Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE $[PROCESSO COMARCA] $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, propor a presente
AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL POR FATO DO SERVIÇO
em face de $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo] pelas razões fáticas e de direito adiante alinhadas.
PRELIMINARMENTE
Requer os benefícios da justiça gratuita, em razão de estar sendo assistido(a) pela Defensoria Pública, por ser pobre na forma da lei, conforme dispositivos insertos na Lei Federal 1.060/50, acrescida das alterações estabelecidas na Lei Federal 7.115/83, bem como em atendimento ao preceito constitucional, na esfera federal, da Lei Complementar Federal nº 80/94, reformada pela Lei Complementar Federal nº 132/2009 e, estadual, por meio da Lei Complementar Estadual nº. 06/97, tudo por apego á égide semântica prevista no artigo 5°, LXXIV da Carta da República de 1988.
SINOPSE FÁTICA
DESCRIÇÃO DOS FATOS
1) Na data de 02 de abril de 2021 o produto refrigerador doméstico 01 porta 3421-220v- de propriedade da parte Autora apresentou “um problema” em relação a “freezer” que não gelava, a parte Autora solicitou um orçamento a empresa requerida, que por sua vez enviou um preposto a fim de que fosse feito um orçamento para fins de reparo. O preposto retirou a geladeira da sua residência e a mesma transportada para sua sede a fim de que, fizessem um orçamento em relação ao reparo, isto na parte da manhã em torno das 11 horas.
2) Em ato continuo, aproximadamente uma hora depois ele retornou com a geladeira DETERIORADA conforme foto abaixo, e sem condições de uso ou reparo. Destarte que, preposto entregou a geladeira pertencente a Autora SEM CONDIÇÕES DE USO (QUEBRADA), em contato com o estabelecimento, ora requerido na presente demanda falaram que: não iriam, se responsabilizar por nada e sequer justificaram o motivo do tamanha desleixo com serviço solicitado pela parte Autora.
3) Fica claro que ele não sabendo resolver o problema da geladeira acabou por danifica-la definitivamente e não e sequer JUSTIFICOU qual era o problema e que aconteceu para a geladeira fosse devolvida no está abaixo.
4) É certo que: foi necessário a aquisição de PRODUTO novo, uma vez que, FREZZER GEELADEIRA, se trata de produto de UTILIDADE ESSENCIAL na residência, a parte Autora foi obrigada a gastar a quantia de R$ 1,799.00 (hum mil setecentos e noventa e nove reais) acrescido de R$ 145,66 (cento e quarenta e cinco reais e sessenta e seis centavos) referente ao seguro perfazendo o TOTAL DE R$ 1.944,96 (hum mil novecentos e quarenta e quatro reais e noventa e seis centavos).
FUNDAMENTOS JURÍDICOS
A proteção do consumidor é direito fundamental e princípio da ordem econômica (CF/88 arts. 5º XXXII, e art. 170, V), sendo o Código de Proteção e Defesa do Consumidor norma de ordem pública (CDC, art. 1º). Dessa forma, havendo violação de direitos do consumidor, deve o CDC ser aplicado de ofício pelo magistrado de 1º grau, bem como, por força do efeito translativo dos recursos, em 2º grau de jurisdição.
O direito consumerista brasileiro tem por base a Teoria Geral do Direito do Consumidor - a qual trata da sua natureza jurídica, princípios, relação de consumo, princípios específicos e regras de interpretação – e visa efetivar a teoria da qualidade ou confiança positivada nos artigos 8 a 10.
Determina a apuração incomunicável e cumulável de responsabilidade administrativa, criminal e cível do fornecedor, bem como estabelece a proteção pré-contratual, contratual e pós-contratual do consumidor. E vai mais longe, no artigo 7º o CDC determina “o dialogo das fontes”, ao estabelecer que o direito do consumidor é maior que o próprio código.
Sabe-se, doutra banda, que a boa-fé é um princípio normativo que exige uma conduta das partes com honestidade, correção e lealdade. O princípio da boa-fé, assim, diz que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da confiança que deve imperar entre as partes.
