Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CRIMINAL DA COMARCA DA $[PROCESSO_COMARCA]/$[PROCESSO_UF]
Ref. Proc. nº. $[processo_numero_cnj]
$[parte_autor_nome_completo] já qualificado nos autos da AÇÃO PENAL enunciada, que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO $[processo_estado], vem por sua advogada constituída neste momento, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, nos autos do processo crime em epígrafe, ciente da sentença condenatória, interpor, no prazo legal, o presente:
Recurso de Apelação
por força do artigo 593, inciso I, do Código de Processo Penal, combinado com o artigo 128, inciso I, da Lei Complementar nº 80 de 12.01.94, eis encontrar-se desavindo, resignado e inconformado o apontado decisum, que lhe foi prejudicial e adverso.
I.- Recebimento da presente peça, com as razões que lhe emprestam lastro, franqueando-se a contradita ao ilustre integrante do parquet, remetendo-o, após ao Tribunal Superior, para a devida e necessária reapreciação da matéria alvo de férreo litígio.
$[advogado_cidade], $[geral_data_extenso].
$[advogado_assinatura].
RAZÕES DE RECURSO DE APELAÇÃO
Ref. Proc. nº. $[processo_numero_cnj]
Recorrente: Ministério Público
Recorrido: $[parte_autor_nome_completo]
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA;
COLENDA CÂMARA;
DOUTO PROCURADOR DE JUSTIÇA.
O Juízo a quo julgou parcialmente procedente a presente ação, condenando o réu à pena de 03 anos e 06 meses de reclusão, mais o pagamento de 15 (dez) dias-multa, por incurso no artigo 14, da Lei nº 10.826/03. Tal pena foi substituída por duas penas restritivas de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade por igual período.
De acordo com a sentença condenatória, a autoria e a materialidade do delito restaram comprovadas pelas provas produzidas.
Em que pese o conhecimento jurídico do Juízo prolator da sentença, vê-se que não decidiu com acerto, fazendo-se necessária a reforma da decisão de 1º Grau. É o que se passa a demonstrar.
1. DO BREVE RELATO DOS FATOS
A persecução penal contra o acusado cinge-se a imputação do crime de porte ilegal de arma. Consta na peça acusatória que policiais militares adentraram dentro de um imóvel na comunidade, e que o acusado estaria dormindo, e que estava enrolada num casaco, arma.
No entanto o acusado ao ser interrogado, afirmou que veio de $[geral_informacao_generica], para uma festa, encontrar com sua namorada, e que após esta festa pediu uma amiga, que pudesse dormir no quarto dela, e que no dia seguinte iria, embora, e que foi acordado por policiais, dizendo que as armas seriam dele, como em seu interrogatório, o mesmo contou toda a verdade pra juíza, que não sabe de arma nenhuma, que nunca pegou numa arma, que infelizmente estava no local errado e na hora errada.
Também afirma a Juíza, que os policiais não perguntaram nada para ele, e que não viu se quer eles vasculhando quarto e encontrando armas.
Que só tomou conhecimento das armas na delegacia.
Após ser citado, o acusado, via defesa, apresentou sua resposta preliminar no sentido da negativa de autoria e de sua primariedade. Na fase de instrução criminal todas as testemunhas afirmaram que não tinha conhecimento de que um deles estaria armado, e que não estavam juntos, onde o réu foi preso. Em seguida interrogado, o acusado negou qualquer porte de arma. Finda a audiência una, o MM Juiz deu vista as partes para apresentarem os memoriais por escrito.
I. Da insuficiência probatória e da consequente necessidade de absolvição do réu
Em juízo, sob o manto do contraditório e da ampla defesa, o acusado negou com veemência a prática delitiva, afirmando que estava dormindo num quarto de uma amiga, quando os policias chegaram acordando o mesmo, que não lhe foi mostrado arma nenhuma, apenas quando chegou na delegacia, então com o mesmo nenhuma munição foi encontrada, tampouco algum tipo de arma de fogo ou munição.
Como é cediço, a Constituição Federal garante a presunção de inocência, de tal sorte que se faz mister um conjunto probatório harmonioso e robusto para a imposição de um édito condenatório.
