Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA]/$[PROCESSO_UF].
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, com fundamento nos artigos 19, I; 300 e seguintes, bem como no Artigo 319, todos do Código de Processo Civil, como também em observância ao Artigo 2° da Lei 12.153/2009, ajuizar a presente
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TRIBUTO c/c REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA
em face da $[parte_autor_razao_social], pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ nº $[parte_autor_cnpj], com sede na $[parte_autor_endereco_completo], o que faz de acordo com as razões de fato e argumentos de Direito adiante expostas em minúcias.
I - PRELIMINARES
I.1 DO PEDIDO DE DISPENSA DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE POSSIBILIDADE PRÁTICA DE AUTOCOMPOSIÇÃO NO CASO EM CONCRETO
Com vistas a obter maior celeridade processual, garantindo o efetivo contraditório e evitando diligências inúteis e/ou que não tragam qualquer resultado útil ao processo, a autora pleiteia a Vossa Excelência que dispense a audiência de conciliação normalmente designada em sede de Juizados Especiais.
O pedido acima formulado é realizado, conforme sobredito, diante da primazia pelo provimento jurisdicional satisfativo, de forma a suprimir uma fase processual que notadamente será inócua diante até mesmo de eventual incompetência dos procuradores da Fazenda Estadual demandada para reconhecerem a procedência do pedido – originando a completa impossibilidade de transação nos autos.
Destarte, requer seja o réu citado para oferecimento de contestação no prazo legal.
I.2 DA JUSTIÇA GRATUITA
O Autor não pode suportar os ônus do processo sem prejuízo do próprio sustento familiar, conforme declaração inclusa, razão pela qual, requer que se digne Vossa Excelência de deferir-lhe os benefícios da Justiça Gratuita.
I. 3 – JUNTADA DE DOCUMENTOS E ANÁLISE DO QUANTUM A SOFRER REPETIÇÃO DE INDÉBITO APENAS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Ainda antes de adentrarmos na análise das questões de mérito da demanda, imperioso se faz destacar que a presente ação versa sobre a declaração judicial de um direito a ser reconhecido ao postulante (o de que a cobrança do ICMS sobre alguns dos custos apontados nas contas de energia elétrica é ilegal, conforme será mais bem analisado nos próximos pontos).
O que está em jogo, Excelência, é o reconhecimento ou não do direito que a parte autora sustenta possuir, no sentido de lhe ser deferido o pleito de ver extinta a cobrança do imposto em questão e, apenas em um segundo momento, o de ver devolvidos os pagamentos indevidamente realizados. Por óbvio, a discussão acerca do direito independe da juntada de contas e comprovantes para apuração do valor a ser corrigido em caso de provimento da ação: sendo o quantum apurado em $[geral_informacao_generica], o direito pleiteado é o mesmo em qualquer caso.
Por este motivo, não se faz necessário perder tempo, neste momento processual, com a discussão e impugnação de cálculos realizados unilateralmente pelo requerente: até mesmo por celeridade processual, é imperativa a concentração dos atos judiciais no sentido de declarar a possibilidade ou impossibilidade do direito pleiteado, de maneira que, apenas posteriormente – já em sede de liquidação de sentença – caberia a análise quanto aos valores a serem reclamados em repetição de indébito em caso de procedência.