Nas palavras de Tereza Negreiros:
“O princípio da boa-fé, como resultante necessária de uma ordenação solidária das relações intersubjetivas, patrimoniais ou não, projetada pela Constituição, configura-se muito mais do que como fator de compreensão da autonomia provada, como um parâmetro para a sua funcionalização à dignidade da pessoa humana, em todas as suas dimensões.” (Fundamentos para uma Interpretação Constitucional do Princípio da Boa-Fé, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1998, pág. 222-223).
No caso sub judice, a atitude promovida pelo(a) requerido(a) vetoriza-se em um ato ilícito que, na lição do inolvidável Orlando Gomes é:
“Ação ou omissão culposa com a qual se infringe direta e imediatamente um preceito jurídico do direito privado, causando-se dano a outrem” (GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 1987, pág. 314).
Ora, Excelência, a partir do momento em que a requerente teve parte de seus bens avariados e decorrentes de causas externas à sua residência, causando-lhe dor e sofrimentos físico e mental, houve ilícito e quebra da boa-fé objetiva, que devem imperar entre os contratantes, notadamente quando há negligência no serviço.
O dano causado pelo ato ilícito praticado pela requerida rompeu o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre os contratantes. Assim, busca-se restabelecer o equilíbrio, recolocando os prejudicados no status quo ante. Aplica-se, nesse caso, o princípio restiutio in integrum. Indenizar pela metade seria fazer as vítimas suportarem o dano, os prejuízos.
Por isso mesmo - e diferentemente do Código Civil de 1916 - o novo Código, no artigo 944, caput, positivou o princípio da reparação integral, segundo o qual o valor da indenização mede-se pela extensão do dano.
Assim, quando alguém comete um ato ilícito, há infração de um dever e a imputação de um resultado. E a consequência do ato ilícito é a obrigação de indenizar, de reparar o dano, nos termos da parte final do artigo 927 do NCCB, in verbis:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
O conceito de ato ilícito, por sua vez, está insculpido no artigo 186 do NCCB, senão vejamos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Aliada ao ato ilícito praticado pela requerida, por seu preposto, está a quebra da boa-fé objetiva, que reside na conduta leal dos contratantes nos deveres ante e pós contrato. Aliás, é o próprio Código Civil Brasileiro que exige tal boa-fé na formação e cumprimento dos contratos, in textus:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Com efeito, a consequência jurídica do ato ilícito praticado pela requerida é, portanto, o dever de ressarcir os danos que causou à requerente por conta do mal fornecimento de energia elétrica e da quebra da boa-fé.
De mais a mais, dispõe o artigo 932 do NCCB o seguinte:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(…)
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Sobre tal disciplinamento legal, assim disserta o inolvidável jurisconsulto Pablo Stolze Gagliano: “Em nosso entendimento, com a utilização do advérbio “também” no seu caput (Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil...) a lei estabeleceu uma forma de solidariedade passiva, oportunizando à vítima exigir a reparação civil diretamente do responsável legal.” (ob. cit. pág. 152).
“Não se trata de uma novidade no sistema, mas, sim, da consagração da idéia de que se deve propugnar sempre pela mais ampla reparabilidade dos danos causados, não permitindo que aqueles que usufruem dos benefícios da atividade não respondam também pelos danos causados por ela.” (ob. cit. pág. 249).
Portanto, ocorrendo a prestação do serviço de forma a causar dano a outrem, vulnerou-se a aspiração do menos favorecido, como é o caso da requerente, redundando, assim, em FATO DO SERVIÇO, uma vez a consequência extrapolou o serviço em si, afetando direito diverso do próprio contrato de fornecimento de energia elétrica.
Na linha do CDC, como se sabe, a responsabilidade é denominada OBJETIVA, ou seja:
“(...) aquela fundada no risco, sendo irrelevante a conduta culposa ou dolosa do causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar.” (Maria Helena Diniz, Dicionário Jurídico, São Paulo, Saraiva, 1998, vol. IV, pág. 181).
O sujeito da relação, portanto, perde importância para efeito de responsabilidade, cabendo ao consumidor, como é o caso da requerente, a descrição e prova da ocorrência do dano, até para fundamentar seu interesse de agir, mas no que toca à existência dos demais elementos, deverá ser aplicada, se necessário, a regra da inversão do ônus da prova.