A dúvida deve levar, necessariamente, à absolvição, em apreço à constitucional presunção de inocência, a menos que haja robusto conjunto probatório a elidi-la. Não é o que ocorre nos autos.
DEPOIMENTO DOS POLICIAIS
Apenas os policiais afirmaram que encontraram o mesmo dormindo, e encontraram a arma dentro de um casaco, enrolada, ou seja, o que se afirma que a arma não era do mesmo, e nem mesmo em sua posse estava.
De acordo os depoimentos colhidos em Juízo, conclui-se que nem as provas trazidas pelo policial, conclui que o mesmo não estava portando nenhuma arma, e tampouco municao, a palavra dos agentes policiais não é apta a ensejar uma condenação.
Com efeito, a palavra policial não pode servir de sustentáculo para um grave édito condenatório. Neste sentido:
“Por outro lado, é de bom senso e cautela que o magistrado dê valor relativo ao depoimento, pois a autoridade policial, naturalmente, vincula-se ao que produziu investigando o delito, podendo não ter a isenção dispensável para narrar os fatos, sem uma forte dose de interpretação. Outros policiais também podem ser arrolados como testemunhas, o que, via de regra, ocorre com aqueles que efetuaram a prisão em flagrante. Nesse caso, podem narrar importantes fatos, embora não deva o juiz olvidar que eles podem estar emocionalmente vinculados à prisão que realizaram, pretendendo validá-la e consolidar o efeito de suas atividades. Cabe, pois, especial atenção para a avaliação da prova e sua força como meio de prova totalmente isento” (Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 2ª edição. São Paulo, RT, 2003, p.)
Neste sentido, ainda, o entendimento jurisprudencial:
“Por mais idôneo que seja o policial, por mais honesto e correto, se participou da diligência, servindo de testemunha, no fundo está procurando legitimar sua própria conduta, o que juridicamente não é admissível. A legitimidade de tais depoimentos surge, pois, com a corroboração por testemunhas estranhas aos quadros policiais”. (TACRIM 135.747).
“A principal função da Polícia, na repressão criminal, não é testemunhar fatos, mas antes oferecer elementos de convicção que sustentem a acusação pública. Entender o contrário e partir da presunção de autenticidade dos depoimentos policiais, sem outras provas concludentes, é desnaturar o princípio do contraditório e inverter o princípio da inocência presumida. Pois que ao réu, obviamente, não se há de exigir que prove sua inocência.” (TJSP – AP – Rel. Andrade Vilhena – RT 429/385).
Este é todo o conjunto probatório produzido contra o apelante, sendo patente sua fragilidade, visto que não reúne elementos de certeza que autorizem a prolação de um decreto condenatório. E a dúvida, resultado da insuficiência de provas, deve ser sempre interpretada em benefício do réu, princípio basilar da seara penal, como aponta a jurisprudência:
“Sentença absolutória. Para a condenação do réu a prova há de ser plena e convincente ao passo que para a absolvição basta a dúvida, consagrando-se o princípio do in dubio pro reo, contido no artigo 386, VI, do CPP.” (JTACrim 72/26 – Rel. Álvaro Cury).
"(...) INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA CONDENAÇÃO — DÚVIDA — ABSOLVIÇÃO DECRETADA (386, VI, CPP) No processo criminal, máxime para condenação, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a autoria, não bastando a alta probabilidade na consciência do julgador, sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio" (Ap. Crim. n. 29.991, da Capital, j. em 16.08.93).
“Não pode haver condenação sem prova plena do crime e de sua autoria. Indícios, ainda que veementes, desautorizam-na" (RT 181/89)
Desta forma, a manifesta insuficiência probatória deve levar, imprescindivelmente, à absolvição do acusado pelo crime de porte ilegal de arma de fogo, conforme previsão do Código de Processo Penal, artigo 386, inciso VII.
II. DO ESTADO DE NECESSIDADE A GERAR A EXCLUSÃO DA ILICITUDE DO FATO TIDO POR CRIMINOSO
O acusado em seu depoimento alega que não tinha conhecimento da arma, e que apenas, dormiu na casa de uma amiga, e que os policiais o acordaram, e que não tinha nenhuma ciência de que algum estava armado.
III. Da atipicidade
No caso em apreço, caso entenda-se que o denunciado, de fato, estivesse portando a arma, ou munições, deve-se reconhecer a atipicidade da conduta.