Sobre a possibilidade de restringir a discussão da lide à questão de direito com a posterior juntada de todos os extratos e comprovantes em sede de cumprimento do julgado, tem decidido pacificamente toda a jurisprudência pátria em casos semelhantes, in verbis:
APELAÇÃO CÍVEL - EXPURGOS DA INFLAÇÃO - PRELIMINARES E PREJUDICIAL DE MÉRITO ARGUIDAS EM CONTRARRAZÕES AFASTADAS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA TITULARIDADE DA CONTA-POUPANÇA À ÉPOCA DA IMPLANTAÇÃO DOS PLANOS ECONÔMICOS DE GOVERNO - POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - EXISTÊNCIA DA POUPANÇA COMPROVADA - JUNTADA DE EXTRATOS EM LIQUIDAÇÃO - RECURSO PROVIDO. (TJ-MS - AC: 403 MS 2010.000403-0, Relator: Des. Júlio Roberto Siqueira Cardoso, Data de Julgamento: 29/04/2010, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 07/05/2010)
AÇÃO DE COBRANÇA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. JUNTADA DOS EXTRATOS. FASE DE LIQUIDAÇÃO. A juntada dos extratos não é necessária ao reconhecimento do direito do poupador aos expurgos inflacionários, mas, tão somente, à apuração das diferenças reclamadas e devidas. E, os valores certos e líquidos decorrentes dos expurgos inflacionários desconsiderados pela Instituição Financeira poderão ser apurados em sede de liquidação de sentença, sendo despicienda a juntada dos extratos ou comprovantes até tal fase. (TJ-MG 104330721757410011 MG 1.0433.07.217574-1/001(1), Relator: MARCOS LINCOLN, Data de Julgamento: 27/01/2010, Data de Publicação: 22/02/2010)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. POUPANÇA. JUNTADA DOS EXTRATOS ANALÍTICOS. MOMENTO PROCESSUAL. DISPENSABILIDADE. FASE DE LIQUIDAÇÃO. MULTA IMPOSTA. AFASTAMENTO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PREJUDICADO. 1 - Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela Caixa Econômica Federal - CEF, com requerimento de efeito suspensivo, contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 4a Vara Federal Cível de Vitória, na ação de rito ordinário, em face de Ivan de Oliveira. 2 - A decisão agravada determinou que a agravante apresentasse, no prazo de 15 (quinze) dias, os extratos das contas de poupança de titularidade do autor, sob pena de multa diária correspondente a R$ 100,00 (cem reais). 3 - Considerando o ofício nº ES-OFI-2010/02119, de 23/09/2010, remetido pelo Juízo da 4a Vara Federal Cível de Vitória, Seção Judiciária do Estado do Espírito Santo, verifica-se que a decisão agravada foi revogada. O referido ofício foi recebido por este Relator quando já incluído o processo na pauta de julgamento. 4 - A questão abordada através do presente recurso encontra-se superada, ficando o mesmo prejudicado pela perda de objeto. 5 - Agravo de instrumento prejudicado. (TRF-2 - AG: 201002010066021 RJ 2010.02.01.006602-1, Relator: Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, Data de Julgamento: 27/09/2010, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: E-DJF2R - Data::11/10/2010 - Página::332/333)
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. CHEQUE ESPECIAL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DOS EXTRATOS DE TODO O PERÍODO DE CONTRATUALIDADE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOCUMENTO INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DA AÇÃO. DISCUSSÃO QUE CINGE-SE ÀS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. POSSIBILIDADE DE JUNTADA ULTERIOR, NO MOMENTO DA LIQUIDAÇÃO DO DÉBITO. PRELIMINAR INACOLHIDA. (...). (TJ-SC - AC: 170105 SC 2008.017010-5, Relator: Altamiro de Oliveira, Data de Julgamento: 14/06/2011, Quarta Câmara de Direito Comercial, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Pomerode)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA. CADERNETA DE POUPANÇA. PROVA DA TITULARIDADE DA CONTA. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTO INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DA AÇÃO. PRELIMINAR DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL ACOLHIDA. DEMAIS PRELIMINARES E MÉRITO PREJUDICADOS. EXTINÇÃO DO FEITO SEM EXAME DO MÉRITO. ART. 267, IV E VI, DO CPC. - A jurisprudência pátria, capitaneada pelo e. STJ, vem entendendo ser dispensável, à época da propositura da demanda, a juntada aos autos dos extratos das contas de poupança, sendo necessário, apenas, a prova da titularidade da conta no período requerido. - A teor do art. 333, I, do CPC, é da parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. E, mesmo que se considere como sendo de consumo a relação em discussão, a ser amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, o fato é que a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor somente deve ser determinada, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele - o consumidor - hipossuficiente (art. 6º, VIII do CDC). - Inexistência de qualquer documento apto a provar a titularidade de conta poupança pela parte autora ou que a sua situação financeira tenha impedido o fornecimento pela instituição financeira de algum indício de prova material. - Situação que impõe a extinção do feito sem apreciação do mérito por falta de pressuposto processual - comprovação da existência de relação contratual entre as partes (titularidade de conta) - e, também, por ausência de uma das condições da ação, qual seja, o interesse de agir, nos moldes do art. 267, IV e VI, do CPC. - Exame das demais preliminares e do mérito prejudicado. - Deixa-se de condenar a parte autora em custas e honorários advocatícios por ser beneficiária da justiça gratuita. Preliminar de ausência de pressuposto processual acolhida. Apelação provida. Extinção do feito sem exame do mérito. (TRF-5 - AC: 438184 PE 2007.83.00.008583-8, Relator: Desembargador Federal José Maria Lucena, Data de Julgamento: 15/05/2008, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 18/08/2008 - Página: 747 - Nº: 158 - Ano: 2008)
O novo Código de Processo Civil, no capítulo em que trata da Liquidação de Sentença, expressa em seu artigo 510 a possibilidade de juntada de documentos elucidativos pelas partes apenas na fase de liquidação por arbitramento, amoldando-se a casos tais como a situação ora exposta.
