Petição
EXCELEMTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DO $[processo_vara] JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE $[processo_comarca] - $[processo_uf].
$[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], inscrito no CPF sob o nº $[parte_autor_cpf], portador do RG nº $[parte_autor_rg], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo], por intermédio de sua advogada infra-assinada cujo instrumento procuratório segue anexo, com fundamento nos artigos 6º, VI, 14, 30, 37 e 43 e parágrafos, todos do Código de Defesa do Consumidor, à presença de Vossa Excelência, propor:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO POR QUEBRA DE CONTRATO C/C PEDIDO DE INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS E TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA
em face de $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º $[parte_reu_cnpj], com sede n$[parte_reu_endereco_completo], pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos.
1. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA
Inicialmente, afirma a parte autora que está desempregada não tendo condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do sustento próprio, bem como o de sua família, razão pela qual faz jus ao benefício da gratuidade da justiça, assegurados pela Constituição Federal, artigo 5º, LXXIV e pela Lei 13.105/2015 (CPC), artigo 98 e seguintes.
2. DOS FATOS
No mês de fevereiro de 2020 o autor recebeu uma ligação da Ré, na qual lhe foi oferecido um produto $[geral_informacao_generica].
Nesta ligação, o atendente garantiu ao autor que no local de sua residência o sinal de internet funcionaria normalmente. E em momento algum o preposto da empresa relatou acerca do contrato de adesão e sua respectiva fidelização, ou sobre qualquer multa contratual.
Diante da proposta interessante, o autor resolveu então adquirir o plano, inclusive realizando portabilidade.
4 dias após o contato telefônico supracitado, o autor recebeu o chip da $[geral_informacao_generica] pelos correios, e então realizou os procedimentos necessários para colocar em uso o plano ora adquirido. Ocorre que houve grande frustração, tendo em vista que o autor constatou que não havia sinal de internet.
Já em relação à portabilidade do número, foi preciso aguardar três dias para a liberação das ligações. O contrato escrito ora pactuado chegou alguns dias depois.
O fato é que não há na localidade de residência do autor, sinal de internet como fora garantido pela própria empresa no momento da venda do produto.
Diante da constatação de que o sinal era inexistente, o demandante ligou para a $[geral_informacao_generica] objetivando cancelar a compra do produto, eis que o serviço mais importante não funcionava, reduzindo a zero o valor do negócio.
Em março do corrente ano o autor recebeu uma cobrança no valor de R$ $[geral_informacao_generica].
De posse da fatura supracitada, o demandante ficou sem chão. Ora! O plano não foi utilizado se quer um dia, como ter a obrigação de pagar tal montante?
Trata-se do famigerado contrato de fidelidade. De fato, ele existe, mas não pode ser exigido pela empresa, pode ser ofertado, porém, com a condição de o serviço ser prestado com qualidade e excelência. O que não é a situação do caso concreto aqui exposto.
De mais a mais, o valor cobrado pela multa é abusivo e muito acima dos padrões permitidos de 10% do total do contrato, até por que em momento algum foi dito ao consumidor que haveria um contrato de fidelidade.
Nesta esteira, tem-se ilegal a cobrança da multa, primeiro por que não houve qualquer prestação de serviço, tendo em vista que não há sinal para esta operadora no município do autor, segundo por que não houve transparência da empresa acerca do contrato de fidelidade imposto e terceiro por que o valor cobrado é ilegal, abusivo e desproporcional ao contrato.
Por força do contrato, a empresa se obriga a cumprir os benefícios ofertados e a prestar o serviço de forma adequada. Já o consumidor se obriga a permanecer vinculado ao pacote por determinado período, sob pena de pagamento de multa.
No entanto, se o serviço for prestado de forma inadequada ou fora dos termos do contrato, o cliente poderá solicitar o cancelamento antes do término da fidelização sem pagamento da multa, conforme artigo 58, parágrafo único, da Resolução nº 632/2014 da ANATEL.
Assim, se o usuário não estiver recebendo os benefícios ofertados pela empresa ou se houver falha na prestação do serviço, como ausência de sinal, queda de conexão, indisponibilidade do serviço na região onde mora, dentre outros problemas, poderá cancelar o contrato sem a incidência da multa de quebra de fidelidade. Sem dúvida é o caso dos autos!
3. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Invoca a parte AUTORA, desde já, os princípios inerentes à relação de consumo havida in casu, pleiteando de forma ampla os direitos contidos e previstos na Lei Federal nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
Sim, pois resta incontroverso que os serviços prestados pela empresa ré se caracterizam como relação de consumo, enquadrando-se a empresa no conceito de fornecedora (art. 3º do CDC), visto que presta serviço no mercado mediante remuneração. Já a parte autora, atingida pela prática abusiva da requerida, por sua vez, enquadra-se no conceito de consumidor (art. 2º do CDC), visto que utiliza, mediante contraprestação pecuniária, os serviços prestados pela requerida.
Nesse sentido, a consequência da natureza consumerista da relação entre as partes é que se aplicam a tal relação as normas de ordem pública e de interesse social previstas no Código de Defesa de Consumidor (Lei nº 8.078/90), principalmente aquelas que reconhecem a vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, CDC); que facilitam a defesa dos direitos do consumidor, mormente com a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC); que coíbem e tornam nulas de pleno direito as práticas e cláusulas contratuais abusivas impostas pela ré (art. 39 e incisos, e art. 51 e incisos, todos do CDC); sem contar o reconhecimento da boa-fé objetiva, com todas as suas consequências jurídicas, como princípio e norma impositiva presente em toda e qualquer relação de consumo (art. 4º, III, e art. 51, IV, todos do CDC).