No caso em apreço, observa-se que a relação contratual objeto desta contenda encontra-se sob o pálio do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que em seu artigo 6º, VI, elenca como direito básico do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Ficou evidente, que, através de atos de seus prepostos, a requerida não prestou o serviço nos moldes do contrato que ela mesma firmou, configurando-se VÍCIO DE QUALIDADE POR INSEGURANÇA DO SERVIÇO, sendo totalmente responsável pelos danos morais e materiais advindos da má prestação do serviço, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados ao consumidor pelo serviço defeituoso, sejam estes de ordem material ou moral. Essa falha na prestação do serviço ocorre devido a não observância do dever de cuidado.
Assim, pode-se pautar na doutrina e também no legislador pátrio, que inferem a responsabilização objetiva nas relações de consumo, eis que, na maioria das vezes, como no caso em questão, a relação é de hipossuficiência do consumidor em comparação ao fornecedor.
Desta feita, estando patente a configuração do ilícito contratual cometido pela requerida, no tocante ao serviço que deveria ter sido prestado a contento, não restam dúvidas quanto à sua responsabilidade pela reparação dos danos causados, pois nesse ponto, o Código de Defesa do Consumidor foi taxativo, sem dar margem a qualquer outro tipo de interpretação.
Neste pormenor, há de se observar que, em relação à reparabilidade do dano, seja material ou moral, a doutrina tem preceituado a aplicação de pena pecuniária em razão da teoria do desestímulo, segundo a qual, o critério na fixação do quantum indenizatório deve obedecer à proporcionalidade entre a lesão causada e aquilo que pode aplacá-la, levando-se em conta o efeito socioeducativo, que será a prevenção e o desestímulo.
De salientar, ainda, os ditames insertos no artigo 34 do CDC:
Art. 34 - O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus propostos ou representantes autônomos.
Não há dúvida de que a requerida deve pagar por erro de seus prepostos, à semelhança do que já ficou demonstrado pelos ditames previstos no artigo 932, inciso III do NCCB c/c artigo 34 do CDC.
Em caráter excepcional, como no caso das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos, foi adotada a teoria objetiva ou do risco (art. 37, § 6º, da Constituição da República). Assim, para esta teoria, basta ao lesado demonstrar o nexo causal entre o fato lesivo e o dano.
Por outro lado, sobre a exclusão da responsabilidade objetiva do Estado, é oportuna a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, in literis:
Nos casos de responsabilidade objetiva o Estado só se exime de responder se faltar o nexo entre seu comportamento comissivo e o dano. Isto é: exime-se apenas se não produziu a lesão que lhe é imputada ou se a situação de risco inculcada a ele inexistiu ou foi sem relevo decisivo para a eclosão do dano. Fora daí responderá sempre. Em suma: realizados os pressupostos da responsabilidade objetiva, não há evasão possível.(Curso de Direito Administrativo, 14 edição, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 865).
No âmbito constitucional, os fatos aqui presentes são assim tratados:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Alterado pela EC-000.064-2010)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Assim sendo, as prestadoras de serviços públicos respondem objetivamente pela mesma razão do Estado, ou seja, o risco administrativo. Já no tocante à eficiência do serviço, observa-se a norma consumerista, como adiante se vê:
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Com relação à responsabilidade civil, tem-se a norma do digesto consumerista nos seguintes termos:
Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único - Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.
A lei federal de concessões dos serviços públicos também traz norma semelhante sobre o assunto, senão vejamos:
Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.
Hely Lopes Meirelles, em brilhante dissertação, assim resume a responsabilidade das concessionárias de serviços públicos:
“(...) não é justo e jurídico que só a transferência da execução de uma obra ou um serviço originariamente público a particular descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente.” ( Direito Administrativo Brasileiro, ED. Malheiros, 28 edição, pág.627).
O Pretório Excelsior, em lapidar e recente decisão do pleno, assim se pronunciou:
CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. II - A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III - Recurso extraordinário desprovido. (RE 591.874-MT, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, j. 26.08.2009)
É irrelevante, portanto, se a vítima é ou não usuário do serviço público. Basta, assim, que o dano seja produzido pelo prestador do serviço. …