Mostra-se relevante destacar, também, que consta do enunciado n° 32 do FONAJEF a previsão de que “a decisão que contenha os parâmetros de liquidação atende ao disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95 ”.
Logo, no caso dos autos, o pedido formulado pelo autor, mesmo não podendo ser quantificado imediatamente (sendo compreendido, então, como “pedido genérico”), certamente deverá ser considerado líquido, já que apresenta os parâmetros necessários a embasar uma eventual sentença de procedência pela revisão da base de cálculo do ICMS e repetição de indébito sobre os valores cobrados a maior.
Desta maneira, em sendo evidente o interesse de agir da parte autora – já que eventual declaração de ilegalidade a recair sobre a cobrança de ICMS sobre alguns dos custos apontados na conta de energia elétrica poderá gerar reflexos econômicos imediatos e futuros – e, ainda, restando cabalmente comprovada a titularidade de unidade consumidora pela parte postulante (conforme conta de energia em anexo), requer seja processada a presente ação sem todos os extratos demonstrativos dos valores já pagos, declarando-se a ilegalidade pleiteada para, apenas na sequência, na fase de execução da sentença, determinar a juntada dos documentos cabíveis de maneira a possibilitar os cálculos, que serão realizados oportunamente em liquidação.
I. 4 – DA JUNTADA DE DOCUMENTOS PELA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA
Para apurar o quanto é devido, a parte autora precisará das contas de energia dos meses de $[geral_informacao_generica] até $[geral_informacao_generica]. Obviamente, ninguém guarda ou tem todos essas papeis.
Por outro lado, a Concessionária de Energia tem registros de quanto a parte autora pagou neste período.
Vislumbrada a parte fática, vamos lembrar o que diz o art. 396 do CPC:
Art. 396. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa que se encontre em seu poder.
Sendo assim, o autor pede que seja determinado que o réu apresente todos os documentos que demonstrem o valor pago pelo autor à titulo de ICMS sobre as taxas de distribuição (TUSD) e de transmissão (TUST).
II – SÍNTESE FÁTICA
A parte supra qualificada no polo ativo da presente demanda é consumidora de energia elétrica, sendo responsável pela Conta Contrato n° $[geral_informacao_generica], conforme comprova a conta em seu nome juntada em anexo.
Ab initio, impende assentar que a parte Autora vem a busca da tutela jurisdicional, na qualidade de contribuinte de fato, se insurgir em face da exação tributária indevida, pugnando pelo reconhecimento da inexistência de relação jurídica obrigacional tributária, uma vez que a referida exação consiste em cobrança de ICMS sobre base de cálculo superior àquela legal e constitucionalmente prevista, pela Fazenda do Estado.
É importante frisar que os valores apontados pela concessionária de energia $[geral_informacao_generica] , pessoa jurídica de direito privado inscrita no CNPJ n° $[geral_informacao_generica] sempre foram integralmente pagos pela parte autora, com base na boa-fé.