Não foi encontrada nenhuma arma em poder do apelante, sendo impossível que ele pudesse utilizar as munições apreendidas. Dessa forma, não houve nenhum perigo à sociedade ou à incolumidade pública e tampouco foi verificada a ofensividade exigida pelo tipo de modo a ensejar um édito condenatório.
Arma que não seja idônea, nas circunstâncias concretas em que encontrada ou utilizada, para efetuar disparos não reúne a ofensividade exigida pelo tipo e por um Direito Penal Democrático.
No mesmo diapasão, a mera apreensão de uma pessoa sem que esta esteja amada, sem que se constate a proximidade de uma arma compatível com ela, não apresenta qualquer lesividade à incolumidade pública.
Aliás, é meio absolutamente ineficaz ou exemplo de crime impossível, nos termos do artigo 17 do Código Penal, o porte de arma ou de munição que, nas condições em que se encontrava, não poderia gerar o risco de disparos. Pode configurar infração administrativa, mas nunca crime.
Ocorre que a criminalização do porte de arma de fogo não tem como fundamento o poder de intimidação ou a possibilidade eventual de fomento do comércio ilegal, mas sim, apenas sua potencialidade lesiva.
Qualquer conduta, para criar um risco proibido relevante, nos termos da incriminação mencionada, deve reunir duas condições, a saber: i) eficácia da arma ou da munição e ii) disponibilidade de uso imediato da arma ou da munição, segundo sua finalidade.
O resultado da soma dessas duas categorias consiste na ofensa típica a um bem jurídico supraindividual.
Para a punibilidade dos delitos de posse, torna-se imprescindível a constatação efetiva de um risco proibido relevante na posse do objeto material da conduta. Do contrário, haveria outra etapa de antecipação da tutela penal e desse modo, chegaríamos e um “perigo de perigo de lesão a bem jurídico”, o que, por óbvio, é inadmissível frente à demanda de fragmentariedade e subsidiariedade que contornam o direito penal.
Existem, na verdade, três grandes fases do processo de materialização da disponibilidade (no caso da arma de fogo ou munição): i) a arma ou munição deve ser apta para o uso; ii) o objeto material deve ser levado de maneira que possa ser utilizado; iii) segundo sua natureza específica.
Uma vez constatada a disponibilidade sobre o objeto, segundo esses requisitos, é que surgem condições para que se materialize a ofensividade exigida pelo aspecto material da tipicidade.
Assim, não é coerente afirmar que o simples fato de uma pessoa ter em seu poder uma arma desmuniciada ou munição sem arma próxima possa constituir um delito. Ou seja, o simples fato de o agente não haver registrado a arma ou não ter permissão para portar a munição não justifica a imposição de uma sanção penal, já que não se constata um perigo imediato de lesão a qualquer bem jurídico.
Ainda que a arma desmuniciada ou a munição isolada sejam, em tese, aptas para o uso, não reúnem condições de uso imediato segundo suas naturezas específicas.
De fato, o direito penal não pode se preocupar com condutas que sequer geram dano em abstrato à sociedade, ou seja, pelo fato da arma desmuniciada ou da munição isolada não poderem ser utilizadas sozinhas para efetuar disparos, não podem provocar danos imediatamente, não havendo tipicidade material, sendo que a conduta do paciente é atípica. Nesse sentido:
“No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica” (STF, RHC 81057, Min. Rel. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. 25.05.2004)
Portanto, o raciocínio da atipicidade da conduta no que se refere à arma de fogo desmuniciada se aplica no caso em que são encontradas munições sem que tivesse sido apreendida nenhuma arma, vez que, em ambos os casos, não há qualquer lesão ao bem jurídico tutelado, razão pela qual o apelante deve ser absolvido pela atipicidade da conduta com fulcro no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.
2 – DO DIREITO
O delito de porte ilegal de arma de fogo está previsto na Lei 10.826/2003 no art. 14, que assim dispõe:
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pois bem, no compulsar dos autos desde a fase do inquérito policial, percebe-se que a verdade dos fatos é no sentido de que a conduta do ora acusado não se compatibiliza com a figura típica do delito acima, posto que o mesmo não é proprietário de arma de fogo, bem como, pelo fato de que com ele não …