo, ainda, que a condenação do intervalo intrajornada se dê pelo tempo remanescente para completar 1h e não em sua totalidade, reconhecendo-se sua natureza indenizatória.
Assiste-lhe razão.
Nos termos do art. 62, II, da CLT, não se submetem a controle de jornada de trabalho "os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial". O parágrafo único, desse mesmo artigo, regula: "o regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento)".
Assim, considerando que a regra é a submissão do empregado à jornada pré-determinada de trabalho (art. 58 da CLT), mediante controle administrado pelo empregador (art. 74 da CLT), para que se configure a exceção prevista no art. 62, II, da CLT, não basta a ausência de controle de jornada, deve-se demonstrar que o empregado detém confiança diferenciada dos demais empregados por parte de seu empregador (requisito subjetivo), circunstância esta que se infere do conteúdo ocupacional e das atribuições do trabalhador, bem como que o salário do ocupante do cargo de confiança seja 40% superior ao recebido pelo ocupante de cargo efetivo ou pelo seu subordinado imediato (requisito objetivo) nos termos do parágrafo único do art. 62 CLT.
O marco diferenciador entre as duas espécies de empregado vem a residir num quadro típico de fidúcia acima da média que ordinariamente caracteriza todas as relações entre empregado e empregador. Tal quadro exterioriza-se sob várias vertentes, como na autonomia da atuação do empregado, nas medidas diretivas que são tomadas no cotidiano do trabalho, no cunho decisório externado nas opções importantes que se apresentam ao empregado e nas quais fica patente uma certa substituição do próprio empregador.
O exercente de cargo de confiança, segundo Délio Maranhão "(...) é um empregado como outro qualquer, mas que, dada a natureza da função desempenhada, em que o elemento fiduciário, existente em todo o contrato de trabalho, assume especial relevo, não se beneficia da proteção legal com a mesma amplitude dos demais empregados" (SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 316).
A prova desses elementos incumbe ao empregador, nos termos do art. 818, II, da CLT e 373, II, do CPC, porquanto se trate de fato impeditivo do direito do autor de receber as horas extras.
Respeitado o entendimento de origem, de que a ré não teria produzido prova a esse respeito ("Contudo, desse ônus não se desincumbiu, já que nenhuma prova produziu a respeito", no caso há a confissão expressa do autor extraída do seu depoimento pessoal, que embora não citada em sentença, não deixa qualquer dúvida sobre a real condição em que o trabalho era exercido, qual seja, mediante efetivo cargo de confiança.
A confissão, como cediço, é a rainha das provas, e nem mesmo eventual prova testemunhal em sentido diverso, caso houvesse, eliminaria o conteúdo revelado pelo próprio autor em depoimento, que lhe é inteiramente desfavorável. Atingido, pois, o objetivo do depoimento pessoal da parte, que é a extração da confissão, não podendo esta ser simplesmente ignorada no momento da valoração das provas.
Iniciando pelo requisito subjetivo (fidúcia especial), embora não tenham sido ouvidas testemunhas, tampouco o preposto da ré, ouvido o reclamante foi ouvido, seu depoimento teve o seguinte teor (fl. 200):
Depoimento pessoal do(a) reclamante: PERGUNTAS DO JUÍZO QUANTO AO ITEM JORNADA/CARGO DE CONFIANÇA: 1. que eram cerca de 80 subordinados ao reclamante na linha de montagem; 2. que não possuía poderes para despedir ou punir empregados; 3. que acredita que não possuía poderes para alterar turnos de trabalho de empregados; 4. que estava subordinado ao chefe de produção Informação Omitida; REPERGUNTAS DA RECLAMADA: 5. que não podia punir operadores que não estava utilizando EPIs, podendo conversar com ele a respeito apenas; 6. que recebia atestados médicos dos operadores sênior no caso de falta destes; 7. que não fazia entrevistas para contratação nem para aumento por mérito; 8. que era responsável pelo 2º turno, que funciona das 13h a pouco depois das 23h, trabalhando das 13h à 01h; 9. que fazia esse horário por motivo da troca de turno com outro supervisor; 10. que usufruía de 30/40 minutos de intervalo; 11. que os seus subordinados usufruíam de intervalo inferior a 1h mas não se recorda do tempo efetivo; 12. que trabalhava de de segunda a sábado, tendo laborado em dois domingos. (destaquei).