Ocorre que, conforme será demonstrado, o montante exigido do consumidor final na conta de energia elétrica inclui os custos de transmissão e distribuição da eletricidade e, sobre estes, há incidência de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) mesmo inexistindo fato gerador do tributo em questão neste ponto. Há, ainda, a incidência do mesmo imposto estadual sobre outros valores destacados e que não correspondem ao preço efetivo da energia consumida.
A tributação referente ao ICMS vem vilipendiando os parâmetros legais e constitucionais ao integrar a sua base de cálculo valores indevidos, o que acarreta um encargo excessivamente oneroso ao contribuinte, que sequer integra a relação jurídica obrigacional tributária no que se refere aos valores inseridos no cálculo da base utilizada para exação do aludido tributo.
O cálculo do ICMS, é referente a operações relativas à circulação de mercadorias e serviços, sendo que a energia elétrica sempre foi considerada mercadoria, consumida pelo uso individual dos consumidores.
Portanto, o tributo não está sendo cobrado sobre o valor da mercadoria (energia elétrica), mas, está incluindo as tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição de energia elétrica proveniente da rede básica de transmissão (as chamadas TUST/TUSD/EUSD), conforme faturas em anexo.
Entretanto, os valores cobrados a título de transmissão de energia elétrica, por não serem atinentes ao conceito de mercadoria, devem ser excluídos da cobrança do ICMS, fazendo com que o imposto seja calculado apenas sobre os valores referentes ao consumo efetivo da mercadoria juridicamente circulada e consumida.
À margem do princípio constitucional da legalidade tributária, tem a Autora o direito de não mais ser compelida ao recolhimento do ICMS sobre os valores de transmissão e distribuição de energia elétrica, sob pena de configurar-se uma injustiça fiscal.
Com esteio, inclusive em assentado entendimento jurisprudencial, conforme será demonstrado a seguir, o fato gerador do mencionado imposto é a saída e circulação jurídica do bem consumido, qual seja, a energia elétrica, não sendo possível que as tarifas sobre uso do sistema e da rede básica, sejam impostas ao contribuinte de fato.
Pelo exposto, a parte Autora vem buscar a tutela jurisdicional, com fundamento no seu direito fundamental ao acesso à justiça, com vistas a assegurar o seu direito como contribuinte de fato a uma exação dentro dos parâmetros constitucionais e legais, pleiteando que o Poder Judiciário tutele a situação aqui exposta.
Com isso, a parte autora busca o provimento jurisdicional para obter a declaração de inexigibilidade das cobranças impugnadas, o que deverá culminar na exclusão dos valores cobrados a estes títulos (ICMS sobre custos adjacentes ao valor da energia consumida) nas contas de luz vincendas e na repetição de indébito dos valores indevidamente exigidos e pagos, tanto nos 5 anos anteriores ao ajuizamento desta ação quanto nos meses posteriores ao ajuizamento da lide em que o tributo tenha sido repassado pela concessionária e regularmente pago pelo consumidor.
III – DO DIREITO
A parte requerente fixa, desde já, as teses segundo as quais deverão ser afastadas eventuais alegações de incompetência deste juízo, bem como de ilegitimidade ativa ou passiva.
III.1 – Definição da competência – Juizado Especial da Fazenda Pública do domicílio do autor – Art. 52 parágrafo único do CPC c/c art. 2° da Lei 12.153/2009
A ação ora discutida é proposta no juízo de domicílio da parte demandante, inexistindo no ordenamento jurídico qualquer previsão de foro privilegiado para causas em que for demandado um Estado-membro. O novo Código de Processo Civil, nesse ponto, cuidou de exterminar qualquer possibilidade de questionamento da possibilidade de processamento da ação no foro do domicílio do autor ou até mesmo do local do fato, conforme nota-se de simples leitura do parágrafo único do artigo 52:
Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal.
Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado.
Nesse sentido, a insurgência contra a cobrança de ICMS sobre os custos adjacentes ao consumo de energia elétrica deve, necessariamente, ser processada na comarca onde reside o responsável pela unidade consumidora, sob pena de indevidamente dificultar o acesso ao Poder Judiciário.
