Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, propor a presente
AÇÃO COMINATÓRIA C/C PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
contra $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo] em razão das justificativas de ordem fática e de direito, abaixo evidenciadas.
INTROITO
( a ) Benefícios da justiça gratuita (CPC, art. 98, caput)
A parte Autora não tem condições de arcar com as despesas do processo, uma vez que são insuficientes seus recursos financeiros para pagar todas as despesas processuais, inclusive o recolhimento das custas iniciais.
Destarte, formula pleito de gratuidade da justiça, o que faz por declaração de seu patrono, sob a égide do art. 99, § 4º c/c 105, in fine, ambos do CPC, quando tal prerrogativa se encontra inserta no instrumento procuratório acostado.
( b ) Quanto à audiência de conciliação (CPC, art. 319, inc. VII)
Opta-se pela realização de audiência conciliatória (CPC, art. 319, inc. VII), razão qual requer a citação da Promovida, por carta (CPC, art. 247, caput) para comparecer à audiência designada para essa finalidade (CPC, art. 334, caput c/c § 5º), antes, porém, avaliando-se o pleito de tutela de urgência aqui almejada.
( c ) Prioridade na tramitação do processo (CPC, art. 1.048, inc. I)
Em face do que dispõe o Código de Processo Civil, assevera aquele que é portador de doença grave – documento comprobatório anexo --, fazendo jus, portanto, à prioridade na tramitação do presente processo, o que de logo assim o requer. (doc. 01)
I - CONSIDERAÇÕES FÁTICAS
O Promovente mantém vínculo contratual de assistência de saúde com a Ré, desde $[geral_informacao_generica], cujo contrato e carteira de convênio seguem anexos (docs. 03/04).
Sofrera acidente automobilístico no dia$[geral_informacao_generica], vindo a sofrer graves sequelas. Hospitalizado, necessita, COM URGÊNCIA, de correção cirúrgica imediata para reparar uma de suas pernas. Esse fato, lamentável, fora ocasionado pela ruptura de osso femural.
A corroborar esses argumentos, traz à colação exames, obtidos junto ao Hospital $[geral_informacao_generica] e no Laboratório $[geral_informacao_generica], os quais relatam, sobretudo, comprometimento clínico daquele. (docs. 05/06)
Há, igualmente, declaração expressa de seu médico-cirurgião, na hipótese o Dr. $[geral_informacao_generica] (CRM/PR nº $[geral_informacao_generica]), requisitando a pronta intervenção cirúrgica e, mais, uma prótese total coxo femural tipo D ( doc. 07).
No caso, expressou o cirurgião na declaração supra que:
“ Solicito: prótese total coxo femural D
Justificativa: Paciente vítima de acidente necessitando de reparação do osso femural, rompido em acidente automobilístico. (. . . ). “ ( destacamos )
Como se percebe, a situação clínica do Autor é grave, e reclama procedimento cirúrgico de imediato.
Diante disso, procurou-se a Ré para autorizar o procedimento cirúrgico, com o fornecimento, diante da solicitação prévia do médico-cirurgião, da prótese femural. Ao chegar à Empresa $[geral_informacao_generica], ora Ré, o pleito de fornecimento do material, supra-aludido, fora indeferido. Argumentara que não haveria cobertura contratual para isso. Acrescentou, ainda, que existia cláusula expressa vedando a concessão de prótese.
Aqui, e expressamos com profundo pesar, estamos diante de dois valores:
o valor da vida em debate diante dos custos de um procedimento cirúrgico, ou, em última análise, o lucro do plano de saúde.
É absurdo, vergonhoso, asseverar-se isso. Mas é o que se evidencia, lamentavelmente, do quadro fático encontrado nesta exordial.
II - DO DIREITO
A recusa da Ré é alicerçada no que expressa a cláusula 8.1.7 do contrato em referência, que assim reza (doc. 03):
“CLÁUSULA 8 – CONDIÇÕES NÃO COBERTAS PELO CONTRATO
8.1. Estão excluídas da cobertura deste plano, tenha ou não havido internação hospitalar, as despesas decorrentes de:
8.1.7) Fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios, de qualquer natureza. “
Porém, tal conduta não tem abrigo legal.
A prótese reclamada não poderia ser negada pela Ré. A exclusão da cobertura do implante de próteses, órteses e seus acessórios, ligadas ao ato cirúrgico, acha-se vedada a partir da Lei 9.656/98 (art. 10, VII), que dispõe sobre os planos e seguros privados de saúde, ad litteram:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
( . . . )
VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Destacando-se que a cláusula é dúbia, colacionamos, no plano da doutrina, a obra "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto", da qual se extrai a seguinte lição:
"O código exige que a redação das cláusulas contratuais seja feita de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor para que a obrigação por ele assumida para com o fornecedor possa ser exigível.