Nesse ínterim, a conduta da requerida se desnatura em prática abusiva, colidindo com princípios elencados do Código de Defesa do Consumidor, notadamente ao Direito a Informação, disposto no art. 6, III, da Lei 8.078/90, haja vista que é obrigação da Operadora informar o cliente de forma clara e verdadeira acerca de seus direitos e deveres, bem como de cada detalhe de seu pacote de serviços ou de cláusulas contratuais.
3.1 DA ABUSIVIDADE DA MULTA DE FIDELIZAÇÃO
No Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia da ANATEL (aprovado pela Resolução nº 272/2001) é prevista a não cobrança por cancelamento do serviço:
Art. 59. Os assinantes do SCM têm direito, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável:
VII – ao cancelamento ou interrupção do serviço prestado, a qualquer tempo e sem ônus adicional;
Sendo a fidelização como uma cláusula limitadora de direitos, ela inevitavelmente será uma cláusula abusiva, com fundamento no art. 51, IV do CDC e §1º, II.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
Com base em tal entendimento, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu que:
“A cláusula de fidelização é abusiva, na medida em que coloca o consumidor em posição extremamente desvantajosa e desigual, violando, ainda, a livre concorrência e os princípios da confiança, da transparência, da informação, bem como da boa-fé objetiva. Demonstrada a nulidade da cláusula de fidelidade, o reconhecimento do caráter indevido da cobrança efetuada a este título é mero corolário lógico. (Relator: des. Antônio de Pádua. Apelação Cível 1.0434.08.015037-9/001. Data de Julgamento: 16/02/2012).”
Em orientação semelhante, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, destacou tal entendimento no julgamento da Apelação Cível nº 0055873-94.2011.8.19.0001:
“A fidelidade deve ser obtida e mantida por outros meios e procedimentos, notadamente os que produzam vantagens para o usuário, na medida em que se prolonga o vínculo contratual. Não é compatível com as relações de consumo aceitar a prática da fidelização do usuário por instrumento de força e de supremacia de uma das partes da relação contratual. O que se busca no sistema de proteção ao consumidor, de berço constitucional, é a eliminação das desigualdades contratuais resultantes da vulnerabilidade de uma das partes e a formação de relações equilibradas. A cláusula impugnada, ao contrário, acentua a desigualdade e fomenta o desequilíbrio. A cobrança de multa por cancelamento do serviço, independentemente de vedação em resolução da agencia reguladora, viola os valores e princípios válidos para as relações de consumo, notadamente a boa-fé objetiva. ”
Na prática, dificultar o cancelamento do serviço pelo consumidor pela imposição de multa com valores excessivos, o impossibilita de rescindir o contrato e acaba por mantê-lo para que o prejuízo não seja maior.
A fidelização não pode ser mantida à custa da imposição de multa ao usuário na hipótese de rescisão unilateral, mas com serviços satisfatórios que agradem os mesmos.
Tal situação se agrava ainda mais por se tratar de cláusula inserida em contrato de adesão, que, como sabemos, embora seja modalidade indispensável na atualidade, não permite que uma das partes expresse amplamente sua vontade, sujeitando-se às regras previamente estabelecidas pela outra parte.
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido estabelecidas pelo fornecedor, sem que o consumidor tenha influído em seu conteúdo. A característica mais marcante do contrato de adesão, é que nele, inexiste a fase de tratativas preliminares, que nas demais modalidades de contrato, tem como objetivo estabelecer as vantagens e desvantagens, em condições de igualdade, a serem traduzidas nas cláusulas contratuais; ao revés, aqui, há sempre fórmulas rígidas, previamente elaboradas, de forma unilateral pelo fornecedor.
Não há que se falar em equilíbrio no contrato de adesão; há sim, uma desigualdade entre os contratantes, desde o momento da celebração perdurando até a execução. O consumidor assume posição desfavorável em relação ao fornecedor, responsável pela elaboração das cláusulas contratuais.
Isto posto, o autor entende completamente abusiva a cobrança da multa por fidelização.
3.2 DO DEVER DE INFORMAÇÃO
Ainda que este juízo entenda válida a cláusula contratual que estabeleça a fidelização do cliente à empresa, ainda assim, no presente caso, é insofismável a abusividade da mesma.
Na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores o princípio básico norteador é aquele instituído pelo art. 4º, caput, do CDC:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios.
Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo.
Em função do desequilíbrio, que é da própria essência do contrato de adesão, o Princípio da Transparência assume papel relevante, pois é ele que garante à parte vulnerável o direito às informações contidas no contrato.
Como essa espécie não permite o exercício pleno do direito de negociar, o consumidor apenas adere a cláusulas previamente estabelecidas, sendo imprescindível que ele receba antecipadamente todas as informações relativas ao contrato e ao próprio negócio.
Na busca por minimizar as desigualdades, o CDC instituiu instrumentos com vista de promover a proteção contratual do consumidor, buscando estabelecer maior equilíbrio entre as partes. Nesse sentido devemos encarar o art. 47, que determina "que as cláusulas contratuais deverão ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor".
A operadora não informou ao consumidor que se tratava de um contrato de fidelização, tão pouco o …