O tema em questão já era pacífico antes mesmo da vigência do novo CPC, conforme pode ser extraído do contido tanto do REsp 67.186-8/SP (Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, julgado em 19 de junho de 1995) quanto do REsp 80.842/MG (Relator Ministro José de Jesus Filho, julgado em 22 de fevereiro de 1996), ambos em anexo. Mais recentemente, a Ministra Denise Arruda esclareceu, no Conflito de Competência 55270/PA que:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO ESTADO DO PARÁ. REGRA DEFINIDORA DE COMPETÊNCIA DO ART. 100, V, A, DO CPC, QUE PREVALECE SOBRE AS DEMAIS, GENÉRICAS. AUSÊNCIA DE FORO PRIVILEGIADO PARA ESTADO-MEMBRO. SÚMULA 206/STJ. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DO ATO OU FATO QUE ORIGINOU O DANO. (...) (STJ - CC: 55270 PA 2005/0154591-8, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 28/03/2007, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 30.04.2007 p. 261)
Além disso, o artigo 2° da Lei 12.153/2009 disciplina que “é de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos”. O tema sob discussão neste momento não atrai qualquer das exceções previstas no §1° do mesmo dispositivo, restando então suficientemente delimitada a competência da Vara da Fazenda Pública desta comarca para conhecer, processar e julgar esta demanda.
III.2 – Definição da legitimidade ativa
No que tange à legitimidade do Autor, na qualidade de consumidor da energia elétrica, para compor o polo ativo do litígio, a questão restou pacificada no âmbito do Colendo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial n° 1.299.303/5C, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, reconhecendo a legitimidade do usuário para pleitear a restituição do ICMS incidente sobre energia elétrica.
A matéria objeto de comento já foi alvo de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça. Esta Corte firmou orientação, sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1.299.303-SC, DJe 14/8/2012) que o consumidor final de energia elétrica tem legitimidade ativa para propor ação declaratória cumulada com repetição de indébito que tenha por escopo afastar a incidência de ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada de energia elétrica.
Confira-se o teor da ementa do mencionado acórdão, proferido pelo colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A DEMANDA "CONTRATADA E NÃO UTILIZADA". LEGITIMIDADE DO CONSUMIDOR PARA PROPOR AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
- Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor, esse último tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada.
- O acórdão proferido no REsp 903.394/AL (repetitivo), da Primeira Seção, Ministro Luiz Fux, DJe de 26.4.2010, dizendo respeito a distribuidores de bebidas, não se aplica ao casos de fornecimento de energia elétrica.
Recurso especial improvido. Acórdão proferido sob o rito do art.
543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1299303/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 14/08/2012)
Outro não poderia ser o entendimento emanado pelo STJ já que, considerando a parceria (e a subserviência) das concessionárias de energia elétrica com o Estado concedente e a completa inexistência de conflito de interesses entre ambos, a declaração de ilegitimidade do consumidor final teria o condão prático de impedir qualquer discussão de ilegalidade de cobrança de ICMS. Há de se levar em conta, finalmente, que o art. 166 do Código Tributário Nacional garante àquele que paga indevidamente o direito de pleitear por sua restituição.
Diante da tutela conferia pelo legislador ao contribuinte, segundo o artigo 165 do CTN, importante colocar em destaque na problemática ora abordada, quais seriam os legitimados ou legitimado para intentar tal ação e assegurar seu direito à repetição, bem como, quem ocuparia o polo passivo da demanda.
De maneira sucinta e didática, a classificação dos tributos subdivide-se em direito ou indireto relacionando-se, basicamente, com a modalidade de repasse do tributo, tornando tal assunto mais inteligível, válido citar o esclarecimento prestado por Luciano Amaro:
Uma classificação, de fundo econômico, mas com reflexos jurídicos, é a que divide os tributos em diretos e indiretos. Os primeiros são devidos, “de direito”, pelas mesmas pessoas que, “de fato” suportam o ônus do tributo; é o caso do imposto de renda. Os indiretos, ao contrário, são devidos, “de direito”, por uma pessoa (dita “contribuinte de direito”), mas suportados por outra (“contribuinte de fato”): o “contribuinte” recolhe o tributo, mas repassa o respectivo encargo financeiro para o contribuinte de fato”; os impostos que gravam o consumo de bens ou serviços (IPI, ICMS, ISS) estariam aqui incluídos. (AMARO, 2011, p. 111).