Suficiente, por si só, o depoimento do autor para bem delinear seu cargo na ré, bem assim, dimensionar a fidúcia - elevada - de que ele dispunha, já que possuía um alto número de subordinados, 80 (oitenta), que a ele se reportavam e sobre quem o reclamante exercia seu comando, mesmo que tenha afirmado não ter poderes de demissão e admissão.
Apenas o fato do reclamante comandar uma equipe com 80 pessoas já caracteriza a fidúcia, não sendo necessários poderes amplos de gestão, com atuação no sentido de substituir seu próprio empregador.
Ainda, o reclamante deixou claro que estava subordinado, apenas, ao chefe de produção e orientava seus subordinados sobre o uso de EPIs, por exemplo.
Ora, questiona-se por qual motivo o reclamante se reconhece, já desde a inicial, supervisor de 80 empregados que a ele estavam subordinado, conforme reconheceu em seu depoimento, tanto que na petição inicial mencionou ter sido contratado pela ré "por possuir grande conhecimento da área metalúrgica e pelo histórico profissional", "exercendo com eficácia o oficio de supervisão", mas em seu depoimento pessoal tenta descaracterizar sua atuação como supervisor? Ademais, o reclamante apenas "acredita" que não poderia alterar turnos de trabalho dos seus subordinados.
Importante, ainda, deixar claro que o autor laborou de 03/07/2017 a 15/08/2017, sendo razoável que em tão curto espaço de tempo não pudesse ter exercido, em sua plenitude, o cargo de supervisor para o qual foi contratado, como a realização de entrevistas de admissão, por exemplo.
No que se refere ao requisito objetivo, os recibos de pagamento do reclamante, de fato, não demonstram o recebimento separado de "salário normal" e de "gratificação de função". Contudo, o autor foi contratado para o cargo de Supervisor de Produção, em 03/07/2017, com salário de R$ 5.398,00 por mês (fl).
Assim, apesar da inexistência de pagamento de gratificação de função, releva notar que o parágrafo único do art. 62 da CLT, de forma cristalina, rege a questão por meio da expressão "se houver".
A rigor, na lei foi fixado um percentual mínimo para a gratificação, se houver, isto é, se o empregador entender que deve fazer distinção entre o empregado que ocupa cargo de confiança e os demais. Ou seja, não há a obrigatoriedade de conceder a gratificação, nem essa se constitui em requisito essencial para a configuração do cargo de confiança em questão.
A remuneração recebida pelo autor, conforme acima informado, coaduna-se com a função exercida, pois recebia um padrão remuneratório bastante elevado e muito acima da média dos empregados em geral, que era de R$ 2.866,00 (CCT 2017/2018 - fl. 124), o que dispensa o pagamento de gratificação de função.
Logo, preenchidos os requisito legais do art. 62, II, não há o que se falar em pagamento de horas extras, violação de intervalo intrajornada e reflexos daí decorrentes.
Não se alegue que houve violação ao ônus da prova, porquanto, dos próprios termos da petição inicial e do depoimento do reclamante se extrai o exercício do cargo de confiança, ainda que a reclamada não tenha ouvido testemunhas em Juízo a fim de confirmar os termos da defesa.
Nesse cenário, se o autor orientava seus subordinados sobre como realizar os trabalho, orientava sobre o uso de equipamentos de proteção, recebia seus atestados, afora que foi contratado para o cargo de supervisor, com remuneração condizente ao cargo, por óbvio, se verifica a detenção, pelo reclamante, de fidúcia especial capaz de enquadrá-lo na exceção do art. 62, II, da CLT.
Do mesmo modo, o pagamento, isolado, de 12h extras no mês de julho/2017 (recibo, fl. 118) não tem o condão de confirmar que o reclamante estava submetido a controle de jornada ou que tal quitação lhe retirou o exercício de cargo de confiança. Trata-se de uma circunstância excepcional e que, por força do princípio da primazia da realidade, não pode, por si só, eliminar …