Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, propor a presente
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO, DANOS MORAIS E TUTELA ANTECIPADA
Em face de $[parte_reu_nome_completo], $[parte_reu_nacionalidade], $[parte_reu_estado_civil], $[parte_reu_profissao], inscrito no $[parte_reu_cpf] e $[parte_reu_rg], residente e domiciliado na $[parte_reu_endereco_completo], pelos seguintes fatos e fundamentos.
1. DOS FATOS
1.1. Do negócio jurídico subjacente havido entre os litigantes
A autora, em meados do ano de 2011, tomou empréstimo pessoal com o réu na quantia de R$ 1.500,00 na forma de mútuo feneratício. O referido negócio jurídico não foi formalizado, tendo sido feito apenas verbalmente.
Não houve acerto entre os litigantes com relação ao prazo para pagamento do empréstimo, tampouco sobre o montante de juros remuneratórios que o mutuário receberia. Entretanto, logo no mês seguinte a tomada do empréstimo, a autora começou a abater a dívida, depositando valores regularmente na conta do réu. (OUT8 e OUT9)
Ocorre que, ao longo do tempo, a autora sofreu diversas ameaças do réu, que por sua vez, alegava que possuía um título executivo extrajudicial em branco em nome da autora, e que no eventual inadimplemento da dívida originária, iria ingressar na Justiça cobrando-lhe o referido título e lhe usurparia todo seu patrimônio.
Entretanto, a autora não tem conhecimento de ter entregado ao réu qualquer título executivo, seja cheque, nota promissória ou qualquer documento desta natureza, mas, no entanto, diante do receio de que fosse vítima de qualquer achaque, continuou com os pagamentos que atualmente já perfazem o montante de R$ 15.870,00. (OUT7)
A atitude abusiva derradeira do réu, se professou em 15.06.2021, quando chamou a autora para comparecer em uma reunião no escritório de advocacia de seu irmão, e lá, proferiu-lhe diversas ameaças no sentido de que executaria o suposto título executivo que era portador, caso a autora não pagasse a absurda quantia de 95 mil reais.
Da referida ocasião, a autora registrou boletim de ocorrência por ameaça e agiotagem, cujo registro foi instado sob o n° $[geral_informacao_generica] e compõe o arcabouço probatório da presente demanda. (OUT6)
Nesse contexto, tendo a autora, não só adimplido a dívida, mas ter pagado valores excedentes, busca pela tutela do Poder Judiciário para que declare a inexistência do débito e condene o réu à devolução dos valores pagos em excesso.
2. DO DIREITO
2.1. Da prática da agiotagem
O réu se aproveitou das circunstâncias aflitivas em que se encontrava a autora, e, com isso, ofertou empréstimo no intuito de obter vantagem econômica por meio dos juros abusivos cobrados sobre a dívida em dinheiro, juros esses excessivamente superiores à taxa permitida por Lei, ocasionando grave dano individual à autora, que foi vítima desse assédio.
O réu assim agiu em uma situação de desespero econômico contra a autora, praticando atos e simulações tendentes a ocultar a verdadeira taxa de juros, para o fim de sujeitar a autora a maiores prestações ou encargos, muito além do razoável permitido dentro do negócio subjacente.
Importante destacar que a dívida originária de R$ 1.500,00, já gerou débitos de quase 16 mil reais e que, para sua quitação, o réu exigiu o pagamento de 95 mil reais.
Portanto, inconteste que o réu está incorrendo na prática de agiotagem, pois, inclusive chegou ao extremo de ameaçar a autora em caso de falta de pagamento. Ademais, a exigência de pagamento de valor surreal que o réu vem impondo, torna a autora uma “eterna pagadora”, prática característica da agiotagem.
A agiotagem consiste no empréstimo de dinheiro a juros excessivos, superiores àqueles legalmente permitidos em Lei, cuja prática de cobrança é considerada crime contra a economia popular, denominada usura pecuniária ou real. É o que se infere do Art. 4° da Lei n° 1.521/51, in verbis:
Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito; (...). Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Ainda, dentro deste panorama é possível vislumbrar, no atuar delituoso do réu, outro tipo de usura consistente em simular ou ocultar a verdadeira taxa de juros para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos. Tal injusto encontra-se tipificado no Art. 13 do DL 22.626/33:
Art. 13. É considerado delito de usura, toda a simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento. Penas - prisão por (6) seis meses a (1) um ano e multas de cinco contos a cinquenta contos de reis.