Definido então o ICMS como um imposto indireto, em virtude de quem suporta o seu encargo é o contribuinte de fato, conclui-se, portanto, que este materializa-se na figura do consumidor final e aquele que suporta a exação, uma vez que a carga tributária do ICMS é repassada ao consumidor. Contribuinte de direito é a pessoa a qual o Estado exige o pagamento do imposto.
Ocorrido o fato gerador do tributo, no caso em voga, circulação de mercadoria, que no caso é a energia elétrica, faz nascer uma relação jurídica, de caráter obrigacional, envolvendo o sujeito ativo (Estado) e o sujeito passivo (contribuinte ou responsável), que tem por objeto o pagamento do tributo.
Já o contribuinte de fato, é a pessoa que arca com o ônus do tributo, este embutido no preço final da mercadoria ora consumida, sendo ela, produto, serviço, etc. Em termos técnicos, diz ser a “repercussão financeira” do tributo, motivo pelo qual se compõe o atual quadro, que se traduz na possibilidade de enfrentar uma análise no âmbito processual da temática proposta, abarcando as possibilidades de composição dos polos da ação, bem como o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do mencionado tema de repercussão geral.
O sistema tributário nacional impôs alguns casos em que o “contribuinte de direito” transfere para o “contribuinte de fato” o tributo indireto pago em razão da cadeia tributaria. Diante deste fato, compreende-se que nem sempre aquele que é definido como pagador do tributo acaba efetivamente suportando-o.
Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça, consagrou a legitimidade da proposição da “Ação Declaratória de Inexistência de relação jurídico - tributária cumulada com Repetição de Indébito” pelo contribuinte de fato. Abaixo, uma ementa que fora utilizada como precedente para edição da súmula:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. LEGITIMIDADE ATIVA. CONSUMIDOR FINAL. DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA. FATO GERADOR. 1. O sujeito passivo da obrigação tributária é o consumidor final da energia elétrica, que assume a condição de contribuinte de fato e de direito, figurando a concessionária como mera responsável pelo recolhimento do tributo. (...) 2. É cediço em sede doutrinária que, verbis: "Embora as operações de consumo de energia elétrica tenham sido equiparadas a operações mercantis, elas se revestem de algumas especificidades, que não podem ser ignoradas. O consumo de energia elétrica pressupõe, logicamente, sua produção (pelas usinas e hidrelétricas) e sua distribuição (por empresas concessionárias ou permissionárias). De fato, só se pode consumir uma energia elétrica anteriormente produzida e distribuída. A distribuidora de energia elétrica, no entanto, não se equipara a um comerciante atacadista, que revende ao varejista ou ao consumidor final, mercadorias de seu estoque. É que a energia elétrica não configura bem suscetível de ser" estocado”, para ulterior revenda aos interessados. Em boa verdade científica, só há falar em operação jurídica relativa ao fornecimento de energia elétrica, passível de tributação por meio de ICMS, no preciso instante em que o interessado, consumindo-a, vem a transformá-la em outra espécie de bem da vida (luz, calor, frio, força, movimento ou qualquer outro tipo de utilidade). Logo, o ICMS-Energia Elétrica levará em conta todas as fases anteriores que tornaram possível o consumo de energia elétrica. Estas fases anteriores, entretanto, não são dotadas de autonomia apta a ensejar incidências isoladas, mas apenas uma, tendo por único sujeito passivo o consumidor final. (STJ - AgRg no REsp: 797826 MT 2005/0186252-5, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 03/05/2007, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 21.06.2007 p. 283)
O referido acordão procurou demonstrar que o consumidor final efetivamente suporta o tributo, pois o mesmo é afetado quando há aumento de imposto, e sucessivamente aumento de tarifa, não se vinculando tão somente ao preço de mercado, e sim às variações dos tributos.