O cuidado que se deve ter na redação das cláusulas contratuais, especialmente das cláusulas contratuais gerais que precedem futuro contrato de adesão, compreende a necessidade de desenvolver-se a redação na linguagem direta, cuja lógica facilita sobremodo sua compreensão. De outra parte, deve-se evitar, tanto quanto possível, a utilização de termos lingüísticos muito elevados, expressões técnicas não usuais e palavras em outros idiomas.
(...)
"É preciso também que o sentido das cláusulas seja claro e de fácil compreensão. Do contrário, não haverá exigibilidade do comando emergente dessa cláusula, desonerando-se da obrigação o consumidor." (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 557-558. “ Comentários de Nelson Nery Júnior ao artigo 46).
Sabendo-se que a implantação da prótese está intrinsecamente ligada ao ato cirúrgico, deve ser considerada abusiva a conduta do plano de saúde.
Sem sombra de dúvidas, como dito, há extremada dubiedade na mens legis contratualis, que se objetiva no contrato, na medida em que, neste caso, haveria notório confronto à disciplina da Código Consumerista:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
( . . . )
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 47 - As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
( . . . )
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
( . . . )
§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
( . . . )
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
É consabido que as cláusulas contratuais, atinentes aos planos de saúde, devem ser interpretadas em conjunto com as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Máxime, de sorte a alcançar os fins sociais preconizados na Constituição Federal.
Por apropriado, destacamos que o contrato em liça é albergado pela interpretação do Código de Defesa do Consumidor:
STJ, Súmula nº 469 - Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.
No ponto, de bom alvitre revelar o magistério de Cláudia Lima Marques, quando professa, verbo ad verbum:
A evolução da jurisprudência culminou com a consolidação jurisprudencial de que este contrato possui uma função social muito específica, toca diretamente direitos fundamentais, daí ser sua elaboração limitada pela função, pela colisão de direitos fundamentais, que leva a optar pelo direito à vida e à saúde e não aos interesses econômicos em jogo. Como ensina o STJ: “A exclusão de cobertura de determinando procedimento médico/hospitalar, quando essencial para garantir a saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a finalidade básica do contrato. 4. Saúde é direito constitucionalmente assegurado, de relevância social e individual.” (REsp 183.719/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 18/09/2008, DJe 13/10/2008). (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6ª Ed. São Paulo: RT, 2011, pp. 1028-1029)
Por essas razões, a negativa de colocação da prótese atenta contra a boa-fé objetiva, à função social do serviço prestado, à dignidade da pessoa humana, princípios fundamentais esses expressos na CF/88.
Não fosse isso o bastante, de acordo com o Código Civil, a lei vem para limitar a autonomia de vontade, tendo o Estado um papel de intervencionismo cada vez maior nas relações contratuais. Desse modo, mister ser levado em consideração os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.
A bem da verdade, a Ré, ao tomar essa medida de recusa, abusiva, odiosa, negando o fornecimento de prótese, em razão do fator preço, coisificou a vida como objeto.
A nossa Carta Política exalta o princípio da dignidade humana (CF, art. 1º, inc. III), no qual se destaca que não se pode fazer a redução do homem à condição de mero objeto.
Aqui, estamos diante de um tríplice cenário, ou seja: concernentes às prerrogativas constitucionais do cidadão, à limitação da autonomia de vontade e à veneração dos direitos da personalidade.
Ademais, versa o art. 196 da Constituição Federal que:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Com efeito, extrai-se da leitura do texto acima, que o direito à saúde, o direito à própria vida com qualidade, dignidade, consubstancia direito fundamental inerente a todo ser humano. Assim, não se pode ficar à mercê de meros interesses econômicos-financeiros, de cunho lucrativo.
O entendimento jurisprudencial solidificado é uníssono em acomodar-se à pretensão, senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL.
Plano de saúde. Ação cominatório. Pleito fundado em negativa de cobertura de prótese peniana Coloplast Titan OTR 3 Volumes. Sentença de procedência. Apelo da demandada. Indicação médica para a prótese almejada. Cláusula contratual abusiva. Conduta da ré ofensiva às normas do Código de Defesa do Consumidor e à legítima expectativa do beneficiário do plano de saúde. Manutenção da r. Sentença por seus próprios fundamentos, nos termos do artigo 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça. Precedentes …