Ademais, o contexto fático permite afirmar a existência de crime de extorsão e extorsão indireta, frente a autora. Vejamos o que diz o Código Penal.
Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
Art. 160 - Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Tal circunstância, também constitui crime contra o Código de Defesa do Consumidor, por analogia, de acordo com os Artigos 3°, 39, V e 71, que em uma interpretação conjunta dispõe que “utilizar na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho ou lazer: Pena: Detenção de três meses a um ano e multa.”
O réu é conhecido por perpetrar tal prática, passando a ser um meio de vida, que já estruturou todo o aparado para coagir, pressionar e extorquir a vítima, se utilizando de profissionais para assessorá-lo no fito de atingir seu objetivo que é o lucro extorsivo.
O réu, diante da alegação que detém uma garantia da dívida, impôs pressões à autora que por sua vez foi cedendo. A partir daí, o réu administrou a dívida, que foi crescendo de forma descontrolada, impedindo sua quitação, uma vez que seu valor aumentou em aproximadamente 1000%.
Como se pode notar, a dinâmica delitiva, observada no caso, foi desenvolvida de forma sub-reptícia, na medida em que houve ameaças, recebimento de pagamento e imposição de juros abusivos.
2.2. Do reestabelecimento da dívida aos patamares legais e sua quitação
É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que “havendo prática de agiotagem, devem ser declaradas nulas as estipulações usurárias, conservando-se o negócio jurídico de empréstimos entre pessoas físicas, mediante redução dos juros aos limites legais”. (EAREsp 1472865), DJe 26.11.2019.
Tal compreensão se baseia no Art. 591 do Código Civil que remete a limitação dos juros remuneratórios incidentes nos contratos de mútuo em geral, ao disposto na norma do Art. 406 do mesmo diploma, deixando expresso, apenas que não poderão ultrapassar a taxa dos juros legais e que a capitalização será anual.
Nesse passo, o controle judicial poderá ser efetuado, portanto, com a utilização da norma da Lei da Usura (Decreto 22.262/33) ou do CDC, quando houver relação de consumo, além das disposições gerais do próprio Código Civil. (Princípio da função social e da boa-fé, interpretação dos contratos de adesão e controle das cláusulas abusivas.)
O negócio jurídico em voga, deve ser reestabelecido diante da aplicação conjunta do Art. 591 do Código Civil e Art. 1° do Decreto 22.626/33 , do qual prevê que “a taxa de juros deve ser estipulada em escritura pública ou escrito particular, e não o sendo, entender-se-á que as partes acordaram nos juros de 6% ao ano, a contar da data da propositura da respectiva ação ou do protesto cambial.” Gize-se que após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, tal patamar passou a ser de 12% ao ano.
Os dispositivos em referência, não apenas admitem o mútuo oneroso, como o pagamento de juros pelo mutuário ao mutuante, como ainda estabelece parâmetros e limites para os juros remuneratórios que serão pagos.
No caso concreto, tem-se que foi tomado, em abril de 2011, a quantia de R$ 1.500,00, cuja correção por índice oficial e juros de 12% ao ano, no corrente mês, perfazem o valor de R$ 7.806,72. (CALC10)
Entretanto, os valores pagos desde a tomada do empréstimo, quando aplicados aos mesmos parâmetros, perfazem o valor de R$ 28.373,46. Ou seja, a autora pagou ao réu, a quantia excedente de R$ 20.566,74, cuja qual, desde já pugna pela condenação na devolução do indébito.
Gize-se que todas as inferências acima exaradas, estão embasadas nas provas dos pagamentos realizados pela autora diretamente na conta do réu. No mesmo modo, a comprovação se dá com o cálculo financeiro ora acostado, considera a data da tomada do empréstimo, e a data dos abatimentos realizados, acrescidos de juros legais e correção por índice oficial. (IGP-M)
Não obstante, a taxa de juros cobrada no negócio jurídico vergastado perfaz a quantia de 14,69% ao mês, …