Esta característica é singular ao ICMS na conta de energia elétrica, pois o tributo integra efetivamente a tarifa, sendo esta repassada sucessivamente ao consumidor final (contribuinte de fato), único e exclusivo interessado em propor ação competente, salientando-se que no mercado de fornecimento não há concorrência, sendo o consumidor afetado diretamente.
Portanto, resta cediço que o consumidor de energia elétrica (consumidor de fato) é legitimado ativo para a propositura da ação, haja vista que "a legitimidade ad causam consiste na pertinência subjetiva da ação e é identificada a partir da situação jurídica de direito material objeto da lide" (MEDINA, 2012, p. 42).
Assim sendo, resta suficientemente delimitada a legitimidade ativa da parte demandante desta lide, sendo permitido eventual litisconsórcio para que figurem vários contribuintes no polo ativo por força do artigo 46, incisos II e IV do Código de Processo Civil.
III.3 – Definição da legitimidade passiva
No tocante a legitimidade passiva, deverá esta ser ocupada pelo órgão arrecadador, pois conforme asseverado no voto do relator do acordão supracitado, as concessionárias não têm o menor interesse em integrar tal demanda, haja vista que detêm uma relação meramente contratual com o órgão público, devendo este órgão ser o sujeito passivo da respectiva ação.
Rechaçar a possibilidade de o contribuinte de fato, ajuizar a ação de declaração de inexistência de relação jurídico obrigacional tributária, bem como de pleitear a repetição de indébito, por valores suportados de maneira indevida, seria uma violação ética aos pressupostos de acesso à justiça, como bem assevera ALIOMAR BALEEIRO:
"a nocividade, do ponto de vista ético e pragmático, duma interpretação que encoraja o Estado mantenedor do Direito a praticar, sistematicamente, inconstitucionalidades e ilegalidades, na certeza de que não será obrigado a restituir o proveito da turpitude de seus agentes e órgão".
Neste diapasão, compreende-se que ante ao novo posicionamento do STJ, bem como a edição da Sumula 391 pelo referido Tribunal, caso o consumidor final perceba erro na exação realizada pelo órgão arrecadador no que tange a sua fatura de energia elétrica, poderá se socorrer no Judiciário para ter seu direito salvaguardado.
Inobstante, como é cediço, as concessionárias somente arrecadam e transferem os valores referentes ao tributo para o Estado concedente. Por isso, a legitimidade passiva é exclusiva do Estado federado. Precedentes nesse mesmo sentido: REsp 1.199.427/MT, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 16/09/2010; REsp 1185820/MT, Relator Ministro Castro Meira, julgado em 17/06/2010.
Assim sendo, resta suficientemente delimitada a legitimidade passiva da parte demandada desta lide.
II.4. DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO (TUST/TUSD/EUSD)
Neste Estado, a base de calculo para incidência do ICMS é realizada somando-se os valores da TUST, aqui chamada somente de Transmissão, da TUSD, aqui chamada somente de Distribuição, e dos ENCARGOS, esses compreendidos como ENCARGOS SETORIAIS que estão muito bem explicados no sítio da ANEEL (vww.aneel.g-ov.br/area.cfm.?idArea=527), e que, da mesma forma, não representam consumo efetivo de energia.
Para melhor compreensão do que se busca através dessa ação, convém, antes, esclarecer alguns pontos relacionados ao sistema elétrico brasileiro.
A operação e administração da rede básica de energia elétrica, cujo acesso é livre a todos, é atribuição do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, que é a pessoa jurídica de direito privado autorizado pela União Federal a exercer tal função.
A rede básica de energia elétrica, segundo definição da ANEEL, é constituída por todas as subestações e linhas de transmissão em tensões de 230 kV ou superior, integrantes de concessões de serviços públicos de energia elétrica, devidamente outorgadas pelo Poder Concedente. É, em outras palavras, o sistema composto por torres, cabos, isoladores, subestações de transmissão e outros equipamentos que operam em tensões médias, altas e ultra- altas. Para que fique inequivocamente compreendido, veja-se, na ilustração abaixo, o que é a rede de transmissão básica:
Sendo assim básico de transmissão administrado pelo ONS, a sua utilização, por concessionários, permissionários e autorizados depende da contratação de acesso ao sistema, conforme se depreende dos artigos 1º e 2ª da Resolução ANEEL nº. 281/1999:
“Art. 1º. Estabelece, na forma que se segue, as condições gerais para contratação do acesso, compreendo o uso e a conexão, aos sistemas de transmissão de energia elétrica.
Art. 2º. As disposições desta aplicam-se à contratação do acesso aos sistemas de transmissão pelos concessionários, permissionários e autorizados de serviços de energia elétrica, bem como pelos consumidores de que tratam os arts. 15 e 16 da Lei nº. 9.074, de 7 de julho de 1995, e aqueles definidos no ª 5º do art. 26 da Lei nº. 9.427, de 26 de dezembro de 1996, com redação dada pela Lei nº. 9.648, de 27 de maio de 1998. ”
Em razão da contratação de acesso à rede básica, o usuário remunera a ONS mediante recolhimento da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), na forma da Resolução ANEEL nº. 281/1999.
Essa tarifa é, em qualquer caso, suportada por aqueles que utilizam a rede de transmissão, seja a geradora da energia elétrica, o consumidor livre diretamente conectado à rede básica, ou mesmo os consumidores cativos, que pagam as tarifas em suas contas.
O sistema de distribuição, por sua vez, é aquele composto por postes, cruzetas, isoladores, fios, transformadores e demais equipamentos (não pertencentes à rede básica) que operam em tensões baixas, de propriedade das distribuidoras, e cujo acesso também é livre a todos.
A sua utilização, no caso da contratação no mercado livre, se dá mediante celebração de contrato de uso dos sistemas de distribuição (CUSD) ou, no mercado cativo, mediante contratação do fornecimento de energia elétrica, em ambos os casos se remunerando o uso da rede mediante recolhimento Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).
No mercado cativo o valor da tarifa/preço da energia é definido após minuciosa análise da agência reguladora responsável, no caso a ANEEL. Nesse processo, vários custos estão incluídos no cálculo, tais como investimentos, encargos, gastos para manutenção da rede, tributos etc. Para esses consumidores, a TUSD/TUST é repassada na conta paga à Concessionária responsável pelo fornecimento de energia.
Por seu turno, no mercado livre, os consumidores podem negociar a aquisição de energia elétrica livremente com quaisquer fornecedores que atuem no mercado, negociando preços e prazos, de acordo com o perfil de consumo. As negociações neste caso são firmadas através de contratos bilaterais, nos quais a intervenção do governo é mínima.
Para os Consumidores Livres, ou seja, aqueles que adquirem carga igual ou superior a 3.000kW, na forma disposta pela Lei 9.074/1995, a remuneração da TUSD/TUST/EUSD pode ocorrer tanto pela cobrança na fatura do fornecimento do energético, quanto mediante a celebração de contrato próprio com a distribuidora responsável pela rede básica.
Delimitado os conceitos, o que se repudia através dessa ação é exigência do ICMS não apenas sobre o valor da mercadoria efetivamente fornecida, mas, também, sobre (i) a TUST repassada a parte Autora – muito embora sem a devida descriminação nas faturas – e (ii) TUSD, paga em razão da utilização do sistema de distribuição.
Assim é que, na forma do que se passará a demonstrar, deve ser reconhecida a inexistência de obrigação jurídico tributária que obrigue a parte autora ao recolhimento do ICMS sobre as parcelas referentes a quaisquer encargos de transmissão e distribuição.
III.5 DA INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL TRIBUTÁRIA – DA NÃO INCIDÊNCIA
Como relatado anteriormente, as cobranças ora discutidas se referem à suposta responsabilidade da autora pelo recolhimento do ICMS sobre as tarifas pagas em razão da conexão e do uso do sistema de transmissão na entrada de energia elétrica.
Segundo suas características próprias, para fins jurídico-tributários, a energia elétrica sempre foi considerada como mercadoria, sujeita, portanto, à incidênc…